terça-feira, 15 de março de 2022

Pandemônio na arte

A partir das implicações políticas em seu entorno imediato e da amplificação do abismo social, artistas produzem a primeira leva da arte na pandemia Juliana MonachesiPUBLICADO EM: 03/03/2022 Março de 2020. Todas as exposições estão fechadas para o público. Todas as exposições que se seguiriam às que estavam em cartaz são adiadas por tempo indeterminado. Abriel de 2020. Editoras disponibilizam livros na íntegra para download gratuito em seus sites. A n-1 Edições publica quase diariamente artigos e ensaios sobre o momento presente sob a rubrica Pandemia Crítica. Ailton Krenak lança O Amanhã Não Está à Venda, livro em que afirma: “Tem muita gente que suspendeu projetos e atividades. As pessoas acham que basta mudar o calendário. Quem está apenas adiando compromissos, como se tudo fosse voltar ao normal, está vivendo no passado. O futuro é aqui e agora, pode não haver o ano que vem”. O músico Travis Scott faz show no Fortnite, com público de 14 milhões, devidamente aferido pela Epic Games. Maio de 2020. Exposições que se seguiriam às que deveriam ter entrado em cartaz são canceladas definitivamente. Explodem as viewing rooms para realização de mostras on-line. Surgem as primeiras críticas aos VRs e à compulsiva produção de visibilidade no mundo da arte. Brasil é capa do NYT com fotografia de cemitério de covas rasas feito às pressas na Amazônia. George Floyd é assassinado por um policial branco em Minneapolis. Três meses depois da eclosão da pandemia, grande parte da população mundial tinha duas certezas: isso não vai terminar tão cedo e as catástrofes ambientais e cataclismos sociais anteriores à pandemia só vão piorar. Mais três meses de incertezas se seguiriam até umas poucas exposições reabrirem e os espaços de arte, operando segundo protocolos normalizados em tempo recorde, voltarem a funcionar de forma intermitente, abrindo e fechando de acordo com os índices de contaminação e número de mortes em cada estado. O mundo em alerta, a vida em suspensão, e o que os artistas fizeram nesse semestre “perdido”? O que fariam a seguir, ao menos aqueles que tinham condições de seguir trabalhando? Algumas pistas surgiam em plataformas menos assertivas do que as de VRs ou feiras on-line, focadas exclusivamente em vendas. Assemblages pandêmicos Jac Leirner começa a postar algumas esculturas bem-humoradas em sua conta de Instagram. Feitas com os materiais que a artista tinha à mão (o que, aliás, sempre fora seu modus operandi), as assemblages pandêmicas guardavam características antropomórficas, traço pouco comum em construções pregressas. Hoje, olhando com algum “recuo histórico”, Leirner afirma que, “no que concerne ao trabalho”, aquele primeiro semestre “foi um tempo de realização do que já estava encaminhado, na fila, 1a espera de vir a ser. Liberei o free style relativo às coisas todas e quaisquer em um fazer sem-fim. Também cuidei dos espaços onde o trabalho acontece, da fundação aos acabamentos”. No perfil de Instagram de outro artista brasileiro, este radicado em Londres, também uma série de composições antropomórficas desponta: Alexandre da Cunha posta uma imagem de duas pequenas tigelas emborcadas em panelas, com uma pera entre elas fazendo as vezes de nariz, batatas formando o rosto e uma banana smiley arrematando o retrato cheio de humor e leveza. “Quarentena smiles”, alguém comenta. Outros arranjos se seguem até um post em que um coador com borra de café e dois cogumelos bastam para figurar o mood do momento. Um artista deixa nos comentários a observação: “O grito!” Pergunto também a ele sobre a experiência do início da pandemia: “O início da pandemia nos trouxe um material mágico e simbólico muito potente e, de certa forma, até estimulante, onde todo mundo, de repente, teve de se juntar ao mesmo tempo em torno da ideia da morte. As distrações que sempre nos nutriram e amortecem nossa relação mais essencial com a vida (e com a morte) pararam de forma abrupta, e isso gerou muito desequilíbrio”, pondera Alexandre da Cunha. A fase seguinte – que, para Da Cunha, é a que estamos vivendo agora – “enfatiza as questões políticas, sociais e éticas e todas