sábado, 26 de dezembro de 2009

Minas tem mais uma etnia indígena reconhecida pela Funai: os Aranã

O Assessor Especial para Assuntos Indígenas do Governo Minas, Aílton Krenak, comemorou o reconhecimento dos Aranã, ocorrido no último dia 5, como mais um testemunho de que Minas - como sempre destaca o governador Aécio Neves - continua na vanguarda das grandes decisões nacionais. A audiência final que pôs um fim a uma luta de quase um século dos remanescente dos Aranã aconteceu em Belo Horizonte, no Ministério Público Federal, quando o Estado ganhou sua oitava etnia indígena.

Nos últimos dez anos, além do crescimento das etnias reconhecidas, também se registrou o aumento populacional das nações indígenas no Estado. Ao contrário de outras regiões do País, onde os conflitos e o preconceito permanecem. “Em Minas vigora a harmonia e, bem ao estilo das tradições mineiras, representa a vitória da superação, da luta, da liberdade e igualdade”, destaca Aílton Krenak.

Em Minas, antes dos Aranã, sete grupos já eram reconhecidos pela Funai: Xakriabá, Maxakali, Krenak, Pataxós, Pankararu, Xukuru-kariri e o Kaxixó. Ao todo são oito mil índios no Estado.

Os Aranã vivem nos municípios de Coronel Murta e Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, em famílias. Foram décadas de persistente trabalho que envolveu estudos e pesquisas, inclusive na Itália, principalmente através do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes), com sede em Contagem, e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O próximo passo, agora, é a identificação das terras, entre Capelinha e Coronel Murta, invadidas num processo iniciado no século XIX.

“Os índios Aranã terão a partir de agora uma política pública com atenção especial para assistência à saúde e educação, o que não vinha ocorrendo”, declarou à imprensa, logo após a audiência, o procurador da República Adaílton Ramos do Nascimento.

Atenção do governo mineiro

As comunidades indígenas recebem o reconhecimento e cuidados específicos em Minas Gerais. O governador Aécio Neves criou assessoria especial para cuidar dos assuntos relacionados aos índios, nomeando um dos líderes nacionais na luta pelos direitos indígenas, Aílton Krenak, descendentes dos Krenak, de origem baiana, mas que sobreviveram no Vale do Rio Doce, Nordeste de Minas. Entre as suas atribuições, ações relacionadas à assistência à saúde, educação e saneamento nas comunidades indígenas.

Através do Instituto de Terras de Minas Gerais (Iter), o Governo de Minas, antes mesmo do reconhecimento da etnia, investiga imóveis na região em que vivem os Aranã. A partir do histórico dos terrenos foram ajuizadas ações que tramitam no judiciário, sob a responsabilidade da Procuradoria Geral do Estado. O objetivo é recuperar e devolver as terras aos legítimos proprietários, os índios. A idéia é tentar uma solução por adjudicação de áreas que estão sendo executadas pela Fazenda Pública Estadual, na Comarca de Araçuaí, Vale do Jequitinhonha.

Luta pelo reconhecimento

Acompanhada por 13 representantes da etnia, a líder da comunidade Indígena Aranã Pedro Sangê, Maria Rosa Índia fez, durante a audiência, emocionante relato sobre a luta dos índios para conseguir o reconhecimento. Ela informou que já foram identificados pouco mais de cem integrantes dos Aranã, mas acredita que mais de 150 estão vivendo em outras regiões do Estado. “Somos a única comunidade com o sobrenome de Índio e agora estamos confiantes que vamos conseguir recuperar as terras de onde fomos expulsos nas últimas décadas”, afirmou.

Da mesma origem - na história dos Botocudos - a saga dos Aranã também se assemelha à dos Krenak. Assim como estes foram confinados pelos missionários capuchinhos em 1873, no Aldeamento Central de Nossa Senhora da Conceição do Rio Doce, onde epidemias e a escravidão dizimaram a população. De acordo com a líder Maria Rosa Índia, seus ancestrais também foram entregues ou vendidos a fazendeiros pelos padres italianos. Daí a necessidade de pesquisa, também na Itália, no processo de reconhecimento da etnia. Alguns sobreviventes migraram para o Aldeamento de Itambucuri.

FONTE:http://www.agenciaminas.mg.gov.br/component/controlemultimidia/noticia?id=3814%3Aminas-tem-mais-uma-etnia-indigena-reconhecida-pela-funai-os-arana

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Diagnóstico mostra situação nutricional dos povos indígenas

Agência Minas -

Publicação: 01/12/2009 20:05
O Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais (Consea), em seminário realizado nesta terça-feira (1º) na Escola do Legislativo, em Belo Horizonte, apresentou o Diagnóstico Politransdimentasional sobre Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Indígenas de Minas Gerais, a ser encaminhado aos órgãos públicos de todos os níveis de governo (federal, estadual e municipais) afinados com a causa indígena.

Para o presidente do Consea-MG, dom Mauro Morelli, que abriu o encontro, essa pesquisa oferece “a base para o diálogo como forma de promover a alimentação adequada, saudável e solidária nas comunidades indígenas”. O assessor especial do governador para Assuntos Indígenas, Ailton Krenak, destacou a relevância da pesquisa e informou que, depois de analisado, o estudo será encaminhado aos órgãos que podem promover ações complementares no atendimento ao indígena.

Segundo Clenice Pankararu, que apresentou os resultados da pesquisa e as propostas delineadas referentes a “Território, Meio Ambiente e Hábitos Alimentares”, as atividades de campo foram feitas em 51 comunidades de todos os povos indígenas do Estado: Pataxó, em Itapecerica, Carmésia e Araçuaí; Xacriabá, em São João das Missões; Caxixó, em Martinho Campos; Krenak, em Resplendor; Maxacali, em Bertópolis, Santa Helena de Minas, Ladainha e Topázio; Aranã, em Araçuaí, Coronel Murta e Belo Horizonte; Pankararu, em Araçuaí; Xukuru-Kariri, em caldas; Mocuriñ, em Campanário; e Pataxó Hã Hã Hãe, em Bertópolis.

