segunda-feira, 19 de junho de 2017

Afinal de contas, o que o índio brasileiro espera do Brasil?

Yahoo Notícias Yahoo Notícias7 de junho de 2017



Atualmente existem 462 territórios classificados como Terras Indígenas (TI) no Brasil. Habitadas por cerca de 300 povos, representam apenas 12% do território nacional. Só em 1990 o Estado reconheceu a necessidade de demarcar e proteger as terras pertencentes aos povos nativos. Mas isso não é o suficiente. Afinal, os índios deveriam ser reconhecidos como os brasileiros originais. O que os descendentes de povos nativos precisam para serem reconhecidos adequadamente?

Para ter uma idéia das principais demandas do povo indígena brasileiro, nesta série de quatro matérias, o @yahoobr conversou com dois dos principais líderes do movimento no país e traçou um perfil da luta e das dificuldades atuais dos índios no Brasil.

Almir Narayamoga Suruí é hoje uma das lideranças políticas indígenas do país. Filiado à Rede – RO, hoje vive e defende a Terra Indígena Sete de Setembro, em Cacoal, no mesmo estado. Ele nasceu apenas cinco anos depois do contato de sua tribo com o homem branco. Aos quinze anos resolveu estudar biologia, na Universidade Federal de Goiás, onde desenvolveu pesquisas para defesa étnica e ambiental e lutou contra o desmatamento. Ele propôs ao Google um projeto de mapeamento por satélite da reserva Suruí. Na ocasião ajudou a catalogar etnias, aldeias, locais de confrontos e pontos sagrados da comunidade local.

Almir esclarece que a situação indígena é mais delicada que parece aos olhos de quem apenas observa o assunto à distância, como é o caso da grande maioria da população brasileira.

“Ao definir o indígena brasileiro temos que ver vários aspectos: índios isolados são aqueles que voluntariamente se recusam a fazer contato com o não-indígena. Estes estão totalmente vulneráveis diante do avanço do agronegócio, da construção de estradas e hidrelétricas, das minerações e das invasões de terras. Suas vidas correm perigo constante e eles estão totalmente desamparados pelo poder público”, explica.

“Os indígenas contatados estão na luta para manter os territórios já demarcados e para que se demarquem os que ainda não foram demarcados. Eles querem desenvolver de forma sustentável sua agricultura e alternativas econômicas que mantenham a floresta em pé, como projetos de Sistemas Agroflorestais (SAF), pisciculturas e reflorestamentos de áreas degradadas. O índio pode contribuir no combate ao aquecimento global, mas precisa de uma certa autonomia”, pontua.

De acordo com os dados demográficos fornecidos pela Funai e pelo Censo de 2010 do IBGE, a população indígena no país atualmente conta com quase 900.000 indígenas. Todos os estados do Brasil são habitados por índios. Sendo que pouco mais de 500.000 vivem em zonas rurais e cerca de 315.000 em regiões urbanizadas.

217 diferentes línguas indígenas registradas são faladas no país e esse dado é relevante. Mais de 17% da população indígena não fala português, especialmente entre as 69 comunidades que não tiveram contato como homem branco.

Curiosamente, o percentual de indígenas em relação à população branca subiu de 0,2%, em 1991, para 0,4% no ano 2000, um aumento de pouco mais de 10% na população total, refletido no aumento de 150% na quantidade de pessoas que se declararam indígenas no último Censo.

Ailton Krenak é um dos líderes do movimento indígena no Brasil desde a década de 1980, quando fundou o Núcleo de Cultura Indígena. “O movimento indígena organizado fez uma campanha pelo país inteiro coletando assinaturas para uma emenda na Assembleia Nacional Constituinte de 1988, que assegurava o meu direito de representar o interesse desses coletivos indígenas na Comissão de Justiça, na Comissão de Direitos Humanos, nas comissões temáticas que debateram os direitos indígenas no Congresso. Fui então designado para fazer a defesa pública desses princípios que estão na Constituição. Quando eu fiz uma intervenção no Plenário, pintando o meu rosto de jenipapo, eu estava fazendo a defesa pública daquela emenda”, relembra o representante Krenak.

Depois de uma carreira de militância, Ailton Krenak se estabeleceu na região original de seu povo, no Médio Rio Doce, Minas Gerais. Graduou-se produtor gráfico e jornalista e durante a militância, publicou o livro “A Outra Margem do Ocidente”. Em 2016, a Universidade Federal de Juiz de Fora lhe concedeu o título de Professor Doutor Honoris Causa, onde hoje leciona disciplinas aplicadas à cultura indígena.

“Na Constituinte, houve um forte confronto do que, naquela época, chamavam de ‘Centrão’, uma configuração muito parecida com essa do nosso Congresso em que (representantes do) agronegócio e conservadores em geral”.

Que país é esse?

Após séculos de perseguição política, social e econômica, os índios continuam lutando contra os poderes do capital e da política, uma combinação que não defende nenhum dos seus direitos.