as suas discrepâncias no âmbito do coletivo. Individualmente, estamos meio perdidos, solitários, sem muitos acessos para nos conectar de fato com o mundo subjetivo. Mas, como artista, me sinto privilegiado, pois meu trabalho me permite esse acesso, e isso tem sido muito restaurador”. Para Jac Leirner, “o trabalho é fruto de todas as experiências. E, nesse sentido, sim, ele resultou também desse tempo estranho e impositivo”. Reprodução da vida Marepe, como Jac Leirner, trabalha sempre e por princípio estático com objetos mundanos, porém estreitou seus laços profundamente com o espaço doméstico durante a pandemia. Ventilaflores (2020) é um dos resultados da experiência do isolamento, assim como a maior parte das obras que o artista baiano apresentou na mostra-solo Aglomerado Mergulho (2021), na sua galeria em São Paulo, a Luisa Strina, no primeiro semestre. Ao se voltar aos afazeres domésticos que não eram parte de suas preocupações, porque antes tinha ajuda em casa, o artista conta que conheceu um novo lugar. Como se o campo da “reprodução da vida”, para falar com Silvia Federici, das ações historicamente esperadas das mulheres (o oposto disso sendo a “produção”, o trabalho remunerado dos homens), invadindo o cotidiano, transmutasse a casa em sujeito histórico, que indaga a sensibilidade artística sobre um fazer invisível que sustenta o mundo. Arapuca dos dias Diego Rimaos também fez seu mergulho no ano e meio em que parte do mundo viveu em pausa. Afeito aos trabalhos de pequenas dimensões e extrema delicadeza, o artista mineiro radicado em São Paulo conta que, com o passar dos dias, viu-se interessado mais e mais em questões do seu mundo interior, como numa autoanálise silenciosa. Seus projetos abstratos começaram a dar lugar a figurações de um mundo onírico, que espelham a interioridade e geram empatia por causa da experiência compartilhada, como o calendário de 2020 separado do pequeno refúgio feito de madeira, bambu, lã e papel por uma escada instransponível: refugiados em nossas bolhas, 2020 se esvaiu no ar. A inteligência da natureza Urs Fischer, conhecido pelas réplicas monumentais de esculturas clássicas em parafina que vão derretendo ao longo de suas exposições, voltou-se para dentro (de si, do ateliê, da casa) durante o isolamento. Lançou a série CHAOS, em abril de 2021, NFTs que consistem na animação de dois objetos mundanos escaneados digitalmente e acoplados um ao outro, num movimento contínuo que mostra a interação entre uma esponja e uma couve-flor, ou entre um hot-dog e um controle remoto, com destaque para a simbiose telúrica entre um abacate e uma pequena vela em forma de Vênus de Willendorf. Apesar do conte do gritantemente advindo de um convívio cerrado com as coisas da casa, o artista suíço não estabelece uma relação direta entre a série e a pandemia: “O conceito original de usar uma abundância de itens de tipo ‘cotidiano’ em algum formato começou muito antes do lockdown, então eu não diria que foi excessivamente informado pela pandemia”, afirma em entrevista à seLecT por e-mail. Dois meses depois do lançamento dos NFTs, Fischer realizou em sua galeria, em Londres, a Sadie Coles, uma exposição de pinturas que representam a vista do jardim de seu ateliê, de dentro para fora, mostrando um detalhe de poltrona, fiações, uma pia, uma cadeira. Resultado da pandemia, como são apresentadas no texto de divulgação da mostra, as obras expressam a solidão da casa e do jardim, uma observação dos fluxos e padrões da natureza, e refletem um aumento do tempo passado em casa. “Situados em três fases distintas, os fundos fotográficos dessas novas pinturas vêm de trás fontes diferentes: o exterior da casa e do jardim do artista em Los Angeles; os espaços interiores de casa e estúdio; e instantâneos de um rolo de filme descoberto recentemente na casa da infância”, lemos na apresentação da expo The Intelligence of Nature. O segundo ano Natureza e interiores domésticos povoam a “arte da pandemia”, se é que já se pode falar nesses termos. Para o historiador Rafael Domingues, “talvez a gente precise de um pouco mais de futuro para poder ver em perspectiva”, afirma, em resposta à seLecT durante a última