O cacique Mesaque Pataxó destacou, em sua apresentação, que o maior problema dos indígenas é a terra. “A natureza não é para nós, ela é parte de nós”, disse, “daí a necessidade de ações articuladas para a demarcação de terra e dos cuidados ambientais”, completou ele.

As Práticas Produtivas, Produção de Alimentos, Renda e Políticas Públicas foram tema da apresentação da segunda parte do seminário, também seguida de debates, com apresentação das propostas.

Fórum

Ficou decidida a criação de um fórum com os vários parceiros para encaminhamento do diagnóstico e das propostas reunidas no documento. A expectativa é de que esse fórum já se reúna na semana que vem, informou o secretário-executivo do Consea-MG, Edmar Gadelha.

O Diagnóstico Politransdimentasional considerou a diversidade dos povos e de seus sistemas culturais. O estudo faz parte das ações do Centro de Referência de Segurança Alimentar e Nutricional (Cresans), vinculado ao Consea-MG, e foi desenvolvido pelo Instituto Felix Guatarri, sob a coordenação e supervisão da antropóloga Myrtô Áurea de Lima Sucupira e da socióloga Rodica Weitzan, com a participação de lideranças indígenas para a articulação dos trabalhos e apoio logístico. Segundo Rodica Weitzan, “esse documento vivo priorizou as dimensões Território e Questões Ambientais, Acesso e Disponibilidade de Alimentos, Produção de Alimentos; Qualidade da Alimentação e os hábitos alimentares; e Políticas Públicas.

As várias ações do Governo de Minas desenvolvidas em benefício das populações indígenas no Estado são de caráter complementar, já que tais políticas são de competência do governo federal, conforme o Estatuto do Índio (Lei Federal 6001, de 19 de fevereiro de 1973). “A questão da terra é também de competência da União. Já a de reconhecimento de etnia é baseada na Convenção Internacional 169, informou Ailton Krenak.

Segundo Edmar Gadelha, a ideia de fazer esse diagnóstico da situação nutricional dos índios em Minas nasceu em Carmésia, no Vale do Aço, em julho do ano passado, durante o 1º Seminário de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Indígenas, promovido pelo Consea-MG.

Participaram do encontro desta terça-feira representantes do Conselho de Povos Indigenistas de Minas Gerais (Cimi), dos institutos Felix Guatarri e Dom Luciano Mendes de Promoção da Causa Indígena, lideranças indígenas e representantes da Secretaria de Estado de Saúde (SES), da Emater, da Delegacia da Funai em Belo Horizonte e do Consea, dentre outros.

A apresentação de ritual indígena encerrou o seminário.
Postado por Daniel Munduruku às Quarta-feira, Dezembro 02, 2009
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Escritor indígena com 35 livros publicados. Doutorando em Educação na USP. Diretor presidente do INBRAPI-Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual, Comendador da Ordem do Mérito Cultural da Presidência da República e Pesquisador do CNPq. Membro da Academia de Letras de Lorena.

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Crônicas e Opiniões
SOBRE TEMPO E TRABALHO
Artigo semanal do Daniel Munduruku

“Índio é preguiçoso”, reza a lenda popular calcada numa visão de trabalho tipificada pela revolução industrial que defendia a máxima “tempo é dinheiro”.
Embora seja óbvio o viés etnocêntrico – teoria que preconiza a superioridade de um povo sobre o outro se colocando como referência para tudo – o ocidente construiu um olhar sobre o trabalho colocando-o como o centro da vida, da realização e da dignidade da pessoa humana. E jogou por terra outros pensamentos, outras teorias, outras práticas que não levavam em consideração uma visão de tempo centrada na produção.
Por que, dizem, que o índio é preguiçoso – embora já tenha explicado que esse “índio” não exista – fazendo as pessoas criarem um estereótipo perigoso de povos tão diversos e distintos entre si?
Para o indígena existem dois tempos: o passado e o presente. O passado é memorial. Serve para nos lembrar quem somos, de onde viemos e para onde caminhamos. Um povo sem memória ancestral é um povo perdido no tempo e no espaço. Não sabe para onde caminha e por isso se preocupa tanto aonde vai chegar. O passado é a ordenação de nosso ser no mundo. É ele que nos obriga a sermos gratos, a cantar e dançar ao Espírito Criador. É ele que nos lembra o tempo todo que somos seres de passagem.
O outro tempo é o presente. Para estes povos o tempo que importa é o presente. Meu avô afirmava sempre: “se o momento atual não fosse bom, não se chamaria presente”. Os indígenas são, portanto, seres do presente. Só sabem viver o e no presente. “A cada dia basta sua preocupação”, disse um certo pajé chamado Jesus.
Viver o presente quer dizer que é preciso significar cada momento. Desde o acordar pela manhã até o momento do sonho tem que ser vivido com intensidade. Isso obriga o indígena a estar inteiro numa ação sem desviar-se dela. Uma caçada será frutífera a medida em que o caçador estiver envolvido nela, caso contrário não levará nada para casa.
Viver o presente é olhar para si a cada dia e saber a necessidade daquele momento para o bom andamento da comunidade e fazer o que for bom para ela e não para si. É dar mais atenção ao coletivo do que ao individual. E isso exige um esforço e treinamento do corpo e da mente tão intensos que torna o jovem indígena uma pessoa integral.
O mais importante, no entanto, do que quero dizer é que quem vive o presente não tem necessidade de planejar. Planejamento é a tentativa de congelar os acontecimentos que virão. É ter a ilusão de que se está prevendo o futuro. E o futuro é pura ilusão.
Quando, em tempos antigos, os portugueses tentaram escravizar os indígenas esses não aceitaram aquela imposição. Trabalhar, para o português colonizador, era acumular. Acumulação é uma das dimensões do futuro. Acumula-se, poupa-se, guarda-se com a intenção de utilizar depois, amanhã. Os indígenas não sabem o que é o amanhã. E fugiram da escravidão. Os portugueses inventaram, então, que eles eram preguiçosos demais para aquela função nobre. E assim ficou.
Tempo e trabalho não são sinônimos. Trabalho e dinheiro também não. Trabalho não dignifica se ele escraviza. Trabalho demais nos dá tempo de menos. E tempo de menos tira da gente a alegria do encontro com os pais, com os filhos, com os amigos. Só o presente é um presente. O futuro é uma promessa que pode nunca chegar. Os indígenas sabem disso. Por isso vivem o momento.
Daí depreende-se também muitas explicações sobre a essência do ser indígena. Quem tem sensibilidade saberá distinguir diferentes pensamentos presentes em nosso mundo e descobrirá que a diversidade nos torna ainda mais coloridos.
E queria dizer que é muito mais difícil viver o presente. Exige muito mais de cada um. O sonho – o futuro – nos desobriga a olhar para o lado e ver a necessidade diária do outro. O futuro nos torna egoístas e mesquinhos. Só o presente nos compromete.
Pense nisso.



