Agência Minas -
Publicação: 01/12/2009 20:05
O Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais (Consea), em seminário realizado nesta terça-feira (1º) na Escola do Legislativo, em Belo Horizonte, apresentou o Diagnóstico Politransdimentasional sobre Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Indígenas de Minas Gerais, a ser encaminhado aos órgãos públicos de todos os níveis de governo (federal, estadual e municipais) afinados com a causa indígena.
Para o presidente do Consea-MG, dom Mauro Morelli, que abriu o encontro, essa pesquisa oferece “a base para o diálogo como forma de promover a alimentação adequada, saudável e solidária nas comunidades indígenas”. O assessor especial do governador para Assuntos Indígenas, Ailton Krenak, destacou a relevância da pesquisa e informou que, depois de analisado, o estudo será encaminhado aos órgãos que podem promover ações complementares no atendimento ao indígena.
Segundo Clenice Pankararu, que apresentou os resultados da pesquisa e as propostas delineadas referentes a “Território, Meio Ambiente e Hábitos Alimentares”, as atividades de campo foram feitas em 51 comunidades de todos os povos indígenas do Estado: Pataxó, em Itapecerica, Carmésia e Araçuaí; Xacriabá, em São João das Missões; Caxixó, em Martinho Campos; Krenak, em Resplendor; Maxacali, em Bertópolis, Santa Helena de Minas, Ladainha e Topázio; Aranã, em Araçuaí, Coronel Murta e Belo Horizonte; Pankararu, em Araçuaí; Xukuru-Kariri, em caldas; Mocuriñ, em Campanário; e Pataxó Hã Hã Hãe, em Bertópolis.
O cacique Mesaque Pataxó destacou, em sua apresentação, que o maior problema dos indígenas é a terra. “A natureza não é para nós, ela é parte de nós”, disse, “daí a necessidade de ações articuladas para a demarcação de terra e dos cuidados ambientais”, completou ele.
As Práticas Produtivas, Produção de Alimentos, Renda e Políticas Públicas foram tema da apresentação da segunda parte do seminário, também seguida de debates, com apresentação das propostas.
Fórum
Ficou decidida a criação de um fórum com os vários parceiros para encaminhamento do diagnóstico e das propostas reunidas no documento. A expectativa é de que esse fórum já se reúna na semana que vem, informou o secretário-executivo do Consea-MG, Edmar Gadelha.
O Diagnóstico Politransdimentasional considerou a diversidade dos povos e de seus sistemas culturais. O estudo faz parte das ações do Centro de Referência de Segurança Alimentar e Nutricional (Cresans), vinculado ao Consea-MG, e foi desenvolvido pelo Instituto Felix Guatarri, sob a coordenação e supervisão da antropóloga Myrtô Áurea de Lima Sucupira e da socióloga Rodica Weitzan, com a participação de lideranças indígenas para a articulação dos trabalhos e apoio logístico. Segundo Rodica Weitzan, “esse documento vivo priorizou as dimensões Território e Questões Ambientais, Acesso e Disponibilidade de Alimentos, Produção de Alimentos; Qualidade da Alimentação e os hábitos alimentares; e Políticas Públicas.
As várias ações do Governo de Minas desenvolvidas em benefício das populações indígenas no Estado são de caráter complementar, já que tais políticas são de competência do governo federal, conforme o Estatuto do Índio (Lei Federal 6001, de 19 de fevereiro de 1973). “A questão da terra é também de competência da União. Já a de reconhecimento de etnia é baseada na Convenção Internacional 169, informou Ailton Krenak.
Segundo Edmar Gadelha, a ideia de fazer esse diagnóstico da situação nutricional dos índios em Minas nasceu em Carmésia, no Vale do Aço, em julho do ano passado, durante o 1º Seminário de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Indígenas, promovido pelo Consea-MG.
Participaram do encontro desta terça-feira representantes do Conselho de Povos Indigenistas de Minas Gerais (Cimi), dos institutos Felix Guatarri e Dom Luciano Mendes de Promoção da Causa Indígena, lideranças indígenas e representantes da Secretaria de Estado de Saúde (SES), da Emater, da Delegacia da Funai em Belo Horizonte e do Consea, dentre outros.
A apresentação de ritual indígena encerrou o seminário.
