quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Criação brasileira em foco

O Tempo, Magazine, em 08/11/2010
Carlos Andrei Siquara

Um conteúdo inédito e abrangente sobre a produção cultural no país, ou como diz o organizador Fábio Maleronka, “uma bibliografia quente”, é o que está próximo de ser lançado até o fim deste mês, na internet e em livros gratuitos.
Reunindo cem nomes de peso, o projeto Produção Cultural no Brasil traz depoimentos de pessoas de diferentes setores culturais de alguns Estados de todas as regiões. A finalidade é traçar um panorama geral do que vem sendo criado no país, sob múltiplos pontos de vista.

“O projeto surgiu de uma constatação de que não havia um material, no Brasil, sobre produção cultural, realizada por pessoas que trabalham na área. Nós partimos dessa ideia, mas não sabíamos como fazer uma curadoria capaz de abarcar tantas manifestações em um país com proporções continentais. Quase optamos por dissolver o conceito de curadoria, e uma solução encontrada foi fazer cem entrevistas com algumas personalidades que consideramos representativas. Mas poderiam ter participado muitas outras pessoas”, conta Fábio Maleronka, produtor cultural, idealizador e coordenador dessa iniciativa.

Há mais de um mês no ar, o site do projeto (www.producaocultural.org. br) já tornou acessível alguns vídeos. No final, quando todos os depoimentos estiveram na rede vão somar cerca de seis horas de entrevistas. São falas de artistas, gestores culturais e técnicos. Cada um dos convidados apresenta a sua opinião sobre o momento atual, além de apresentar pensamentos sobre o futuro.

“Nós buscamos levar em conta as territorialidades, a importância histórica de alguns produtores, como Thomaz Farkas, Maurício de Souza, Fernando Faro, Hermínio de Carvalho, Inezita Barroso. Nós olhamos também para a trajetória das políticas culturais, então convidamos os ex-ministros da Cultura Francisco Weffort e Gilberto Gil, e, o atual, Juca Ferreira. Tentamos assim, contemplar as diferentes esferas da cultura, desde produtores, gestores até técnicos, como o serralheiro, o engenheiro de cinema, o luthier”, explica.

Iniciadas em fevereiro deste ano, as entrevistas foram realizadas em dois formatos. Uma menor, com edição em média de cinco minutos, e outra mais extensa, que vai ser transformada em livro, o qual também vai estar liberado no site, para ser consultado e reproduzido por qualquer um.

“Todo o projeto é feito sob a licença ‘creative commons’. O objetivo é democratizar o acesso e permitir que as informações sejam baixadas pela internet. Dessa forma, elas podem ser compartilhadas de muitas maneiras, seja na sala da aula, ou em qualquer outra forma de consulta. O importante é fazer circular. Nós vamos também tentar fazer um esforço para traduzir esse conteúdo para outras línguas. Assim, os livros poderão ser capturados com facilidade pelo resto do mundo”, conta.

Estendido pelas redes sociais, como Twitter, Facebook e Cultura Digital, o endereço eletrônico se estabelece como uma plataforma digital capaz de agregar interessados em discutir. O conteúdo veiculado nele visa não só tornar acessível as histórias, mas incentivar o diálogo, as trocas e o debate sobre políticas públicas. “O site é um banco de conteúdo, mas a gente acha que deve ser muito mais. Ele abre a oportunidade para surgirem debates. Hoje em dia, as pessoas interagem bastante pelas redes sociais. Usamos isso a nosso favor. E há uma conversa de que na área cultural todo mundo se conhece, o que não é verdade. Pensamos, então, na possibilidade, de por meio do site, os organizadores se encontrarem. Tomando conhecimento uns dos outros, os festivais de literatura, música e dança, todas as linguagens poderiam interagir”, afirma.

Reunindo diferentes comentários sobre a cultura, o projeto também conta um pouco da história da política cultural do país. Curiosidades se revelam como a mudança do Ministério da Cultura para Secretaria da Cultura, no governo Collor, posteriormente revertida. Os realizadores que trabalharam na época anterior a década 80 também dão notícias do contexto da produção cultural na ditadura militar.

