quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007


Atas Indigenistas
Depoimento Ailton Krenak
31/07/86

“O advento da Nova República teria passado desapercebido no tocante a uma política do Estado brasileiro, para populações indígenas, se não fosse o esforço que os próprios índios estão realizando, estão fazendo, no sentido de avançar algumas coisas, de avançar alguns pontos. Isso na medida em que o Estado, quando foi interpelado pelos índios nas várias ocasiões, desde o período de novembro de 1984, quando nós realizamos um Simpósio aqui no Congresso, em Brasília, na Câmara dos Deputados. Nessa ocasião, nós buscamos foi uma iniciativa da União das Nações Indígenas e de outros setores da sociedade civil, tentarmos fazer com que o novo poder político que se articulava para ocupar os Ministérios, a Presidência da República tendo à frente o Tancredo Neves, assumisse conosco uma proposta pública de reestruturação do órgão que executa a política indigenista, e de redefinição por parte dos vários Ministérios que definem a política do governo brasileiro no tocante às Comunidades Indígenas. Uma de nossas reivindicações era a de que o Estado brasileiro e de que o governo brasileiro assumissem conosco a tarefa de redefinir uma política em relação às populações indígenas contemplando aspectos como saúde, educação, a questão mesmo das relações dos vários setores da sociedade brasileira com as diversas comunidades indígenas, porque cada uma tem sua especificidade; os recursos que o governo passa ou repassa para órgãos federais e que são de certa forma destinados a programas junto às populações indígenas e às comunidades indígenas, não têm o menor controle sobre a aplicação desses recursos. Então na verdade, seria tentar disciplinar a relação do Estado com as comunidades indígenas e até mesmo instrumentalizar o Estado e criar dentro do Estado instâncias competentes, instâncias modernas, instâncias contemporâneas da realidade que o povo indígena busca e luta, para que a gente pudesse ter uma convivência pacífica, para que a gente pudesse ter uma convivência que não fosse tão calhorda, que não fosse uma convivência tão mesquinha, onde os índios são constantemente surrados, mortos, expulsos, banidos de seus territórios. Mas onde essas pequenas comunidades, onde essas pequenas sociedades tivessem a certeza de que o poder público estaria zelando pela segurança do seu meio-ambiente, da forma de se organizar socialmente e que principalmente, esse poder público não significasse o tempo todo uma ameaça prestes a se abater sobre aquela comunidade e com objetivo o tempo inteiro explícito de transformar aquela comunidade numa vila, numa agrovila, qualquer coisa mais parecida com que eles chama de civilizado – que é em última instância a postura do Estado brasileiro, que é uma postura integracionista, que o Brasil firma junto com outros países, quando assina por exemplo a Convenção 107, que é uma Convenção que tem um caráter eminentemente integracionista e nós somos contra essa Convenção. Somos contra não a essa Convenção, mas somos contra o propósito de qualquer Estado de querer integrar qualquer pessoa – seja um índio, seja um negro, seja o que for. Nós achamos que o Estado deve ser o tempo inteiro controlado pelas sociedades, e não o inverso. O Estado não tem que arbitrar a vida das pessoas, o Estado tem que ser alguma coisa a serviço do ser humano. Então era isso que nós queríamos do Estado brasileiro, independente de ser Velha ou Nova República. Agora, como havia um ensaio da Nova República nós entramos lá desafinando o coro dos contentes, querendo que eles respeitassem a nossa especificidade e fizemos um programa, fizemos uma proposta que tomou o nome de “Propostas para uma Nova Política Indigenista” e que foi resultado de um Simpósio que teve o pomposo nome de “O Índio e o Estado” promovido pela Fundação Pedroso Horta e por outros organismos, não governamentais. O Presidente Tancredo Neves nos recebeu em cerimônia, entregamos o documento, eu, Ailton Krenak, entreguei esse documento na mão do Sr. Tancredo Neves, com testemunha de outros parlamentares e a imprensa brasileira. Saímos estampados nas manchetes de Brasília e na Rede Globo, mas a Nova República parece que não teve fôlego para cumprir aquelas promessas que eram as promessas de acatar aquele documento, de realmente realizar uma reestruturação da política indigenista, discutir com povos indígenas, com as comunidades indígenas uma nova forma de relacionamento. Hoje, há aproximadamente seis meses desse trâmite todo junto à Nova República, nós constatamos que a gente tem ainda um órgão de governo que é a Fundação Nacional do Índio, tomada por pessoas extremamente comprometidas com uma política de franco desrespeito às comunidades indígenas, que discrimina a participação do índio no debate das questões que são pertinentes a índios, que exclui as lideranças indígenas dos processos de decisão; esse órgão, que não discute com essas comunidades indígenas sequer o orçamento anual do órgão, e que adota realmente uma atitude das velhas agências que a Inglaterra e a França usaram para colonizar a Argélia, a Índia, as nações africanas. Então eles insistem em nos tratar como menores de idade, como tutelados, como seres desprovidos de qualquer maturidade, de qualquer capacidade, de qualquer articulação que nos qualificasse para uma relação de igualdade, mesmo que essa relação de igualdade – e é uma defesa que eu faço constante tenha como base o caráter plural, o caráter da diferença, o caráter de outro; que eles possam sempre entender isso. Mas a luta continua. A União das Nações Indígenas na última assembléia que realizamos que foi nos dias 09 a 10 de junho, em Goiânia, tirou um documento final no qual 32 Nações Indígenas afirmam que o órgão máximo das comunicações indígenas é o Conselho Indígena Nacional, e o órgão da União das Nações Indígenas é que vai tirar as políticas para a população indígena, e que uma eventual agência do governo vai ser provedor do ponto de vista da matéria, e do ponto de vista da execução, das políticas, que nós definirmos. Agora, se o Estado brasileiro, se os Ministérios a quem essa política está por enquanto atrelada, não tem ainda maturidade para dialogar com o Conselho Indígena Nacional, nós vamos ter que fazer uma espécie de programa intensivo de educação para ver se a gente consegue madurar a cabeça desses técnicos do governo, sensibilizar essas pessoas de que nós já esperamos muito. Nosso povo espera há 480 anos que os homens que dirigem esse país se tornem maduros o suficiente para sentar conosco sem insegurança, de conversar conosco sem medo sobre as expectativas que nós temos, sobre o que nós sentimos e o que nós esperamos deles como dirigentes da grande nação brasileira que nós amamos, que nós consideramos e que nós queríamos ver uma Nação generosa, uma Nação capaz de comportar no seu seio essa diversidade cultural, essa pluralidade e nos tornar um povo mais feliz.
Se, por um lado, o órgão que deveria estar buscando realizar uma política voltada para as populações indígenas que é vinculada ao Ministério do Interior tem se omitido, assim como o Ministério do Interior tem se omitido, em relação a um compromisso com as populações indígenas, nós temos sentido sinais de simpatia por parte de Ministérios que são de certa forma, que eram de certa forma, até agora, alheios à questão indígena. Então nós temos agora junto ao Ministério da Cultura uma Assessoria de Assuntos Indígenas, que se ainda não teve seu perfil definido, seu caráter definido, pelo menos já se garantiu junto a esse Ministério um espaço, que é esse, dessa Assessoria de Assuntos Indígenas; eu acho isso importante, eu acho que as populações indígenas no Brasil devem tomar esse espaço, ocupar esse espaço, e eu creio que o maior comprometimento do Ministério da Educação e do Ministério da Cultura com a questão das comunidades indígenas pode dar um novo alento às populações indígenas na busca de um maior apoio e de um maior acatamento do Estado brasileiro, do governo brasileiro, das reivindicações e das expectativas das populações indígenas. Agora eu creio que tudo isso é muito novo e nós vamos te que buscar dar resposta a essa simpatia de alguns setores da Nova República à questão indígena e fazer um esforço no sentido de que setores como o Ministério do Interior, que já tem, por definição, um dever de cumprir uma política em relação às populações indígenas, se definam e venham a público colocar sua posição, porque até agora o Ministério do Interior tem sido omisso nesse sentido.”