Postado por Daniel Munduruku às Quarta-feira, Dezembro 02, 2009
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Escritor indígena com 35 livros publicados. Doutorando em Educação na USP. Diretor presidente do INBRAPI-Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual, Comendador da Ordem do Mérito Cultural da Presidência da República e Pesquisador do CNPq. Membro da Academia de Letras de Lorena.
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Crônicas e Opiniões
SOBRE TEMPO E TRABALHO
Artigo semanal do Daniel Munduruku
“Índio é preguiçoso”, reza a lenda popular calcada numa visão de trabalho tipificada pela revolução industrial que defendia a máxima “tempo é dinheiro”.
Embora seja óbvio o viés etnocêntrico – teoria que preconiza a superioridade de um povo sobre o outro se colocando como referência para tudo – o ocidente construiu um olhar sobre o trabalho colocando-o como o centro da vida, da realização e da dignidade da pessoa humana. E jogou por terra outros pensamentos, outras teorias, outras práticas que não levavam em consideração uma visão de tempo centrada na produção.
Por que, dizem, que o índio é preguiçoso – embora já tenha explicado que esse “índio” não exista – fazendo as pessoas criarem um estereótipo perigoso de povos tão diversos e distintos entre si?
Para o indígena existem dois tempos: o passado e o presente. O passado é memorial. Serve para nos lembrar quem somos, de onde viemos e para onde caminhamos. Um povo sem memória ancestral é um povo perdido no tempo e no espaço. Não sabe para onde caminha e por isso se preocupa tanto aonde vai chegar. O passado é a ordenação de nosso ser no mundo. É ele que nos obriga a sermos gratos, a cantar e dançar ao Espírito Criador. É ele que nos lembra o tempo todo que somos seres de passagem.
O outro tempo é o presente. Para estes povos o tempo que importa é o presente. Meu avô afirmava sempre: “se o momento atual não fosse bom, não se chamaria presente”. Os indígenas são, portanto, seres do presente. Só sabem viver o e no presente. “A cada dia basta sua preocupação”, disse um certo pajé chamado Jesus.
Viver o presente quer dizer que é preciso significar cada momento. Desde o acordar pela manhã até o momento do sonho tem que ser vivido com intensidade. Isso obriga o indígena a estar inteiro numa ação sem desviar-se dela. Uma caçada será frutífera a medida em que o caçador estiver envolvido nela, caso contrário não levará nada para casa.
Viver o presente é olhar para si a cada dia e saber a necessidade daquele momento para o bom andamento da comunidade e fazer o que for bom para ela e não para si. É dar mais atenção ao coletivo do que ao individual. E isso exige um esforço e treinamento do corpo e da mente tão intensos que torna o jovem indígena uma pessoa integral.
O mais importante, no entanto, do que quero dizer é que quem vive o presente não tem necessidade de planejar. Planejamento é a tentativa de congelar os acontecimentos que virão. É ter a ilusão de que se está prevendo o futuro. E o futuro é pura ilusão.
Quando, em tempos antigos, os portugueses tentaram escravizar os indígenas esses não aceitaram aquela imposição. Trabalhar, para o português colonizador, era acumular. Acumulação é uma das dimensões do futuro. Acumula-se, poupa-se, guarda-se com a intenção de utilizar depois, amanhã. Os indígenas não sabem o que é o amanhã. E fugiram da escravidão. Os portugueses inventaram, então, que eles eram preguiçosos demais para aquela função nobre. E assim ficou.
Tempo e trabalho não são sinônimos. Trabalho e dinheiro também não. Trabalho não dignifica se ele escraviza. Trabalho demais nos dá tempo de menos. E tempo de menos tira da gente a alegria do encontro com os pais, com os filhos, com os amigos. Só o presente é um presente. O futuro é uma promessa que pode nunca chegar. Os indígenas sabem disso. Por isso vivem o momento.
Daí depreende-se também muitas explicações sobre a essência do ser indígena. Quem tem sensibilidade saberá distinguir diferentes pensamentos presentes em nosso mundo e descobrirá que a diversidade nos torna ainda mais coloridos.
E queria dizer que é muito mais difícil viver o presente. Exige muito mais de cada um. O sonho – o futuro – nos desobriga a olhar para o lado e ver a necessidade diária do outro. O futuro nos torna egoístas e mesquinhos. Só o presente nos compromete.
Pense nisso.
TATUAPÉ – O CAMINHO DO TATU
Uma das mais intrigantes invenções humanas é o metrô. Não digo que seja intrigante para o homem comum, acostumado com os avanços tecnológicos. Penso no homem da floresta, acostumado com o silêncio da mata, com o canto dos pássaros ou com a paciência constante do rio que segue seu fluxo rumo ao mar. Penso nos povos da floresta.