mesa do Seminário do 72o Salão de Abril, em setembro deste ano. Mais longevo e cobiçado evento do calendário de salões nacionais de arte, a mostra cearense deste ano recebeu um número considerável de inscrições que continham obras impregnadas de representações e reflexões sobre o impacto da Covid-19. A atualidade vem sendo marcada por uma suposta volta ao “normal”, com um calendário de exposições que se reorganizou, muitos eventos de arte previstos para 2020 podendo acontecer somente um ano depois. “A pandemia, enquanto experiência social e individual, foi bastante evidenciada nos trabalhos dos artistas, tanto no conjunto dos inscritos quanto entre aqueles que a gente selecionou”, afirma Luciara Ribeiro, uma das curadoras do Salão de Abril deste ano, em entrevista à seLecT. O escopo de inscritos num evento desse porte funciona como uma amostragem importante para calibrar a percepção da arte atual, sobretudo de artistas mais jovens. Entre os trabalhos expostos, são emblemáticos os desenhos de Diego de Santos, intitulados Fantasma Hereditário, da série Trilogia Fantasma (2021), feitos sobre as folhas da carteira de trabalho da mãe do artista. “Durante a pandemia, estávamos em casa e, mexendo em coisas guardadas há tempos, encontramos esse documento sem qualquer registro. Decidimos que guardar esse objeto era inútil; tratava-se apenas de papel velho juntando traça”, comentou o artista no seminário do salão. Sobre as folhas soltas da carteira de trabalho, Santos desenhou conchas, que carregam a simbologia da morada, mas também aludem ao termo em inglês shell company, que significa empresa fantasma. “O trabalho de arte em geral envolve um grande investimento com possibilidades muito remotas de retorno financeiro; não existe qualquer tipo de registro formal da atuação de um artista profissional, o que faz pensar em outras ausências, silenciamentos e apagamentos”, conclui. Luciara Ribeiro relata que ficou bastante tocada pela escolha da carteira de trabalho como suporte para o desenho. “Diego traz uma reflexão sobre esse símbolo – ou você tem esse documento assinado ou não tem –, o que se estende a um aspecto de valorização da sua própria existência dentro da sociedade. Por outro lado, esse documento tem sido apagado, porque existe a carteira digital e também pelas próprias possibilidades de trabalho, cada vez menos aliadas a esse documento, como processo de perda de direitos, o que coloca também uma questão estrutural e histórica, do quanto ainda temos de reparar dentro das políticas públicas sociais e de equidade. Suas obras trazem politização para o campo das artes. A política do olhar e do fazer tem se sobressaído mais, porque não tem como vivenciar a política de retrocessos hoje no Brasil sem nos posicionar.” Oxigênio (2021), obra da Fernanda Siebra exposta no Salão de Abril, é composta de imagens térmicas produzidas a partir do contato de álcool em concentração de 70% com papel de cupons fiscais. “Assim como o exercício respiratório, o oxigênio propõe pensar sobre o direito à vida que nos vem sendo negado e denunciar a crise sanitária e econômica que atravessa o país”, afirma a artista. Os desenhos surgiram por acaso, da experiência de receber uma compra entregue em casa durante o isolamento e, depois de higienizar as mãos, tocar no cupom fiscal e observar o efeito do contato. Siebra então desenhou bustos, covas, pulmões sobre a coleção de recibos. Para Luciara Ribeiro, a artista constrói “uma espécie de diário pandêmico, propondo uma reflexão sobre quem fica dentro de casa, recebendo aquilo de que precisa para sobreviver e quem está na rua, se arriscando, podendo se contaminar. Os recibos mostram aquilo que ela consumiu durante o período, por isso se torna também um diário, assim como a carteira de trabalho se torna um registro da história de alguém e pode ser usado como um controle. E a artista desenha com o álcool 70%, justamente esse elemento que se tornou de uso cotidiano por causa da pandemia”. Apesar de tudo Da mesma natureza de problemáticas que se acentuaram com a pandemia, mas sempre estiveram presentes, é a temática da exposição que a curadora Julia Lima realizou em julho e agosto