“Precisamos de educação formal , mas num modelo que respeite a cultura indígena. Não adianta dizer que o ensino é diferenciado e ir nas escolas das aldeias repetir tudo que é do currículo das escolas dos não indígenas. O MEC (Ministério da Educação) deve inserir no currículo escolar e na merenda escolar conteúdos e matérias próprios do povo indígena, sempre lembrando que cada povo tem cultura e hábitos diferentes”, destaca Almir Suruí.

Krenak concorda com uma cultura mais solidária diante das diferenças antropológicas. “O capítulo dos índios na Constituição de 88 teve uma importância tão grande que ele inspirou mudanças nas constituições no Equador, na Colômbia, no México, no Perú, na Bolívia… Os países da Bacia Amazônica começaram a discutir a possibilidade dos povos de existir com o direito a manterem suas línguas maternas e viver em territórios tradicionalmente ocupados por eles”, observa.

Para Krenak, as constituições dos países vizinhos avançaram muito mais do que a nossa. “A Constituição Brasileira não reconhece outra nação que não seja a nossa, brasileira. Esse debate sobre Estado-Nação já está superado e o que se discute hoje são Estados plurinacionais. Dentro de uma mesma fronteira de um Estado-Nação você tem plurinações com outros povos, outras línguas. A nossa Constituição diz que a Língua Portuguesa é a língua do Brasil.ignorando toda a nossa pluralidade. Essas diferenças não são ameaças e nem ameaçam a soberania nacional, mas são uma riqueza adicional”, opina.


Na saúde e na doença

Almir Suruí é direto ao pedir o básico para a sobrevivência de seu povo. “É preciso garantir atendimentomédico nas aldeias. Assim como na educação, não basta fazer discurso que é diferenciado, tem que realmente ser. Tradições e conhecimento precisam ser preservados, mas não só: a cultura e medicina indígena têm de ser ministradas nas universidades, para garantir um atendimento e intercâmbio mais suave”, diz.

Krenak adiciona: “Eu estive participando de conferências em Portugal onde eles estavam celebrando o ano Ibero-Americano. E o que é isso? É exatamente o que Portugal e Espanha fizeram na colonização das Américas. Isso refletiu na formação desses povos e reflete até hoje na relação que os Estados Nacionais têm com as populações indígenas originárias. Na nossa vizinha América Hispânica existe um tipo de herança colonial que se reflete no trato com o povo originário dessas terras, os indígenas”.

Almir lembra que um mito precisa ser derrubado: o de que o índio é o único protetor da natureza. “Não há como não abraçar o desenvolvimento econômico sustentável. Os índios querem uma economia que respeite a floresta em pé, onde possamos desenvolver economicamente os recursos da floresta, gerando renda e qualidade de vida. Temos sementes, castanhas, óleos, e tantos outros benefícios que precisam receber incentivos do governo para utilizar todos esses bens de maneira tal que se ganhe renda e a floresta permaneça em pé.”

País do futuro?

Em 2007, Almir Suruí tornou-se conselheiro do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e viu de perto como funciona a política por trás de assuntos fundamentais para as causas de seu povo. Hoje distante do órgão ele reflete sobre sua experiência. “O CNPI tem o papel e competência para propor as diretrizes e prioridades para a política nacional indigenista, bem como monitorar se os órgãos responsáveis por essa política estão cumprindo com seu papel. E eu digo que não estão. Basta ver o que está acontecendo com os conflitos de terras. Se elas já estivessem demarcadas não teríamos os problemas que temos hoje no campo”, pondera o líder indígena.

“Eu não acredito que vamos resolver isso de uma hora para outra e nem sozinhos. O Estado Brasileiro é colonialista. O Judiciário, o Executivo e o Legislativo estão cooptados pela ‘casa grande’, pelo ‘dono do engenho’ para usar uma imagem bem colonial. E as populações, que não são donas de terra, de garimpos, da indústria ou de toda a máquina de produção do capitalismo, não são representadas dentro dessas três grandes entidades do Estado. O Estado vai ser sempre configurado para atender esses casos, para atender esses interesses”, conclui Ailton Krenak.

Há uma lacuna entre o que o indígena deveria receber de uma sociedade que obliterou seu modo de vida e o que de fato é feito pelo Estado para preservá-lo. Os mais de 900 mil índios do Brasil talvez não tenham como recuperar o estrago feito pela colonização branca e eles estão cientes disso. Contudo, é plenamente possível integrar de fato o índio na pauta governamental no que diz respeito a direitos básicos como educação, saúde e segurança. Exigir que o governo acolha os índios como cidadãos de primeira classe não é nada além do que a Constituição já exige.



Por Vitor Valencio – @vitorvalencio

Fonte: https://br.noticias.yahoo.com/afinal-de-contas-o-que-o-indio-brasileiro-espera-brasil-183958704.html

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá! Tudo bem?
Nós somos da Escola Traços e Letras, da turma do segundo ano. Estamos estudando sobre os índios e achamos o seu blog muito legal!
Um grande abraço,
Gabriel, Júlia, Letícia, Luísa, Luiz Rafael , Martha, Matheus e Patrícia