TATUAPÉ – O CAMINHO DO TATU
Uma das mais intrigantes invenções humanas é o metrô. Não digo que seja intrigante para o homem comum, acostumado com os avanços tecnológicos. Penso no homem da floresta, acostumado com o silêncio da mata, com o canto dos pássaros ou com a paciência constante do rio que segue seu fluxo rumo ao mar. Penso nos povos da floresta.
Os índios sempre ficam encantados com a agilidade do grande tatu metálico. Lembro de mim mesmo quando cheguei a São Paulo. Ficava muito tempo atrás desse tatu, apenas para observar o caminho que ele fazia.
O tatu da floresta tem uma característica muito interessante: ele corre para sua toca quando se vê acuado pelos seus predadores. É uma forma de escapar ao ataque deles. Mas isso é o instinto de sobrevivência. Quem vive na mata sabe bem lá dentro de si, que não se pode permitir andar desatento, pois corre um sério perigo de não ter amanhã.
O tatu metálico da cidade não tem este medo. É ele que faz o seu caminho, mostra a direção, rasga os trilhos como quem desbrava. É ele que segue levando pessoas para os seus destinos. Alguns sofrem com a sua chegada, outros sofrem com sua partida.
Voltei a pensar no tatu da floresta, que desconhece o próprio destino, mas sabe aonde quer chegar. Pensei também no tempo de antigamente, quando o Tatuapé era um lugar de caça ao tatu. Índios caçadores entravam em sua mata apenas para saber onde estavam as pegadas do animal. Depois eles ficavam à espreita daquele parente, aguardando pacientemente sua manifestação. Nessa hora – quando o tatu saía da toca – eles o pegavam e faziam um suculento assado que iria alimentar os famintos caçadores.
Voltei a pensar no tatu da cidade, que não pode servir de alimento, mas é usando como transporte para a maioria das pessoas poder encontrar seu próprio alimento. Andando no metrô que seguia rumo ao Tatuapé, fiquei mirando os prédios que ele cortava como se fossem árvores gigantes de concreto. Naquele itinerário eu ia buscando algum resquício das antigas civilizações que habitaram aquele vale. Encontrei apenas urubus que sobrevoavam o trem que, por sua vez, cortava o coração da Mãe Terra como uma lâmina afiada. Vi pombos e pombas voando livremente entre as estações. Vi um gavião que voava indiferente por entre os prédios. Não vi nenhum tatu e isso me fez sentir saudades de um tempo em que a natureza imperava nesse pedaço de São Paulo habitado por índios Puris. Senti saudade de um ontem impossível de se tornar hoje novamente.
Pensando nisso deixei o trem me levar entre Itaquera e o Anhangabaú. Precisava levar minha alma ao principio de tudo.
(Texto extraído de Crônicas de São Paulo – um olhar indígena. Callis Editora. SP, 2004)

Daniel Munduruku e Beth Serra - Presidente da FNLIJ
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10 – São Paulo
Mesa redonda na Primavera do Livro.
11 – São Paulo
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12 -13 – Lorena
15-18 – São Paulo
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Mesa redonda



Munduruku em ação
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Karú Tarú - O pequeno Pajé
Feira do Livro de Bento Gonçalves

Daniel Munduruku e Maurício de Souza
Notícias de viagens e eventos
Neste espaço você encontrará pequenos relatos das viagens e eventos que irei participar por este mundão afora.
Direto de Cuba