deste ano na Oficina Cultural Oswald de Andrade, em São Paulo. A obra que estampa o convite de Ministério da Solidão, da artista Clarice Cunha, funciona como imagem-síntese da experiência pandêmica. Uma mala de viagem de couro, aparentando desgaste, cheia de tacos de madeira, que aludem ao passado desenvolvimentista e modernizador do Brasil dos anos 1950, encerra uma visão melancólica de uma viagem malsucedida, da qual restou a ruína do projeto da arquitetura brasileira do período. “Por sua gama de cores vivas e soluções alegres, os revestimentos foram elementos marcantes dessa arquitetura. Com o gesto de escolher malas como recipientes desses revestimentos, convido à reflexão sobre a importância do imaginário na preservação dos patrimônios no Brasil”, escreve Clarice Cunha sobre Presente #1 (2019) em post no Instagram divulgando a exposição, texto que termina com a frase: “Feliz em colaborar com este projeto e ser uma artista brasileira, apesar de tudo”. A curadora conta à seLecT que o projeto da mostra é anterior à pandemia, mas que ganhou contornos de profecia autorrealizável, quando, depois de mudanças de local e também de data, finalmente abriu no espaço do Bom Retiro. “A obra relacional de Anna Costa Silva, por exemplo, em que a artista oferece companhia a quem necessite, começou em 2016 e reunia experiências tão diversas quanto o pedido de um participante para que Anna o acompanhasse na fila do Detran.” Com a eclosão da pandemia, o trabalho Ofereço Companhia (2016) seguiu sendo realizado de forma remota. “Existe obra mais profética do que Protetor de Proximidade Humana (2018), de Renan Marcondes?”, pergunta Julia Lima. “São dispositivos para ações que o artista desenvolve de modo que dois performers possam dançar valsa juntos, mantendo exatamente 1 metro de distância entre eles.” “O Ministério da Solidão reúne artistas que lidam com esse domínio do afeto diante das ansiedades e melancolias que se impõem coletivamente”, escreve Lima no texto da mostra. “São afirmações da resistência, tanto quanto são defesas incondicionais do desejo de estar junto, do encontro, são respostas às tensões e aos colapsos que temos experimentado crescentemente nos últimos anos, agravadas cada vez mais por uma descida vertiginosa ao abismo. Ainda que muito diferentes entre si, os trabalhos se ancoram e se aterram tanto numa poderosa crença nos gestos íntimos de disrupção, assim como em movimentos coletivos de combate.” Mães ocultas A série que Daniela Torrente apresentou este ano no Museu da Imagem e do Som, dentro no programa Nova Fotografia 2020, tem como disparador uma prática de retratistas da era vitoriana que, para conseguir fotografar uma criança, precisavam que a mãe (coberta por um tecido) acalmasse a retratada, aguardando a longa exposição diante do obturador. O dispositivo da foto hidden mother (mãe oculta), deslocado para o século 21, ganha contornos políticos, chamando a atenção para o apagamento da mulher no processo (não remunerado) de reprodução da vida, cuidando da casa e dos filhos. Somando à recontextualização o fator, desconhecido pela artista no momento da produção dos retratos atuais, da vida pandêmica, em que justamente a esfera da vida foi doméstica tornou vítimas de volência muitas mulheres isoladas sob o mesmo teto de seus agressores, Sombra de Vitória (2020) torna-se um retrato pungente do mundo hoje. A expressão de tranquilidade e segurança das crianças no colo das mães faz pensar na fortaleza que são as mulheres, contra todas as adversidades, assim como no mistério arcaico desse amor indizível. Mas a série também alude, por outra infeliz coincidência dos tempos, às afegãs vivendo sob o jugo do Taleban. Mapa relacional A preocupação com a violência doméstica foi uma das razões que mobilizaram Gabriela Noujaim a criar, muito provavelmente, uma das imagens mais contundentes da pandemia: a máscara que leva o mapa da América Latina serigrafado em vermelho para o rosto de mulheres de diferentes locais do Brasil, que se engajaram na troca com a artista carioca. Gabriela enviava a serigrafia e recebia de volta selfies das participantes usando a máscara em seus locais de trabalho. O que não estava