Ailton Krenak
Coordenador da Regional Sul
União das Nações Indígenas – UNI
BsB, 31-07-86

sábado, 17 de fevereiro de 2007

Programaçao Taru Andé para março

Sexta, 02/03/2007
20:30 - Suruí - O povo Tembetá
Domingo, 04/03/2007
22:00 - Poianawa - O Sonho de um Povo
Sexta, 09/03/2007
20:30 - Poianawa - O Sonho de um Povo
Domingo, 11/03/2007
22:00 - Arara - O Povo Shawandawa
Sexta, 16/03/2007
20:30 - Arara - O Povo Shawandawa
Domingo, 18/03/2007
22:00 - Xavante - O povo do cerrado
Sexta, 23/03/2007
20:30 - Xavante - O povo do cerrado
Domingo, 25/03/2007
22:00 - Xakriabá - O Povo Invisível
Sexta, 30/03/2007
20:30 - Xakriabá - O Povo Invisível

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Taru Andé - Programaçao de fevereiro




Sexta, 16/02/2007
20:30 - Ashaninka - Os filhos de Pauwa
Sexta, 23/02/2007
20:30 - Pataxó - O Povo das Águas
Domingo, 25/02/2007
22:00 - Suruí - O povo Tembetá

Curiosidade:
Um krenak na Rússia

Apresentador da série de documentários Taru Andé, Aílton Krenak conta que seu povo herdou este nome do capitão Krenak, que defendeu a sobrevivência do clã até a virada do século XIX para o XX, em sangrentas batalhas com o homem branco. Os Krenak são na verdade índios da família Aymoré, que se espalhava por toda a região Sudeste.

Mais do que um líder de seu povo, Aílton há tempos se destaca na defesa das culturas indígenas de todo o país. Já na Constituinte de 1988, foi importante articulador para a inclusão dos direitos especiais dos índios, até então praticamente ausentes da legislação. Mas dificilmente imaginou que sua idéia de unir os povos indígenas no Taru Andé fosse levá-lo tão longe quanto à Rússia.

Pois é lá que estão guardados, há um século, registros inéditos dos Krenak feitos em uma expedição científica. O documentário dedicado à sua etnia acompanha Aílton até São Petersburgo, onde ele conheceu pessoalmente os manuscritos, fotografias, ilustrações (à direita), objetos, partituras e até restos mortais de seus antepassados. “Tudo isso dá sentido para nossa identidade e reforça a auto-estima de meu povo. Chegamos ao século XXI com nossa história consolidada, depois de quase desaparecer no século XX”, conta, orgulhoso.