“É possível conhecer por parte de cada um dos convidados, com suas particulares posturas ideológicas, várias histórias do passado. Mas não fica apenas nisso. As perspectivas sobre o que devemos fazer, quais são os próximos passos que aparec e m na fala de grande parte dos produtores, apontando alguns caminhos possíveis de serem seguidos”, diz Maleronka.

Do Ceará a Minas Gerais, são destacados trabalhos realizados por pessoas que encaram e valorizam a cultura pelo seu potencial transformador. E, em um comum, compartilham a ideia de que para alcançar mudanças é preciso propor alternativas capazes de gerar outros rumos, a partir de novas escolhas.

“A consciência da importância da cultura aumentou, mas, por outro lado, precisa crescer muito mais, porque estamos atrasados em relação a outros países no mesmo patamar que a gente. Alguns preconceitos precisam ser quebrados. A CULTURA não deve ser encarada como marketing cultural por parte das empresas, mas deve ser entendida como desenvolvimento estratégico, feito com linhas de crédito, para que o Brasil não seja sempre um vendedor de ‘commodities’, e possa competir com ideias e criações mais interessantes”.

Em Minas

Colaboradores de um trabalho em processo

Carlos Andrei Siquara

De acordo com a proposta do projeto Produção Cultural no Brasil, sete envolvidos com atividades culturais em Minas Gerais foram convidados para participar do ciclo de entrevistas. Dentre os escolhidos, nomes que se destacam pela realização de um trabalho específico. São eles: Ailton Krenak, escritor, jornalista e fundador da ONG Núcleo de Cultura Indígena; Allen Roscoe, fundidor de bronze de esculturas ; Bruna Christófaro, diretora de arte e cenógrafa; Cao Guimarães, artista plástico, cineasta e fotógrafo; Jochen Volz, curador artístico do Instituto Inhotim; Tindaro Silvano, coreógrafo; e Vergilio Lima, luthier.

“A abrangência do projeto é fundamental. Entre os entrevistados tem profissionais das mais diversas áreas da cultura, e assim os documentos resultantes disso prometem servir como excelente base para um rico acervo bibliográfico.

Com certeza, seria importante dar continuidade a essa ideia para que ela possa crescer com o tempo”, opina Jochen Volz, cujo depoimento vai estar disponível no site (www. producaocultural.org.br), em breve.
Da mesma opinião do curador do Instituto Inhotim, o artista mineiro Cao Guimarães também observa um diferencial na abordagem da curadoria. “O que achei interessante foi chamar as pessoas que produzem de maneira não oficiosa. E o meu jeito de fazer as coisas é um pouco assim. Eu faço um tipo de cinema mais barato, que eu chamo de cinema de cozinha. Acho relevante mostrar essas outras possibilidades”, afirma Guimarães, que atua na produção de filmes em interface com as artes plásticas.

Com 36 anos de experiência dedicados à dança, o professor e coreógrafo do Ballet Jovem do Palácio das Artes, Tindaro Silvano acrescenta como essa ideia de reunir diferentes formas de produção, sem ser apresentada sob um único viés, contribui para os realizadores se conhecerem melhor. “Nesse projeto, todo mundo pode ver o que as pessoas estão fazendo, e cada artista pode conhecer melhor o trabalho e o ponto de vista do outro. Tenho notado como, de uma maneira geral, todos os convidados parecem estar, pelo menos aparentemente, despojados de ego. Você não fica vendo os artistas falando especificamente da obra dele, sentados no próprio umbigo”, conta Silvano.

No campo da dança, o coreógrafo nota como a partir dessa iniciativa algumas discussões poderiam surgir para promover ações, como a urgente necessidade de se ampliar o acesso à informação, uma vez que no Brasil são poucas publicações sobre esse tema específico. “A gente vive em meio a um certo amadorismo, não existe nenhum LIVRO sobre dança produzido no Brasil. Eu também sou professor e, quando um aluno me pergunta de um livro sobre a história da dança, eu noto a dificuldade de encontrar um material em nossa língua. Por isso, oriento a todos a buscar aprender outro idioma para conseguirem ter acesso às edições estrangeiras”.

FONTE: http://www.cultura.gov.br/site/2010/11/09/criacao-brasileira-em-foco/