previsto é que, nas trocas, a artista receberia também testemunhos das mulheres sobre as dificuldades que estavam passando. “A maioria dos relatos mencionava ameaças e agressões, mas chegaram também histórias de superação durante a pandemia”, conta em entrevista à seLecT. As fotografias e as histórias tornaram-se um livro de artista, intitulado Latinamerica 2020, exposto pela primeira vez este ano na Galeria Simone Cadinelli, no Rio de Janeiro. No segundo semestre, em mostra-solo no Museu Nacional da República, em Brasília, Noujaim distribuiu algumas serigrafias entre artistas da cidade, e o símbolo foi parar em manifestação em frente ao Ministério da Saúde. “O trabalho é relacional e vai ganhando seu fluxo." FONTE: https://www.select.art.br/pandemonio-na-arte/

Resiliência climática e culturas tradicionais

Práticas culturais são fundamentais para essa travessia. Ana Rita Albuquerque 16:49 - 4 De Março De 2022 As mudanças climáticas apresentam riscos para os ecossistemas terrestres e oceânicos, para os padrões de vida, saúde e segurança hídrica. A mitigação desses eventos tem que levar em conta desde a infraestrutura até as projeções de crescimento das cidades e as rupturas ocasionadas pelos eventos naturais, por guerras, pelo desflorestamento e tudo o mais que pode levar à busca de maior ou menor resiliência. Nas cidades e nos campos, alagamentos e enchentes vêm se acentuando, tornando essencial adaptação e resiliência, com investimentos e planejamento, mas também com soluções baseadas nos conhecimentos científicos e tradicionais, ou seja, o aprendizado da natureza também é fundamental para a resiliência. A inclusão no IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), em 2019, do conhecimento das populações tradicionais locais e dos povos indígenas este já consagrado desde 2007 na Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, une ciência e natureza e oferece grande contribuição para projetos socioecológicos resilientes. Essas comunidades detêm grande prática cultural, sabedoria, tradições e formas de conhecer o mundo podendo fornecer informações e soluções para as mudanças climáticas. Importantes projetos de resiliência climática estão sendo desenvolvidos na África visando a redução da desertificação, também no Ártico, Finlândia, China e em locais mais vulneráveis ao aquecimento global, unindo os conhecimentos tradicionais e científicos. Enquanto os conhecimentos tradicionais estão sendo incorporados aos estudos científicos para a sobrevivência do planeta e estratégias de adaptação, no Brasil, a série Maracá – Emergência indígena denuncia o genocídio indígena e questiona o preço que pagaremos por tal ato. O pensador e líder indígena Ailton Krenak salienta que apesar de todas as evidências, as geleiras derretendo, os oceanos cheios de lixo, o grande número das espécies em extinção, estamos nos desconectando desse organismo vivo que é a Terra. Seu povo habita o denominado “Quadrilátero Ferrífero” em Minas Gerais, onde a lama da mineração de grandes corporações envenena a bacia do rio Doce. Nesse cenário, Krenak aponta alguma esperança: “O tempo passou, as pessoas se concentraram em metrópoles, e o planeta virou um paliteiro. Mas, agora, de dentro do concreto, surge essa utopia de transformar o cemitério urbano em vida. A agrofloresta e a permacultura mostram aos povos da floresta que existem pessoas nas cidades viabilizando novas alianças, sem aquela ideia de campo de um lado e cidade do outro” (Krenak, Ailton. A vida não é útil, p.22). Apesar de seu território estar devastado e sem caça, cumprindo as projeções de antigos pajés, Krenak sugere que ainda há tempo de um armistício e admitir que “o nosso sonho coletivo de mundo e a inserção da humanidade na biosfera terão que se dar de outra maneira” (idem, p.44). É essencial a contribuição de todos para atravessar esse deserto, e as práticas culturais são fundamentais para essa travessia, isto é, se realmente decidirmos sobreviver sem sermos devorados pelo desenvolvimento insustentável que ainda predomina sobre uma terra ainda tolerante, mas cansada. FONTE: https://monitormercantil.com.br/resiliencia-climatica-e-culturas-tradicionais/