A fé de quem tem razão

O problema é que, para sobreviver, os Krenak não dependem apenas da manutenção de sua cultura e seu território. Enquanto para eles o Watú (Rio Doce) é sagrada fonte de vida, do lado de fora da reserva indígena a saúde das águas é cada vez mais frágil. Aílton reconhece que o Rio Doce vem sofrendo com o acúmulo de metais pesados, até mesmo mercúrio, lançados pela indústria siderúrgica e de mineração.

Mas este é assunto delicado quando se trata de defender as crenças de seu povo. “Os danos ambientais não mudam a compreensão de que o rio é sagrado”, explica. Ele diz que os índios mais velhos já lhe perguntaram se o homem branco “tem poder para contaminar o Watú”. Apesar de já conhecer bem a cultura dos brancos e sua capacidade de destruição, sua resposta é um reforço à visão indígena da força da natureza: “De jeito nenhum. O Watú acaba com eles todos!”.

A fé no poder dos elementos naturais também alivia um bocado as almas aflitas com o aquecimento global. Aílton lembra que diversas culturas indígenas, como a dos Guarani e a dos Yanomami, acreditam que já estamos na terceira versão deste Planeta. Devastada por civilizações anteriores, a Terra sempre se regenera.

Tomara que estejam certos. Mas, por via das dúvidas, convém aprender com sua sabedoria (exata até para quem segue a razão científica): o rio é sagrado.


FONTE: Site do Canal Futura

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Seminário Internacional Gestão Pública da Água


O Seminário Internacional Gestão Pública da Água, realizado em Curitiba nesta quarta-feira (22), Dia Mundial da Água, reuniu especialistas que alertaram para a escassez e a privatização da água. Os palestrantes do Seminário foram unânimes em defender a água como um direito humano inalienável e que, como bem público, precisa de gestão pública. O diretor-administrativo da Sanepar, Péricles de Holleben Mello, que abriu o Seminário, disse que é obrigação moral da humanidade pensar em ações, no presente e no futuro, com relação a cuidados com a água e ao meio ambiente.
O indígena Marcos Terena, presidente da Organização Indígena Comitê Intertribal, afirmou que “o homem branco vive grandes contradições com relação à natureza e isso também acontece na relação com a água”.
O indígena Ailton Krenak engrossou o discurso de Terena. “Nós estamos vendendo a nossa alma e é preciso que a gente lembre dos rios e da natureza com a necessidade de ter vínculos verdadeiros.

PARA UM NOVO INDIGENISMO - OPAN (Operaçao Amazonia Nativa) 30 anos » Seminário »

Eu quero aproveitar logo a primeira oportunidade para dar parabéns para a OPAN. 30 anos é um tempo que permite a qualquer um aprender bastante, é uma oportunidade para gente aprender e talvez a razão porque tanta gente atribui as nossas tribos, atribui aos povos antigos algum tipo de conhecimento. Não seja porque as pessoas antigas são mais inteligentes do que as pessoas atuais não, é porque viveram muito tempo. É se um povo fica contando história um para o outro durante mil anos, 2, 3 mil anos, tem mais chance de aprender. Eu acredito nisso e então eu acho que a gente está sempre aprendendo. Cumprimento então os antigos que tiveram a sua época, o desejo de criar um lugar um espaço onde vocês que foram chegando nos últimos anos, nos últimos 10 - 5 - 1 ano, integrando essa rede de, quase indivíduos.

É a primeira vez que eu tenho a oportunidade de conhecer a história da OPAN de uma maneira tão íntima, escutar histórias de dentro de casa, como é que ela foi pensada, como é que ela foi parida, como foi virando um corpo com inteligência, com percepção do mundo onde ela está e interagindo. Para mim foi muito gratificante ouvir todos os meus amigos que conhecem a história e que construíram esta história juntos, isso me deu também uma sustentação para perceber a existência de outras ações e outras iniciativas que nos últimos 20 - 30 anos, incluindo a criação do CIMI. É uma oportunidade para gente perceber o ambiente e o tempo em que a sociedade brasileira foi capaz de perceber que não era possível tratar o conjunto da realidade nacional, empacotando as sociedades indígenas no extrato mais baixo da realidade dessa nação que tinha um esforço de se consolidar, tanto na visão colonial antiga quanto na visão modernizante do país. As nossas sociedades sempre foram ignoradas, foram desprezadas como um sinal afirmativo, como um sinal positivo de construção de alguma coisa. Nós não fomos levados em consideração, nenhum projeto político nacional como parceiros, de jeito nenhum, as idéias mais generosas, que contemplaram a visão dos pais da pátria, dos pensadores do Brasil, os antigos e os recentes, no máximo olham as nossas sociedades como alguém que precisa ser protegido e que precisa ser preservado e no máximo auxiliado para sobreviver. Esta visão de certa maneira ela perdura. Até hoje essa visão é a visão que inspira muitas das ações e até algumas das ações que envolvem iniciativas nossas mesmo, que envolvem nossa colaboração, o nosso esforço, a nossa participação, porque tem uma cultura, uma cultura muito densa que foi se formando ao longo de muito tempo.