Estive em Cuba no final de outubro. Foi uma experiência muito gratificante conhecer a Ilha que alimentou toda uma geração. Sei que muitas pessoas de minha idade – pra lá dos 40 – foram seduzidas pelas idéias do socialismo revolucionário que prometia mudar o mundo para melhor. Pensávamos num mundo sem fome, sem pobreza, sem classes sociais, sem desigualdades sociais. Era um mundo que seria partilhado com todos e todos seriam muito melhores porque não teriam que pagar para viver ou morrer.
Muitos de nós ainda alimentamos esse sonho apesar do que vemos acontecer nos meandros da política nacional e local. Talvez seja isso que nos mantenha vivo!
O que vi em Cuba foi algo extraordinário. Não digo isso apenas por ser um sonhador, mas por saber que é um povo que resiste. E toda resistência exige criatividade. E o povo é sempre muito criativo. Cuba tem um povo assim. Sei que alguém irá dizer que não vale o sacrifício por conta da falta de liberdade. Concordo. Nada pode ser mais gratificante que a liberdade! Mas há que se considerar o fato de que a liberdade é, também, uma conquista do espírito. Liberdade sem ritualizacão também escraviza.
Vi um povo resistente e empobrecido. Vi carros que circulam como se estivessem num filme da década de 1950. Para o tempo de hoje parecem ultrapassado. Me disseram que preferem pensar que um carro antigo é algo mais permanente por não fazerem parte de uma sociedade de consumo exagerado. Acho que têm certa razão.
Vi também que o acesso aos bens é precário e as pessoas abordam os turistas – que não são poucos – para lhes pedir coisas simples como sabonete, creme, roupas ou calçados. O que ganham não dá para comprar tudo. São pessoas que vivem com o mínimo e sentem falta de algo mais. Acho que mereciam.
O sistema econômico cubano está falido. O político é o que sabemos que é. Ideologicamente o povo ainda parece crer na revolução e não se sentem desejosos de mudar abruptamente. Querem mudanças, claro. Mas que sejam graduais e ofereçam maiores condições de acesso. De certa maneira estas mudanças já estão acontecendo. Há toda uma reestruturação arquitetônica dando forma a um país cheio de belezas naturais. Turistas chegam aos montes e ali deixam significativas quantias em dólares e euros. A tendência, penso, é continuar.
O socialismo está ruindo enquanto o capitalismo arruína nossas ideologias. Precisamos de um caminho do meio que será a garantia de sobrevivência àqueles que sonham diferente. Tenho dito.
Daniel Munduruku e Ariano Suassuna
Daniel Munduruku e Ariano Suassuna
Direto de Bogotá

Estive em Bogotá de 06 a 11 de outubro. Fui participar de um Simpósio de Literatura. Ali pude discorrer sobre o movimento literário que acontece por todo o Brasil protagonizado por autores indígenas. Minha fala está registrada neste blog.
A cidade de Bogotá me impressionou. Tinha ouvido falar da violência que por ali acontece devido o tráfico de drogas. Realmente há um grande comércio que acaba acontecendo nas ruas, mas de uma forma muito discreta. O que vi foi uma cidade muito bem organizada, limpa, movimentada. Vi imensos parques que foram construídos ao longo dos últimos 10 anos para oferecer melhores condições de vida à população. Foi impressionante ver a quantidade de gente perambulando por estes parques!
O que me deixou extremamente maravilhado foi a rede de bibliotecas que funcionam dentro destes parques. No total são 19 bibliotecas sendo que quatro delas são verdadeiros colossos de arquitetura e freqüência. Visitei duas das grandes. O resultado disso foi a diminuição espantosa da criminalidade. A comunidade toda participa e se sente dona dos prédios que são muito bem cuidados.
Todos os serviços são gratuitos e a população tem acesso a todos eles. Quase nunca fecham e algumas funcionam 24 horas por dia, todos os dias da semana, durante o ano todo. Quem precisa de biblioteca ali está uma pronta a acolher. Isso é espantoso. Não precisa dizer que o serviço é perfeito!
Confesso que fiquei com inveja. Queria ver em Lorena a biblioteca pública ficar aberta a noite para acolher as pessoas que não podem freqüentá-la durante o dia. Também queria ver uma biblioteca funcionando em cada bairro da cidade, sem burocracia. Queria muito ver uma biblioteca na Praça Principal onde as pessoas pudessem ser integradas ao passeio público.
O segredo de Bogotá: a administração é particular. A iniciativa privada banca financeiramente o cuidado com o acervo. Em Lorena a iniciativa privada nada faz e a administração municipal está de costas para a necessidade de preparar nosso povo para o futuro.
Ao chegar aqui o que ouço? Venda de peça de caminhões por funcionário da prefeitura; desvio de dinheiro público por funcionária; compra de ex-vereadores para mudar de legenda com cheques da prefeitura; reclamações diversas sobre a atuação de vereadores e prefeito; um folder enganoso convidando as pessoas a conhecerem uma Lorena que os moradores desconhecem; um centro de informações turísticas que nunca é inaugurado e uma cruz fincada na entrada da cidade como a me lembrar que “Deus nos acude”.


Entrevistas de Daniel Munduruku

A influência da TV no universo indígena
Daniel Munduruku - Rio Mídia - por Marcus Tavares 02.05.2007

Autor de mais de 30 livros que abordam a temática indígena, Daniel Munduruku é o diretor-presidente do Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (Inbrapi), ONG voltada para a proteção dos conhecimentos tradicionais das aldeias. Em entrevista ao RIO MÍDIA, Daniel analisou de que forma a mídia impacta a realidade dos índios brasileiros. Segundo ele, a televisão está presente em muitas comunidades, trazendo novos padrões de comportamento e influenciando os modos de ser e de viver.

