quarta-feira, 14 de novembro de 2007

“Ainda estamos sujeitos a todo tipo de roubalheira”


Ailton Krenak, durante entrevista a Sidney Rezende, no Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica)
Foto: Daniel Werneck

Ailton Krenak chegou para a entrevista de calça jeans, tênis, celular e agenda na mão. No pescoço e nos pulsos, adereços artesanais. No rosto, uma fisionomia que revela sua origem: a comunidade indígena Krenak, localizada no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. Pisando no chão de madeira, no camarim, disse: “Isto é pinho. Mas não é de mata nativa não, ainda bem”. No discurso, quebra de estereótipos e uma fala nitidamente integrada ao mundo: “No Fórum Social Mundial, as pessoas gritavam ‘não à globalização’. É a mesma coisa que dizer ‘não ao efeito estufa’. Do que adianta gritar? O mundo vai voltar a ser bonitinho?”.

Em conversa com o jornalista Sidney Rezende na 5ª edição da Mostra Fica - Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental, no auditório do Sesc, no Rio de Janeiro, o líder indígena demonstrou estar imerso na cultura dos brancos. A olho nu, Krenak parecia mais um índio de tradições devastadas pela “civilização”. A imagem de homem ingênuo, no entanto, desapareceu no decorrer do debate. Formado em jornalismo e design, o entrevistado mostrou que sua opção por viver em meio ao homem branco sempre esteve ligada à preservação de seus antepassados e ao resgate de sua identidade cultural. Suas ações são apoiadas justamente em recursos da sociedade dita civilizada.

Há um ano, os Krenak entraram com ação no Ministério Público por danos ambientais e morais pelas perdas físicas e culturais que seu povo sofreu durante o século XX, quando grandes empresas insistiam em desbravar suas terras impunemente. “Pedimos indenização, sim. Tudo não é dinheiro? Então vejam aí, na linguagem capitalista, quanto custou o que vocês fizeram”, criticou.

No início do século XX, os Krenak tinham uma população de cinco mil pessoas, número que se reduziu a 600 na década de 1920 e a 130 indivíduos em 1989. Eles viraram o século com cerca de 150 indivíduos. Engajado nas causas políticas em favor dos povos indígenas, ele acredita que o governo ainda tem muito a fazer para proteger essas comunidades. “Até hoje o Brasil não conseguiu disciplinar-se em relação a isso. Ainda estamos sujeitos a todo tipo de roubalheira”, lamentou.

Consciente dos avanços tecnológicos, o líder não repudia sua emancipação, mas acredita que ela pode ser usada de maneira mais inteligente. “A natureza tem capacidade de gerar riquezas para o ser humano, que tem como desenvolver uma relação harmoniosa entre natureza e tecnologia. Não precisava ter transformado rios em esgotos, oceanos em poças de produtos químicos. Não podemos estigmatizar a tecnologia como algo maléfico. O negócio é não instruentalizá-la para algo ruim”, comentou. “Estamos todos avassalados pelo mercado, o mundo é movido por ele. Isso está acabando com as culturas tradicionais.”

Por causa dessa lógica capitalista, ele também questionou a atuação de grupos ambientalistas. “Quem sustenta as ONGs hoje são empresas. Quem paga os secretários de meio ambiente são os empreendedores. Não podemos nos iludir. Eles agem subordinados a isso”, comentou. Krenak revelou que a velha prática de mercado conhecida como escambo (troca de bens) ainda persiste nas comunidades. “Presenteando” os índios com celulares e equipamentos de última geração, madeireiros conseguem agilizar seu comércio ilegal.

Ele reafirmou a teoria de que a “lógica perversa” do mercado está gerando os grandes impactos ambientais na Terra. “O planeta está em convulsão pelo ‘barulho’ que fizemos aqui”, disse, finalizando o papo com a típica visão de quem não mantém uma relação de superioridade com a natureza. “Se o planeta cuspir todos nós, a biodiversidade não vai sentir falta”.

Leia mais sobre o evento no Blog do Sidney Rezende: Indíos e brancos: a modernidade a serviço do crime.

FONTE:www.sidneyrezende.com/blog/index.php?page=6