E como eu estava partilhando com vocês de que o tempo realmente ele vai nos moldando. O Egydio falou que nós vamos trabalhando interagindo e que a pressão e a realidade desse mundo que vivemos hoje ele vai alterando a nossa visão e corrigindo nossos rumos. As vezes alterações dessa visão e as correções desses rumos não é exatamente para o lugar onde nós queríamos ir. Muitas vezes a correção do rumo e uma espécie assim de correção compulsória que a gente experimenta não leva para onde a gente está querendo ir ou a gente está projetando ir, mas nos leva para onde o conjunto das realidades que estão se dando permite, possibilita e nos cabe verdadeiramente. Neste sentido acho que as sociedades indígenas estão hoje no lugar que cabe, dentro da realidade nacional é onde nos cabe, nós não cabemos em outro lugar da realidade, não tem um outro lugar neste concerto dos povos que vieram para cá formar esta sociedade brasileira como está desenhada hoje, onde coubessem os índios que não fosse onde nós estamos. Esta é uma constatação que pode até dar um conforto para quem tem que levar a empreitada daqui para frente, de continuar encarando as ameaças de depredação dos territórios, aonde as nossas tribos ainda conseguem manter as suas áreas com alguma autonomia e algumas vezes de encontramento também das populações indígenas em modelos de serviços, modelo de participação nas economia regionais, aquilo que nós chamamos de integração, ameaças de absorver estas populações nos sistemas de mercado, nos sistemas de economia nacional e regional, ela é uma ameaça permanente, ela é uma possibilidade permanente, e a tendência a tomar estes territórios, de transformar eles tudo em produtos de mercado é também uma tendência natural. Não existe uma consciência, nem aqui no Brasil nem fora do Brasil, de que seja verdadeiramente importante que as sociedades tradicionais continuem vivendo a sua maneira e que continuem tendo à disposição de seus territórios os seus sítios e seus lugares, para continuar vivendo como querem.

Essa compreensão do quanto que é tensa a realidade regional e a realidade também tomando outras regiões do mundo, tomando outros continentes, outras populações. Olhando o conjunto, nós percebemos que tem um movimento rigoroso, forte mesmo de ajuste de todas as possibilidades onde os recursos naturais e a capacidade de trabalho são o último escudo, a última tranca. Ela vai em cima do que ainda há de recurso natural, acessível e possível de ser explorado e colocado no mercado. Tem a mão de obra também, onde mesmo quem só pode cortar pau e garimpar, ainda tem valor para esse mercado e o mercado vai exaurindo esses recursos a onde ele pode, essa capacidade de delapidar os recursos de natureza de maneira violenta, ele continua vivo cada vez mais atuante, e em todas os lugares do planeta.

Depois de chamar um pouco esta visão meio assustadora, dessa realidade que nós vivemos hoje, eu queria comentar com vocês, o fato de eu ter estado durante 10 anos, junto com outros colegas meus, coordenando uma organização que pretendeu na década de 80, fazer o que era possível. Ao mesmo tempo, experimentar e aprender, o que é uma organização indígena. Essa organização indígena que eu experimentei, junto com meus colegas, de consolidar, foi a União das Nações Indígenas.

Trabalhar no dia a dia, a demanda que este movimento indígena conseguia perceber, conseguia apreender como realidade e como necessidade mesmo para gente se firmar, como sociedades distintas e diferenciadas entre nós mesmos, mas como uma base comum de condições para nós podermos viver. Essa base comum que nós conseguimos fotografar todos juntos, ela ainda era muito limitada, porque ela se restringia basicamente na defesa da vida e a defesa dos lugares aonde nós ainda estávamos podendo viver (as nossas aldeias, reservas, onde nossas famílias estavam vivendo) estava sendo a nossa bandeira, defendendo a vida e defender a terra. Essas duas razões que permitiram que índios de diferentes tribos, os índios do Nordeste, do Sul, do Centro-Oeste, da Amazônia, começassem a trocar impressões de partilhar uma idéia, digamos assim, nova para todos nós, estimulante àquela época de que nós éramos os índios. Já era uma outra criação, criação de uma categoria, que para maioria dos nossos parentes, era tão esquisita quanto chamar o cara de ET ou de OVNI, ou de qualquer outra coisa. Você podia dizer: "nós somos os pedra, somos os lua", nesse caso era uma organização de índios e nós fomos afirmando nas nossas conferências, nos debates, nas entrevista de imprensa, na discussão com o público, cada vez mais, essa espécie de caricatura, essa idéia que era uma atribuição, nós recebemos, valeu, fizemos o retrato da época e trabalhamos no enfrentamento com as realidades que se colocavam para nós naquela época que ainda era o finalzinho da ditadura militar, o resto da experiência que tinha durado para todos nós, tempo excessivo de proibição de tudo, nós estávamos fazendo várias experiências ao mesmo tempo, que era experiência de conhecer alguma coisa que nós ainda não sabíamos o que era, que era estar saindo do convívio da maioria das nossas famílias e das nossas tribos, para começar a participar de viagens, reuniões, encontros, assembléias, saídas inclusive para fora do Brasil, onde muitos de nossos parentes voltaram totalmente rodados, porque eles não entendiam o que estavam vendo não sabiam o que estavam fazendo aquelas viagens tão longas. E sempre tem muitas situações engraçadas no meio de tudo isso, como o camarada que é convidado para uma conferência em Genebra, chega lá de madrugada, chega de manhã cedo e de tarde ele volta para o aeroporto, pega um avião e vem embora, porque ele não acredita, não gosta daquele lugar e não acredita que pode ter um lugar tão longe.