De que forma a mídia pode contribuir para a promoção da cultura do povo indígena?
Daniel Munduruku - Penso que a mídia, tal como se apresenta nos dias de hoje, pode contribuir muito na criação de uma consciência social de respeito à diversidade, sem homogeneizar as diferentes tradições, sem tratar os povos como se fossem únicos e iguais. Somos cerca de 230 povos indígenas que falam mais de 180 línguas. Essa riqueza e diversidade precisam ser mostradas na sua originalidade. Do contrário, a mídia continuará tratando os índios de uma forma, talvez, desonesta, sem dar aos povos o verdadeiro papel que eles têm. Reduzir a cultura indígena a uma só cultura é uma redução perigosa que compromete nosso passado, presente e futuro. Acho que todo tipo de mídia tem um dever cívico de promover as diversas culturas. Os povos indígenas têm muito a ensinar, mas estão sendo esquecidos e mal compreendidos nos lugares onde vivem.
De que forma a mídia vem influenciando a cultura e o cotidiano dos índios?
Daniel Munduruku - A influencia da TV é tão forte na aldeia quanto na casa de qualquer outro cidadão. Nas tribos, os padrões de comportamento veiculados pela TV afetam, muitas vezes, o modelo de ser dos índios, principalmente dos jovens que acabam questionando suas tradições e identidades. A mídia traz desejos e anseios que, na prática, não fazem parte do nosso cotidiano. Ela traz também o barulho da cidade. Quem vive da tradição oral, quem tem na tradição oral sua base, a base de sua vida e cultura, convive muito com o silêncio. A TV traz, portanto, uma outra linguagem, mais rápida e ágil, cheia de luzes, vozes e falas. Isso cria um outro barulho que, aos poucos, repercute no silêncio das aldeias, enfraquecendo as tradições.
De que forma as crianças e os jovens assimilam estas informações?
Daniel Munduruku - As crianças e os jovens indígenas têm muita dificuldade de entender este mundo. Muitos jovens se perguntam: devemos ficar na aldeia ou devemos viver na cidade? Os padrões de comportamento que chegam até eles, via televisão, rádio e internet, geram conflitos internos, questionamentos e incertezas. Por sua vez, as crianças não querem mais sentar em torno da fogueira para ouvir nossas histórias. Elas preferem o brilho, a fogueira da televisão. Elegeram a TV como a nova contadora de histórias. Isto faz com que os velhos percam o papel de narradores da tradição indígena, jogando por terra toda a identidade que vem sendo constituída ao longo de, pelo menos, 10 mil anos.
Neste sentido, o que está sendo feito para interromper este processo?
Daniel Munduruku – Acredito que seja necessário preparar os índios para trabalhar com a linguagem da mídia. Isto já vem sendo feito. Jovens indígenas estão trabalhando como operadores da mídia. Atualmente, existem rádios e emissoras de TV indígenas, como a do Parque Nacional do Xingu. Há também um trabalho muito interessante sendo realizado por uma ONG (Vídeo nas Aldeias) que capacita nossos povos no uso dos equipamentos midiáticos. São tecnologias que não conhecemos, mas que precisamos dominar. É preciso tomar posse dessa tecnologia, produzindo coisas que sejam interessantes para a nossa cultura, a partir do nosso ponto de vista. Os jovens produtores estão tentando criar uma linguagem própria da nossa gente para que toda a sociedade tenha uma visão real sobre quem somos. Por meio da mídia, podemos promover um encontro de culturas. A narrativa indígena é importantíssima para a sociedade brasileira, assim como a narrativa da sociedade brasileira, da qual também fazemos parte, é importante para os povos indígenas se enxergarem dentro do contexto nacional. Os indígenas querem interagir, mas querem que a sociedade diga que eles são bem-vindos. As duas narrativas são ricas e belas. Todos têm a ganhar.

FONTE: http://danielmunduruku.blogspot.com/2009/12/diagnostico-mostra-situacao-nutricional.html

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

"O ETERNO RETORNO DO ENCONTRO"

Como link não está funcionando, transcrevo o artigo do blog: http://itaquatiara.blogspot.com/2007/10/ailton-krenako-eterno-retorno-do.html


"Esta é uma boa oportunidade para reportar algumas das narrativas antigas de muitas das nossas tradições, das diferentes tribos que vivem hoje nesta região da América que identificamos como o Brasil mas que, naturalmente, bem antes de identificarmos como essa região geográfica do Brasil, já vinha fazendo história. Os registros dessa memória, dessa história, estão tomados de falas, de narrativas em aproximadamente 500 línguas diferentes, só daqui da América do Sul.

Essas narrativas são narrativas que datam dos séculos XVII, XVIII, na língua de alguns povos que nem existem mais. Desde o século XVIII, já eram escritas em alemão, inglês, e distribuídas na Europa, narrativas muito importantes falando da criação do mundo, falando dos eventos que deram origem aos sítios sagrados, onde cada um dos nossos povos antigos viveu na Antiguidade e continua vivendo ainda hoje. Fico admirado de reconhecermos que em mais de 500 línguas e durante aproximadamente 300 a 400 anos são divulgados textos, como o texto muito importante que tem o título de XilãBalã. O XilãBalã é um texto sagrado, que tem tanta importância para os Maya quanto os textos sagrados da cultura do Ocidente, como a Bíblia ou o Alcorão. São textos que fundam a tradição e a memória - útero da cultura que cada uma dessas antigas tradições tem do ser social, da história, do mundo, da realidade circundante, e a minha admiração é que esses textos maravilhosos já tenham sido divulgados há tanto tempo, e mesmo assim a maioria das pessoas continue ignorando essas fontes de nossa história antiga.

Como essa história do contato entre os brancos e os povos antigos daqui desta parte do planeta tem se dado? Como temos nos relacionado ao longo desses quase 500 anos? É diferente para cada uma das nossas tribos o tempo e a própria noção desse contato? Em cada uma dessas narrativas antigas já havia profecias sobre a vinda, a chegada dos brancos. Assim, algumas dessas narrativas, que datam de dois, três, quatro mil anos atrás, já falavam da vinda desse outro nosso irmão, sempre identificando ele como alguém que saiu do nosso convívio e nós não sabíamos mais onde estava. Ele foi para muito longe e ficou vivendo por muitas e muitas gerações longe da gente. Ele aprendeu outra tecnologia, desenvolveu outras linguagens e aprendeu a se organizar de maneira diferente de nós. E nas narrativas antigas ele aparecia de novo como um sujeito que estava voltando para casa, mas não se sabia mais o que ele pensava, nem o que ele estava buscando. E apesar de ele ser sempre anunciado como nosso visitante, que estaria voltando para casa, estaria vindo de novo, não sabíamos mais exatamente o que ele estava querendo. E isso ficou presente em todas essas narrativas, sempre nos lembrando a profecia ou a ameaça da vinda dos brancos como, ao mesmo tempo, a promessa de ligar, de reencontrar esse nosso irmão antigo.