Os índios sempre ficam encantados com a agilidade do grande tatu metálico. Lembro de mim mesmo quando cheguei a São Paulo. Ficava muito tempo atrás desse tatu, apenas para observar o caminho que ele fazia.
O tatu da floresta tem uma característica muito interessante: ele corre para sua toca quando se vê acuado pelos seus predadores. É uma forma de escapar ao ataque deles. Mas isso é o instinto de sobrevivência. Quem vive na mata sabe bem lá dentro de si, que não se pode permitir andar desatento, pois corre um sério perigo de não ter amanhã.
O tatu metálico da cidade não tem este medo. É ele que faz o seu caminho, mostra a direção, rasga os trilhos como quem desbrava. É ele que segue levando pessoas para os seus destinos. Alguns sofrem com a sua chegada, outros sofrem com sua partida.
Voltei a pensar no tatu da floresta, que desconhece o próprio destino, mas sabe aonde quer chegar. Pensei também no tempo de antigamente, quando o Tatuapé era um lugar de caça ao tatu. Índios caçadores entravam em sua mata apenas para saber onde estavam as pegadas do animal. Depois eles ficavam à espreita daquele parente, aguardando pacientemente sua manifestação. Nessa hora – quando o tatu saía da toca – eles o pegavam e faziam um suculento assado que iria alimentar os famintos caçadores.
Voltei a pensar no tatu da cidade, que não pode servir de alimento, mas é usando como transporte para a maioria das pessoas poder encontrar seu próprio alimento. Andando no metrô que seguia rumo ao Tatuapé, fiquei mirando os prédios que ele cortava como se fossem árvores gigantes de concreto. Naquele itinerário eu ia buscando algum resquício das antigas civilizações que habitaram aquele vale. Encontrei apenas urubus que sobrevoavam o trem que, por sua vez, cortava o coração da Mãe Terra como uma lâmina afiada. Vi pombos e pombas voando livremente entre as estações. Vi um gavião que voava indiferente por entre os prédios. Não vi nenhum tatu e isso me fez sentir saudades de um tempo em que a natureza imperava nesse pedaço de São Paulo habitado por índios Puris. Senti saudade de um ontem impossível de se tornar hoje novamente.
Pensando nisso deixei o trem me levar entre Itaquera e o Anhangabaú. Precisava levar minha alma ao principio de tudo.
(Texto extraído de Crônicas de São Paulo – um olhar indígena. Callis Editora. SP, 2004)
Daniel Munduruku e Beth Serra - Presidente da FNLIJ
Agenda Munduruku
Setembro
10 – São Paulo
Mesa redonda na Primavera do Livro.
11 – São Paulo
Reunião com representante da Embaixada da Noruega
11 – Lorena
Lançamento do livro do Acadêmico Olavo Rubens Leonel.
12 -13 – Lorena
15-18 – São Paulo
19-21 – Lorena
22 a 25 – São Paulo
29-30 – Ipatinga – MG
Mesa redonda
Munduruku em ação
GALERIA DE VÍDEOS
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Karú Tarú - O pequeno Pajé
Feira do Livro de Bento Gonçalves
Daniel Munduruku e Maurício de Souza
Notícias de viagens e eventos
Neste espaço você encontrará pequenos relatos das viagens e eventos que irei participar por este mundão afora.
Direto de Cuba
Estive em Cuba no final de outubro. Foi uma experiência muito gratificante conhecer a Ilha que alimentou toda uma geração. Sei que muitas pessoas de minha idade – pra lá dos 40 – foram seduzidas pelas idéias do socialismo revolucionário que prometia mudar o mundo para melhor. Pensávamos num mundo sem fome, sem pobreza, sem classes sociais, sem desigualdades sociais. Era um mundo que seria partilhado com todos e todos seriam muito melhores porque não teriam que pagar para viver ou morrer.
Muitos de nós ainda alimentamos esse sonho apesar do que vemos acontecer nos meandros da política nacional e local. Talvez seja isso que nos mantenha vivo!