Então nós experimentamos esse aprendizado de uma maneira muito espontânea, ninguém tinha formação política, nenhum dos índios que estavam integrando esse movimento tinha formação política. Não conheciam a realidade além da sua tribo, além da sua região, da sua cidade. O pessoal do Acre conhecia a realidade do Acre e olhe lá; os Kulina, ou os Ianawa, os Kaxinauá, os Jaminaua ... alguns deles nunca tinham vindo à Rio Branco ou ido à Manaus. Os Makuxi, que estavam lá em cima em Roraima, tinha muita gente Makuxi que nunca tinha vindo à Boa Vista. Então até mesmo o transito das pessoas, os deslocamentos, entre um lugar e outro, à Brasília, ao Rio de Janeiro, eram lendas nas nossas histórias. Era muito comum um ou outro dos velhos, que tinham ido ao Rio de Janeiro conversar com SPI, contar deste lugar distante que era o Rio de Janeiro, sempre como uma imagem muito longínqua para todas as pessoas mais novas, imaginar onde eram estes lugares, onde o governo mandava, onde as autoridades decidiam.

Foi na década de 80 que as pessoas indígenas começaram a reconhecer de certa maneira que existia um conjunto de instituições do Estado que incluía o Presidente da República, o Congresso Nacional, a Polícia Federal; as polícias... Essas estruturas que todo mundo está acostumado a tratar com elas como coisas que sempre existiram. Para a maioria das nossas, não só das lideranças que estavam a fim de integrar e constituir esta forma de representação, essa forma de expressão do nosso momento, tinha muito pouca informação, muito pouco idéia do que era a realidade toda do país.

Eu acho que um passo muito importante que esse tempo nos possibilitou, foi o de aprender sobre essa realidade em torno da nossa vida local. Nós fomos todos despertados para uma realidade que era e é muito mais complexa do que nós pensávamos naquela época. Por mais que a gente tivesse que enfrentar os fazendeiros, os vizinhos, enfrentar eventuais invasores das nossas terras, nós nunca atinamos para a complexidade da organização política e dos interesses que estavam e estão em torno da nossa realidade local. O trabalho, a presença dos companheiros que como antropólogo, ou como indigenista, se aproximaram das nossas áreas para levar essa discussão conosco, foi fundamental, para dar qualidade, aquele primeiro round da nossa abriga com o Estado para defender nossas terras e para trabalhar com mais tempo na questão da defesa da vida. Na defesa da vida eu incluo todos os avanços que nós reconhecemos hoje, e ao que está inclusive incluído no texto da Constituição Brasileira, o reconhecimento da nossa diferença, o reconhecimento a nossa antigüidade de estarmos aqui e a realidade de um país que precisa assumir e partilhar com as sociedades que foram empurradas de seus territórios de origem, muitas vezes para áreas distantes de seus lugares de origem, mas que o Estado passou a admitir, só na década de 80, pela primeira vez, de que nós somos uma realidade permanente, vamos conviver com os outros brasileiros e com o que vier a ser o Brasil no futuro, nós vamos conviver e estar nela interagindo com ela como qualquer outra parte desta formação da sociedade brasileira, como qualquer outro povo que veio para cá o Estado hoje já consegue pelo menos isso admitir, de que nós estamos nesta canoa, nós vamos fazer esta viagem juntos. Depois nós podemos olhar e discutir em que lugar desta canoa a realidade que nós vivemos hoje, admite ou aceita que nossas as sociedades tradicionais possam também, segurar possam estar juntos.

Eu fiquei baseado em São Paulo de 1979 até agora, são 20 anos né? Esses 20 anos eu estive todo este tempo buscando entender, buscando identificar trilhas, rotas que nós pudéssemos fazer, como defesa não só destas duas bandeiras fundamentais que é a vida e o território onde cada povo nosso está, mas identificar também como nós poderíamos estar lidando com as novas necessidades e com as novas situações que a convivência com a sociedade brasileira e com o mundo todo nos vigia. Dentro dessa busca de identificar meio e formas de organização que possibilitasse a nossa afirmação permanente o trabalho das organizações, das entidades que apoiavam a luta do povo indígenas, ela foi muitas vezes a condição para que a gente pudesse se mover. Em muitos momentos a capacidade de mobilização, a iniciativa de uma comunidade indígena, ela estava determinada por quanto os nossos aliados eram capazes de se mover naquele, o nosso ritmo era foi muitas vezes impulsionada e possibilitado pela disposição e pela capacidade de trabalho que as pessoas que estavam voltadas para apoiar a nossa luta, estavam dispostos a pôr em cada momento. Esse papel de apoiar e de dar sustentação à visão que as nossas comunidades conseguiam exprimir a cada tempo, a cada região desse país de cada localidade, ele foi determinante para um povo viver ou para um povo se acabar. Em algumas regiões do Brasil grupos que estavam reduzidos a 8 indivíduos, 11, 20, 30, quando se acabavam, quando o seu povo todo está reduzido a meia dúzia, a 20 pessoas, é muito fácil, um bando de jagunços cercam um vale qualquer e acaba com todo mundo.