Tanto nos textos mais antigos, nas narrativas que foram registradas, como na fala de hoje dos nossos parentes na aldeia, sempre quando os velhos vão falar eles começam as narrativas deles nos lembrando, seja na língua do meu povo, onde nós vamos chamar o branco de Kraí, ou na língua dos nossos outros parentes, como os Yanomami, que chamam os brancos de Nape. E tanto os Kraí como os Nape sempre aparecem nas nossas narrativas marcando um lugar de oposição constante no mundo inteiro, não só aqui neste lugar da América, mas no mundo inteiro, mostrando a diferença e apontando aspectos fundadores da identidade própria de cada uma das nossas tradições, das nossas culturas, nos mostrando a necessidade de cada um de nós reconhecer a diferença que existe, diferença original, de que cada povo, cada tradição e cada cultura é portadora, é herdeira. Só quando conseguirmos reconhecer essa diferença não como defeito, nem como oposição, mas como diferença da natureza própria de cada cultura e de cada povo, só assim poderemos avançar um pouco o nosso reconhecimento do outro e estabelecer uma convivência mais verdadeira entre nós.

Os fatos e a história recentes dos últimos 500 anos têm indicado que o tempo desse encontro entre as nossas culturas é um tempo que acontece e se repete todo dia. Não houve um encontro entre as culturas dos povos do Ocidente e a cultura do continente americano numa data e num tempo demarcado que pudéssemos chamar de 1500 ou de 1800. Estamos convivendo com esse contato desde sempre. Se pensarmos que há 500 anos algumas canoas aportaram aqui na nossa praia, chegando com os primeiros viajantes, com os primeiros colonizadores, esses mesmos viajantes, eles estão chegando hoje às cabeceiras dos altos rios lá na Amazônia. De vez em quando a televisão ou o jornal mostram uma frente de expedição entrando em contato com um povo que ninguém conhece, como recentemente fizeram sobrevoando de helicóptero a aldeia dos Jamináwa, um povo que vive na cabeceira do rio Jordão, lá na fronteira com o Peru, no estado do Acre. Os Jamináwa não foram ainda abordados, continuam perambulando pelas florestas do alto rio Juruá, nos lugares aonde os brancos estão chegando somente agora! Poderíamos afirmar, então, que para os Jamináwa 1500 ainda não aconteceu. Se eles conseguirem atravessar aquelas fronteiras, subirem a serra do divisor e virarem do lado de lá do Peru, o 1500 pode acontecer só lá pelo 2010. Então eu queria partilhar com vocês essa noção de que o contato entre as nossas culturas diferentes se dá todo dia. No amplo evento da história do Brasil o contato entre a cultura ocidental e as diferentes culturas das nossas tribos acontece todo ano, acontece todo dia, e em alguns casos se repete, com gente que encontrou os brancos, aqui no litoral, 200 anos atrás, foram para dentro do Brasil, se refugiaram e só encontraram os brancos de novo agora, nas décadas de 30, 40, 50 ou mesmo na década de 90. Essa grande movimentação no tempo e também na geografia de nosso território e de nosso povo expressa uma maneira própria das nossas tribos de estar aqui neste lugar.


Territórios Tradicionais
O território tradicional do meu povo vai do litoral do Espírito Santo até entrar nas serras mineiras, entre o vale do rio Doce e o São Mateus.
Mesmo que hoje só tenhamos uma reserva pequena no médio rio Doce, quando penso no território do meu povo, não penso naquela reserva de quatro mil hectares, mas num território onde a nossa história, os contos e as narrativas do meu povo vão acendendo luzes nas montanhas, nos vales, nomeando os lugares e identificando na nossa herança ancestral o fundamento da nossa tradição. Esse fundamento da tradição, assim como o tempo do contato, não é um mandamento ou uma lei que a gente segue, nos reportando ao passado, ele é vivo como é viva a cultura, ele é vivo como é dinâmica e viva qualquer sociedade humana. É isso que nos dá a possibilidade de sermos contemporâneos, uns dos outros, quando algumas das nossas famílias ainda acendem o fogo friccionando uma varinha no terreiro da casa ou dentro de casa, ou um caçador, se deslocando na floresta e fazendo o seu fogo assim - auto-sustentável.

Essa simultaneidade que temos tido a oportunidade de viver é uma riqueza muito especial e um dos maiores tesouros que temos. O professor Darcy Ribeiro costumava dizer que a maior herança que o Brasil recebeu dos índios não foi propriamente o território, mas a experiência de viver em sociedade, a nossa engenharia social. A capacidade de viver junto sem se matar, reconhecendo a territorialidade um do outro como elemento fundador também da sua identidade, da sua cultura e do seu sentido de humanidade. Esse entendimento de que somos povos que temos esse patrimônio e essa riqueza tem sido o principal motivo e a principal razão de eu me dedicar cada vez mais a conhecer a minha cultura, conhecer a tradição do meu povo e reconhecer também, na diversidade das nossas culturas, o que ilumina a cada época o nosso horizonte e a nossa capacidade como sociedades humanas de ir melhorando, pois se tem uma coisa que todo mundo quer é melhorar. Os índios, os brancos, os negros e todas as cores de gente e culturas no mundo anseiam por melhorar.