O que vi em Cuba foi algo extraordinário. Não digo isso apenas por ser um sonhador, mas por saber que é um povo que resiste. E toda resistência exige criatividade. E o povo é sempre muito criativo. Cuba tem um povo assim. Sei que alguém irá dizer que não vale o sacrifício por conta da falta de liberdade. Concordo. Nada pode ser mais gratificante que a liberdade! Mas há que se considerar o fato de que a liberdade é, também, uma conquista do espírito. Liberdade sem ritualizacão também escraviza.
Vi um povo resistente e empobrecido. Vi carros que circulam como se estivessem num filme da década de 1950. Para o tempo de hoje parecem ultrapassado. Me disseram que preferem pensar que um carro antigo é algo mais permanente por não fazerem parte de uma sociedade de consumo exagerado. Acho que têm certa razão.
Vi também que o acesso aos bens é precário e as pessoas abordam os turistas – que não são poucos – para lhes pedir coisas simples como sabonete, creme, roupas ou calçados. O que ganham não dá para comprar tudo. São pessoas que vivem com o mínimo e sentem falta de algo mais. Acho que mereciam.
O sistema econômico cubano está falido. O político é o que sabemos que é. Ideologicamente o povo ainda parece crer na revolução e não se sentem desejosos de mudar abruptamente. Querem mudanças, claro. Mas que sejam graduais e ofereçam maiores condições de acesso. De certa maneira estas mudanças já estão acontecendo. Há toda uma reestruturação arquitetônica dando forma a um país cheio de belezas naturais. Turistas chegam aos montes e ali deixam significativas quantias em dólares e euros. A tendência, penso, é continuar.
O socialismo está ruindo enquanto o capitalismo arruína nossas ideologias. Precisamos de um caminho do meio que será a garantia de sobrevivência àqueles que sonham diferente. Tenho dito.
Daniel Munduruku e Ariano Suassuna
Daniel Munduruku e Ariano Suassuna
Direto de Bogotá
Estive em Bogotá de 06 a 11 de outubro. Fui participar de um Simpósio de Literatura. Ali pude discorrer sobre o movimento literário que acontece por todo o Brasil protagonizado por autores indígenas. Minha fala está registrada neste blog.
A cidade de Bogotá me impressionou. Tinha ouvido falar da violência que por ali acontece devido o tráfico de drogas. Realmente há um grande comércio que acaba acontecendo nas ruas, mas de uma forma muito discreta. O que vi foi uma cidade muito bem organizada, limpa, movimentada. Vi imensos parques que foram construídos ao longo dos últimos 10 anos para oferecer melhores condições de vida à população. Foi impressionante ver a quantidade de gente perambulando por estes parques!
O que me deixou extremamente maravilhado foi a rede de bibliotecas que funcionam dentro destes parques. No total são 19 bibliotecas sendo que quatro delas são verdadeiros colossos de arquitetura e freqüência. Visitei duas das grandes. O resultado disso foi a diminuição espantosa da criminalidade. A comunidade toda participa e se sente dona dos prédios que são muito bem cuidados.
Todos os serviços são gratuitos e a população tem acesso a todos eles. Quase nunca fecham e algumas funcionam 24 horas por dia, todos os dias da semana, durante o ano todo. Quem precisa de biblioteca ali está uma pronta a acolher. Isso é espantoso. Não precisa dizer que o serviço é perfeito!
Confesso que fiquei com inveja. Queria ver em Lorena a biblioteca pública ficar aberta a noite para acolher as pessoas que não podem freqüentá-la durante o dia. Também queria ver uma biblioteca funcionando em cada bairro da cidade, sem burocracia. Queria muito ver uma biblioteca na Praça Principal onde as pessoas pudessem ser integradas ao passeio público.
O segredo de Bogotá: a administração é particular. A iniciativa privada banca financeiramente o cuidado com o acervo. Em Lorena a iniciativa privada nada faz e a administração municipal está de costas para a necessidade de preparar nosso povo para o futuro.
Ao chegar aqui o que ouço? Venda de peça de caminhões por funcionário da prefeitura; desvio de dinheiro público por funcionária; compra de ex-vereadores para mudar de legenda com cheques da prefeitura; reclamações diversas sobre a atuação de vereadores e prefeito; um folder enganoso convidando as pessoas a conhecerem uma Lorena que os moradores desconhecem; um centro de informações turísticas que nunca é inaugurado e uma cruz fincada na entrada da cidade como a me lembrar que “Deus nos acude”.