A presença viva, a atitude constante dos companheiros que estavam nas organizações de apoio na década de 70 e 80, eles foram fundamental mesmo para assegurar que esse enfrentamento não fosse tão desvantajoso para os índios e mesmo com esta capacidade de perfilar todo mundo uma bandeira em comum, nós ainda levamos prejuízos nesse período, nós ainda levamos muitas porradas, perdemos algumas das nossas batalhas nesse período e nós considero que conseguimos fechar a década de 80 com um sinal muito afirmativo e com uma indicação que íamos avançar muito mais na década de 90. Nós chegamos no final da década de 80 consolidando, no texto da Constituição, os direitos que nós sonhamos com eles antes e conseguimos colocar eles no documento.

Não conseguimos avançar mais além disso. A década de 90 tem sido um tempo muito duro, quando nós olhamos o avanço que nós tivemos na década de 80 (mesmo no final da década de 70), um avanço político, avanço de conhecimentos, a iluminação do ambiente das relações entre as nossas sociedades e Estados e as outras forças (econômicas e políticas) que estão nesse campo o tempo inteiro.

Nós estamos então fechando uma década, mais uma vez e olhar para esta década de 90, considerando como que nós temos interagido dentro dela, que capacidade que nós temos tido de entender, reconhecer a distância, algumas das tendências da política (do estado e da global) e o impacto que ela tem sobre a nossa vida, parece que tem sido um dos nossos pontos mais abertos. Acho que a nossa compreensão da realidade, nossa capacidade de antecipar as políticas, ela está muito aquém do ritmo das mudanças. As mudanças, elas tem ocorrido com muito mais velocidade do que nós somos capazes de aprender. Algumas das tragédias e alguns dos prejuízos que temos tomado, são em conseqüência de nós estarmos muito treinados para lidar com a realidade de 20 anos atrás e pouco preparados para lidar com a realidade daqui a 10 anos. Nós não podemos trabalhar com a cabeça que nós fizemos há 20 ou 30 anos atrás, uma realidade que estamos antecipando condições do terceiro milênio. Muitas das questões que estão sendo colocadas para nós hoje, elas são antecipação de realidades que nós vamos ter que enfrentar de fato, daqui a 5 ou 10 anos. Os acordos internacionais, os convênios, todo o conjunto de armações que a engenharia do mercado da grana e das políticas mais dominadoras do planeta. Elas estão desenhando situações que exigiriam das organizações de apoio ao povo indígena assim como as diferentes expressões do movimento indígena, porque não existe um, as diferentes expressões que cada tribo, cada etnia, cada povo entende que é a sua ação política, isso é um movimento indígena, ele é isso, ele não alguma outra coisa que se pareça com um desenho que um ou outro de nós projeta ou pensa. Ele é uma realidade de fato. E essa capacidade, as nossas forças, a capacidade que nós temos, de projetar e de olhar para frente ela está toldada, nós estamos pouca capacidade de olhar para frente. Nós estamos lidando sempre com o fato, sempre olhando o prejuízo como a realidade que já está muito na nossa cara, no máximo com alguma coisa que vai ser implementada daqui a 1 ou 2 anos. Nós estamos hoje discutindo as hidrovias, discutindo ainda as políticas de desenvolvimento regional na Amazônia que preconizam derrubar mato e colonizar; quando nós já podíamos estar avançando, de fato, discussões que levassem em conta outras formas de produção, outras formas de organização da produção, do mercado, das economias, onde os territórios e as populações não só indígenas, mas as populações que estão no entorno dessas áreas indígenas, como em algumas regiões da Amazônia, são populações que tem um profundo comprometimento com as estratégias das sociedades indígenas que são ribeirinhos, seringueiros. A gente não pode se esquecer que da mesma maneira que nos parques nacionais e nas reservas nacionais, algumas áreas de relevância biológica, o cinturão em torno dessas áreas é de fundamental para sua preservação. Nós podemos ter certeza de que a população que está no entorno das áreas indígenas, se ela é uma população que nós trabalhamos com ela, a longo prazo, ela é um cinturão de segurança desse território. Se nós trabalharmos estratégias de aliança, não aliança barata, mas um processo de construção de reconhecimento de reciprocidade de respeito com os nossos vizinhos nós podemos ter desses vizinhos, círculos graduais de proteção, de defesa daquilo que é um impacto mais direto sobre território, sobre população, mas que obviamente vai se refletir no comportamento de pessoas que estão um pouco mais longe, definindo projetando ações, para o entorno para as vizinhanças desses territórios.