O contato anunciado
Na história do povo Tikuna, que vive no rio Solimões, na fronteira com a Colômbia, temos dois irmãos gêmeos, que são os heróis fundadores desta tradição, que estavam lá na Antiguidade, na fundação do mundo, quando ainda estavam sendo criadas as montanhas, os rios, a floresta, que nós aproveitamos até hoje... Quando esses dois irmãos da tradição do povo Tikuna, que se chamam Hi-pí - o mais velho ou o que saiu primeiro e Jo-í - seu companheiro de aventuras na criação do mundo tikuna, quando eles ainda estavam andando na terra e criando os lugares, eles iam andando juntos, e quando o Jo-í tinha uma idéia e expressava essa idéia, as coisas iam se fazendo, surgindo da sua vontade. O irmão mais velho dele vigiava, para ele não ter idéias muito perigosas, e quando percebia que ele estava tendo alguma idéia esquisita, falava com ele para não pronunciar, não contar o que estava pensando, porque ele tinha o poder de fazer acontecer as coisas que pensava e pronunciava. Então, Jo-í subiu num pé de açaí e ficou lá em cima da palmeira, bem alto, e olhou longe, quanto mais longe ele podia olhar, e o irmão dele viu que ele ia dizer alguma coisa perigosa, então Hi-pí falou: "Olha, lá muito longe está vindo um povo, são os brancos, eles estão vindo para cá e estão vindo para acabar com a gente". O irmão dele ficou apavorado porque ele falou isso e disse: "Olha, você não podia ter falado isso, agora que você falou isso você acabou de criar os brancos, eles vão existir, pode demorar muito tempo, mas eles vão chegar aqui na nossa praia". E, depois que ele já tinha anunciado, não tinha como desfazer essa profecia. Assim as narrativas antigas, de mais de quinhentas falas ou idiomas diferentes, só aqui nessa região da América do Sul, onde está o Brasil, Peru, Bolívia, Equador, Venezuela, nos lembram que os nossos antigos já sabiam desse contato anunciado.

Os Tikuna têm suas aldeias parte no Brasil e outra na vizinha Colômbia. Os Guarani partilham o território dessas fronteiras do sul entre Paraguai, Argentina, Bolívia. Em todos esses lugares, áreas de colônia espanhola, áreas de colônia portuguesa, inglesas, os nossos parentes sempre reconheceram na chegada do branco o retorno de um irmão que foi embora há muito tempo, e que indo embora se retirou também no sentido de humanidade, que nós estávamos construindo. Ele é um sujeito que aprendeu muita coisa longe de casa, esqueceu muitas vezes de onde ele é, e tem dificuldade de saber para onde está indo.

Por isso que os nossos velhos dizem: "Você não pode se esquecer de onde você é e nem de onde você veio, porque assim você sabe quem você é e para onde você vai". Isso não é importante só para a pessoa do indivíduo, é importante para o coletivo, é importante para uma comunidade humana saber quem ela é, saber para onde ela está indo. Depois os brancos chegaram aqui em grandes quantidades, eles trouxeram também junto com eles outros povos, daí vêm os pretos, por exemplo. Os brancos vieram para cá porque queriam, os pretos eles trouxeram na marra. Talvez só agora, no século XX, é que alguns pretos tenham vindo da América para cá ou da África para cá por livre e espontânea vontade. Mas foi um movimento imenso. Imagine o movimento fantástico que aconteceu nos últimos três, quatro séculos, trazendo milhares e milhares de pessoas de outras culturas para cá. Então meu povo Krenak, assim como nossos outros parentes das outras nações, nós temos recebido a cada ano esses povos que vêm para cá, vendo eles chegarem no nosso terreiro. Nós vimos chegar os pretos, os brancos, os árabes, os italianos, os japoneses. Nós vimos chegar todos esses povos e todas essas culturas. Somos testemunhas da chegada dos outros aqui, os que vêm com antigüidade, e mesmo os cientistas e os pesquisadores brancos admitem que sejam de seis mil, oito mil anos. Nós não podemos ficar olhando essa história do contato como se fosse um evento português. O encontro com as nossas culturas, ele transcende a essa cronologia do descobrimento da América, ou das circunavegações, é muito mais antigo. Reconhecer isso nos enriquece muito mais e nos dá a oportunidade de ir afinando, apurando o reconhecimento entre essas diferentes culturas e "formas de ver e estar no mundo" que deram fundação a esta nação brasileira, que não pode ser um acampamento, deve ser uma nação que reconhece a diversidade cultural, que reconhece 206 línguas que ainda são faladas aqui, além do português. Então parabéns, vocês vêm de um lugar onde tem gente falando duzentos e tantos idiomas, inclusive na língua borum, que é a fala do meu povo, é uma riqueza nós chegarmos ao final do século XX ainda podendo tocar, compartir um elemento fundador da nossa cultura e reconhecer como riqueza, como patrimônio. O encontro e o contato entre as nossas culturas e os nossos povos, ele nem começou ainda e às vezes parece que ele já terminou.

Quando a data de 1500 é vista como marco, as pessoas podem achar que deviam demarcar esse tempo e comemorar ou debaterem de uma maneira demarcada de tempo o evento de nossos encontros. Os nossos encontros, eles ocorrem todos os dias e vão continuar acontecendo, eu tenho certeza, até o terceiro milênio, e quem sabe além desse horizonte. Nós estamos tendo a oportunidade de reconhecer isso, de reconhecer que existe um roteiro de um encontro que se dá sempre, nos dá sempre a oportunidade de reconhecer o Outro, de reconhecer na diversidade e na riqueza da cultura de cada um de nossos povos o verdadeiro patrimônio que nós temos, depois vêm os outros recursos, o território, as florestas, os rios, as riquezas naturais, as nossas tecnologias e a nossa capacidade de articular desenvolvimento, respeito pela natureza e principalmente educação para a liberdade.

Hoje nós temos a vantagem de tantos estudos antropológicos sobre cada uma das nossas tribos, esquadrinhadas por centenas de antropólogos que estudam desde as cerimônias de adoção de nome até sistemas de parentesco, educação, arquitetura, conhecimento sobre botânica. Esses estudos deveriam nos ajudar a entender melhor a diversidade, conhecer um pouco mais dessa diversidade e tomar mais possível esse contato. Me parece que esse contato verdadeiro, ele exige alguma coisa além da vontade pessoal, exige mesmo um esforço da cultura, que é um esforço de ampliação e de iluminação de ambientes da nossa cultura comum que ainda ocultam a importância que o Outro tem, que ainda ocultam a importância dos antigos moradores daqui, os donos naturais deste território. A maneira que essa gente antiga viveu aqui foi deslocada no tempo e também no espaço, para ceder lugar a essa idéia de civilização e essa idéia do Brasil como um projeto, como alguém planeja Brasília lá no Centro-Oeste, vai e faz.