Entrevistas de Daniel Munduruku
A influência da TV no universo indígena
Daniel Munduruku - Rio Mídia - por Marcus Tavares 02.05.2007
Autor de mais de 30 livros que abordam a temática indígena, Daniel Munduruku é o diretor-presidente do Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (Inbrapi), ONG voltada para a proteção dos conhecimentos tradicionais das aldeias. Em entrevista ao RIO MÍDIA, Daniel analisou de que forma a mídia impacta a realidade dos índios brasileiros. Segundo ele, a televisão está presente em muitas comunidades, trazendo novos padrões de comportamento e influenciando os modos de ser e de viver.
De que forma a mídia pode contribuir para a promoção da cultura do povo indígena?
Daniel Munduruku - Penso que a mídia, tal como se apresenta nos dias de hoje, pode contribuir muito na criação de uma consciência social de respeito à diversidade, sem homogeneizar as diferentes tradições, sem tratar os povos como se fossem únicos e iguais. Somos cerca de 230 povos indígenas que falam mais de 180 línguas. Essa riqueza e diversidade precisam ser mostradas na sua originalidade. Do contrário, a mídia continuará tratando os índios de uma forma, talvez, desonesta, sem dar aos povos o verdadeiro papel que eles têm. Reduzir a cultura indígena a uma só cultura é uma redução perigosa que compromete nosso passado, presente e futuro. Acho que todo tipo de mídia tem um dever cívico de promover as diversas culturas. Os povos indígenas têm muito a ensinar, mas estão sendo esquecidos e mal compreendidos nos lugares onde vivem.
De que forma a mídia vem influenciando a cultura e o cotidiano dos índios?
Daniel Munduruku - A influencia da TV é tão forte na aldeia quanto na casa de qualquer outro cidadão. Nas tribos, os padrões de comportamento veiculados pela TV afetam, muitas vezes, o modelo de ser dos índios, principalmente dos jovens que acabam questionando suas tradições e identidades. A mídia traz desejos e anseios que, na prática, não fazem parte do nosso cotidiano. Ela traz também o barulho da cidade. Quem vive da tradição oral, quem tem na tradição oral sua base, a base de sua vida e cultura, convive muito com o silêncio. A TV traz, portanto, uma outra linguagem, mais rápida e ágil, cheia de luzes, vozes e falas. Isso cria um outro barulho que, aos poucos, repercute no silêncio das aldeias, enfraquecendo as tradições.
De que forma as crianças e os jovens assimilam estas informações?
Daniel Munduruku - As crianças e os jovens indígenas têm muita dificuldade de entender este mundo. Muitos jovens se perguntam: devemos ficar na aldeia ou devemos viver na cidade? Os padrões de comportamento que chegam até eles, via televisão, rádio e internet, geram conflitos internos, questionamentos e incertezas. Por sua vez, as crianças não querem mais sentar em torno da fogueira para ouvir nossas histórias. Elas preferem o brilho, a fogueira da televisão. Elegeram a TV como a nova contadora de histórias. Isto faz com que os velhos percam o papel de narradores da tradição indígena, jogando por terra toda a identidade que vem sendo constituída ao longo de, pelo menos, 10 mil anos.
Neste sentido, o que está sendo feito para interromper este processo?
Daniel Munduruku – Acredito que seja necessário preparar os índios para trabalhar com a linguagem da mídia. Isto já vem sendo feito. Jovens indígenas estão trabalhando como operadores da mídia. Atualmente, existem rádios e emissoras de TV indígenas, como a do Parque Nacional do Xingu. Há também um trabalho muito interessante sendo realizado por uma ONG (Vídeo nas Aldeias) que capacita nossos povos no uso dos equipamentos midiáticos. São tecnologias que não conhecemos, mas que precisamos dominar. É preciso tomar posse dessa tecnologia, produzindo coisas que sejam interessantes para a nossa cultura, a partir do nosso ponto de vista. Os jovens produtores estão tentando criar uma linguagem própria da nossa gente para que toda a sociedade tenha uma visão real sobre quem somos. Por meio da mídia, podemos promover um encontro de culturas. A narrativa indígena é importantíssima para a sociedade brasileira, assim como a narrativa da sociedade brasileira, da qual também fazemos parte, é importante para os povos indígenas se enxergarem dentro do contexto nacional. Os indígenas querem interagir, mas querem que a sociedade diga que eles são bem-vindos. As duas narrativas são ricas e belas. Todos têm a ganhar.
FONTE: http://danielmunduruku.blogspot.com/2009/12/diagnostico-mostra-situacao-nutricional.html
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