Esta compreensão o ponto mais imediato, local, e o reconhecimento de como este ponto está relacionado com vários círculos que nós podemos interagir, que nós podemos reconhecer e interagir neles, tem parecido para mim, um caminho positivo que pode ajudar as pequenas sociedades a terem mais tempo para acompanhar a realidade global e responder algumas das questões dessa realidade mais ampla nos impõe. Isso seria muito importante que nós pudéssemos, ter a participação, a colaboração de quem está no campo do indigenismo, para que isso fosse sendo implementado, para que a gente fosse trabalhando estas idéias. Eu sinto que tem algumas ações hoje de monitoramento de algumas áreas, incluindo imagens de satélites, fazendo a vigilância para ver se estão abrindo estradas, se estão abrindo novos grupos de colonização, monitorando informação, tem muito acompanhamento dessas realidades locais mas elas não constróem um quadro articulado e nem orientam uma ação no tempo para ir construindo, também com as populações que estão no entorno dos nossos territórios, essa idéia muito bem vinda de estimular, incentivar, de que as pessoas se lembrem e que reconheçam na prática da reciprocidade, um campo muito rico que nós nunca seremos capazes de explorar toda a sua potencialidade se a gente tiver coragem de ir fundo nele. Estimular isso nas pessoas, tanto nas populações que estão próximas das áreas indígenas, quanto aos que estão naqueles grandes centros, trazem sempre para o debate ter mais oxigênio, ele pode ser um trabalho muito importante para o futuro, a partir de agora já poderia ter sido feito (perdemos de não fazer na década de 90), mas nós podemos avançar nisso.

A minha idéia sobre a realidade em que nós estamos metidos nela, não só como sociedades tradicionais, como populações tradicionais, mas também como população que vive numa região do mundo que é marginal. Eu tenho procurado comparar realidades de populações nossas que estão aqui no Brasil e na América do Sul, com população tradicionais que estão em outros países, como nos países ricos, como está a situação dos índios no Japão? Se me permitem chamar eles de índio. Lá no norte do Japão tem um povo que se chama Aino, lá nas montanhas geladas. Nos EUA todos nós sabemos da existência de uma população indígena numerosa, população indígena dos EUA chega em torno de 2 milhões ou 2,5 milhões, e mesmo assim aquela população com 2,5 milhões não apita nada, nem apita. Nós temos tido a visita de índios que vieram do Canadá e dos EUA, aqui também deve ter havido estas visitas, nas áreas onde a OPAN atua? Vocês já tiveram visita de Navarro ... ? Já. Estas visitas foram muito boas, tanto para nós como para eles que se tocam do pacote esquisito que eles estão metidos lá no norte. A maioria dos nossos parentes que vem do Canadá ou dos EUA aqui, ficam admirados com o barulho que os índios fazem aqui no Brasil, admirados com a capacidade de berrar que o povo indígena tem e como que esse barulho incomoda. O que é isso? Se nós estivéssemos vivendo uma realidade de país rico os índios estariam, ou nem estariam mais aqui ou estariam muito mais danados que estamos numa realidade de terceiro mundo.

História do povo Aino no Japão....(Ailton fez duas viagens para lá.) e descreve os detalhes deste povo.

No passado recente, incluindo o SPI e as missões também, tinha muito pouca capacidade de entender, pouca intimidade com o assunto, não tinha como entrar nesses assuntos e reconhecer ele em profundidade. O que eu acho, é que hoje também, estamos num ponto em que é difícil penetrar em todos esses ambientes destes temas e atualizar ele o tempo todo, ficar ligado o tempo inteiro, percebendo o conjunto dessas realidades sendo capaz de interagir nele. O sentimento também que fica muito forte, é que o modelo e a educação, e o treino que as pessoas receberam para atuar nesta área, foi baseado numa realidade que já foi superada e exige da gente hoje, de cada um de nós, a capacidade de projetar, de olhar além da situação imediata em que estamos vivendo, para programar as nossas ações e andar um pouco a frente dos acontecimentos, porque como as realidades que nós estamos relacionados com elas são realidades frágeis, nós estamos trabalhando com ecossistemas extremamente frágeis, complexos em si mesmo e frágeis no contato com realidades de fora, com culturas e com sociedades que apresentam as vezes a mesma sensibilidade que esses ecossistemas que nós estamos nos referindo; e estão ambos na mira. Então é uma condição, é uma exigência do tempo que nós nosso tempo, ficar ligado, ficar alerta, não ficar trabalhando com idéias muito acomodadas.

E eu sinto as vezes quando chega um companheiro e pergunta: "Ailton, cadê o movimento e as organizações indígenas? Vocês afrouxaram, vocês desistiram, os índios voltaram para casa? Arrumaram emprego na FUNAI, viraram todos empregados públicos, como é que é?" Eu observo que as perguntas tem toda razão, mas que a compreensão de quem está fazendo esta pergunta, é muito fundada em elementos do passado, em realidades que já foram embora, já passou e que não teria sentido na década de 90 e muito menos no próximo século. Imagina, nós não podemos chegar no século XXI tentando recuperar um formato, um jeito de organização que pode parecer mais fácil de lidar com ele, é mais fácil de reconhecer porque ele está dentro de um figurino que é ocidental, uma coordenação, uma organização, com diretores com presidente, dirigente, com escritório, com jornal, com endereço, com cartão. A maioria das pessoas que estiveram junto conosco trabalhando nos últimos 20 anos, 10 anos, estavam querendo que nós chegássemos a um tipo de resposta que nós sabemos que é esta, ele queria ser capaz de identificar no interlocutor pelo telefone imediatamente, se o deputado está lá dentro do gabinete dele e caiu lá alguma coisa relativa aos índios ele gostaria de pegar o telefone e ligar para a organização indígena que está com tudo em cima para dizer que é assim ou assado. Nem organização indígena e nem organização não indígena, indigenista, nenhuma dessas organizações hoje, chegaram ao ponto de estar com esses universos "on line" pronto com todas as informações para o que der e vier.