Essa capacidade de projetar e de construir uma interferência na natureza, ela é uma maravilhosa novidade que o Ocidente trouxe para cá, mas ela desloca a natureza e quem vive em harmonia com a natureza para um outro lugar, que é fora do Brasil, que é na periferia do Brasil.

Uma outra margem, é uma outra margem do Ocidente mesmo, é uma outra margem onde cabe a idéia do Ocidente, cabe a idéia de progresso, cabe a idéia de desenvolvimento. A idéia mais comum que existe é que o desenvolvimento e o progresso chegaram naquelas canoas que aportaram no litoral e que aqui estava a natureza e a selva, e naturalmente os selvagens. Essa idéia continua sendo a idéia que inspira todo o relacionamento do Brasil com as sociedades tradicionais daqui, continua; então, mais do que um esforço pessoal de contato com o Outro, nós precisamos influenciar de maneira decisiva a política pública do Estado brasileiro.

Esses gestos de aproximação e de reconhecimento, eles podem se expressar também numa abertura efetiva e maior dos lugares na mídia, nas universidades, nos centros de estudo, nos investimentos e também no acesso das nossas famílias e do nosso povo àquilo que é bom e àquilo que é considerado conquista da cultura brasileira, da cultura nacional. Se continuarmos sendo vistos como os que estão para serem descobertos e virmos também as cidades e os grandes centros e as tecnologias que são desenvolvidas somente como alguma coisa que nos ameaça e que nos exclui, o encontro continua sendo protelado. Tem um esforço comum que nós podemos fazer que é o de difundir mais essa visão de que tem importância sim a nossa história, que tem importância sim esse nosso encontro, e o que cada um desses povos traz de herança, de riqueza na sua tradição, tem importância, sim. Quase não existe literatura indígena publicada no Brasil. Até parece que a única língua no Brasil é o português e aquela escrita que existe é a escrita feita pelos brancos. É muito importante garantir o lugar da diversidade, e isso significa assegurar que mesmo uma pequena tribo ou uma pequena aldeia guarani, que está aqui, perto de vocês, no Rio de Janeiro, na serra do Mar, tenha a mesma oportunidade de ocupar esses espaços culturais, fazendo exposição da sua arte, mostrando sua criação e pensamento, mesmo que essa arte, essa criação e esse pensamento não coincidam com a sua idéia de obra de arte contemporânea, de obra de arte acabada, diante da sua visão estética, porque senão você vai achar bonito só o que você faz ou o que você enxerga. Nosso encontro - ele pode começar agora, pode começar daqui a um ano, daqui a dez anos, e ele ocorre todo o tempo. Pierre Clastres, depois de conviver um pouco com os nossos parentes Nhandevá e M'biá, concluiu que somos sociedades que naturalmente nos organizamos de uma maneira contra o Estado; não tem nenhuma ideologia nisso, somos contra naturalmente, assim como o vento vai fazendo o caminho dele, assim como a água do rio faz o seu caminho, nós naturalmente fazemos um caminho que não afirma essas instituições como fundamentais para a nossa saúde, educação e felicidade.

Desde os primeiros administradores da Colônia que chegaram aqui, a única coisa que esse poder do Estado fez foi demarcar sesmarias, entregar glebas para senhores feudais, capitães, implantar pátios e colégios como este daqui de São Paulo, fortes como aquele lá de ltanhaém. Nossa esperança é que o desenvolvimento das nossas relações ainda possa nos ajudar a ir criando formas de representação, formas de cooperação, formas de gerenciamento das relações entre nossas sociedades, onde essas instituições se tornem mais educadas, é uma questão de educação. Se o progresso não é partilhado por todo mundo, se o desenvolvimento não enriqueceu e não propiciou o acesso à qualidade de vida e ao bem-estar para todo mundo, então que progresso é esse? Parece que nós tínhamos muito mais progresso e muito mais desenvolvimento quando a gente podia beber na água de todos os rios daqui, que podíamos respirar todos os ares daqui e que, como diz o Caetano, alguém que estava lá na praia podia estender a mão e pegar um caju.

Tem uma música do Caetano, tem uma poesia dele que fala disso, o nativo levanta o braço e pega um caju. As pessoas estão preferindo em nome do progresso instalar aquelas casas com aquelas placas luminosas e distribuir Coca-Cola na praia.


À margem do Oriente
No norte do Japão tem uma lha que se chama Hokaido, lá vive o povo Ainu, tem um porto nessa ilha que se chama Nibutani, é uma palavra ainda que dá nome para esse lugar, assim como aquela montanha bonita lá em Tóquio, no Japão, o monte Fuji, também reporta a uma história muito antiga do povo Ainu, uma história muito bonita, de uma mãe que ficou sentada esperando o filho que foi para a guerra e que não retornava, passou o inverno, passaram as estações do ano e ela ficou cantando, esperando o filho voltar e o filho demorava demais, então ela chorava de saudade do filho; as lágrimas dela foram formando aquela montanha e o lago, e toda aquela paisagem linda é dessa mãe que ficou com saudade do filho que saiu para a guerra e que não voltou, então ficou chorando por ele. Os Ainu estão lá em Hokaido há mais ou menos uns oitocentos anos, talvez mais um pouco, porque eles foram tendo que subir lá para cima, que é o lugar mais gelado, liberando aqueles territórios cá de baixo para a formação desses povos que vieram subindo. O Japão agora no final do século XX é uma das nações mais tecnológicas, digamos assim, do mundo, mas eles não puderam negar a existência dos Ainu, eles negaram isso até agora. Na década de 70 alguns Ainu conseguiram chegar à comissão da ONU que trata desses assuntos e apresentaram uma questão para o governo do Japão: querem reconhecimento e respeito pela sua identidade e cultura. Quinhentos anos não é nada."