O fato de nós não termos chegado a isso pode ser em razão de nós estarmos com as ferramentas erradas e principalmente escolhendo as ferramentas erradas e atuando de uma maneira ultrapassada. Se nós estivéssemos escolhendo as ferramentas erradas e atuando de uma maneira ultrapassada, as duas coisas acontecem mais ou menos juntas, se a gente está atuando com uma idéia muito pregada nas experiências passadas, nos modelos passados, a gente pode correr o risco de escolher também a ferramenta para a ação e orientada só por este modelo e ela não vai ter nenhuma adequação, não vai caber no momento.

Eu gostaria de manter essa comunicação com os meus companheiros da OPAN e com os outros amigos que estão aqui, como eu, na condição de convidados, para gente ir atualizando a nossa visão sobre a realidade mais geral e mais específica aqui do nosso país, do Brasil, de como a gente pode interagir. Mas eu tenho uma impressão de que essa capacidade de ação nossa, ela vai cada vez mais lidar com uma realidade onde a ação é de redes de indivíduos e menos de organizações, essa é a tendência futura. Creio que no futuro nós vamos ter muitas redes, que tem uma certa semelhança com isso que os companheiros da OPAN fizeram ao longo destes 30 anos, que é de manter o compromisso com uma idéia e não com o desenho de uma instituição, o compromisso é com idéia e articula pessoas, reúne gente, atualiza o quadro e vai trabalhando. Eu tenho muita simpatia por esse jeito que vocês se mantiveram ao longo desses 30 anos, eu tenho simpatia por esse jeito de mobilizar, capacidade de trabalho das pessoas, dentro de uma visão da realidade que nós estamos vivendo e num foco também bem apurado, bem fino, do que essas pessoas estão comprometidos e estão dispostos a fazer. Acho que isso tem consequência e é uma pena que nós até agora, não tenhamos sido capazes de criar os outros instrumentos positivos, criativos, que pudesse dar mais impulso ainda a esse jeito de agir, que é a necessidade de atualização permanente mesmo, da realidade que nós estamos vivendo e isso vai exigir muito esforço, por que todos nós sabemos que quando vamos trabalhar em algum lugar com uma realidade local com um povo, a gente fica tão absorvido que nós nos esquecemos até da cidade mais perto da gente, a gente não lembra mais nem desta cidade que está ali a 20 ou 30 Km de onde a gente está, quanto mais, lembrar do desenho de um país inteiro, de uma realidade do continente, de uma realidade mundial. Por isso é muito importante mesmo ações que são leves e com pouco grau de burocracia e institucionalização como essa que caracterizou a ação da OPAN nesses 30 anos, é muito importante que ela tenha canais para fora, é muito importante que ela tenha janelas e essas janelas tem que ser super ventiladas e iluminadas, porque se não, vocês ficam tapados, imagina você define um projeto, se enfia de cabeça nele durante uns 5 ou 6 anos, você não sabe mais nada sobre no mundo a não ser esse trabalho, a menos que você não esteja verdadeiramente apaixonado e metido naquela história, se você estiver metido e apaixonado naquela história, você não vai enfiar a cabeça nela e não vai lembrar de outras coisas. E isso, se por um lado é ótimo porque você está com essa energia toda, por outro lado no tempo isso é mau, porque as realidades se alteram com muita rapidez e você pode continuar mandando a maior brasa numa história que já terminou.

Então eu sinto, que nós não vivemos mais no tempo de promover organizações indígenas baseadas em exemplos que nós tivemos na década de 70 de 60 de organização dos movimentos sociais. Eu tive que ser até antipático com os companheiros da CUT e com sindicalistas em geral (no começo de 90) quando eu estava me retirando da coordenação da UNI, quando publicamente eu falei que não acreditava num sindicato de índio e que eu estava saindo fora porque a tendência do movimento indígena era virar numa Central Única dos Índios e eu não acredito também numa central única dos índios, a CUT é dos trabalhadores e não dos índios. Então eu sei que a nossa aliança com vários setores da sociedade brasileira inclui obviamente os trabalhadores e a proximidade dos índios com jeito de organização dos trabalhadores influenciou muito a nossa primeira organização. A primeira idéia de organização nossa estava espelhada óbvio nos trabalhadores, estava espelhada nos sindicatos, nas organizações dos sem terra, na organização da pastoral da terra, no máximo era da CPT, no máximo os índios do nordeste tinham conhecido um pouco da ação das ligas camponesas, os índios mais velhos sabiam o que eram as ligas camponesas, os Kiriri sabiam e alguns Potiguara (lá da Bahia da Traição) também sabiam, porque essa história rodou em volta deles. Um ou outro conheceu experiências de organização política daquela época, mas a principal inspiração para o tipo de organização que nós experimentamos nos finais de 70 - 80, foi organização de trabalhadores rurais e sindicato e seria um equívoco muito grande se a gente tivesse continuado naquele caminho. Se a gente tivesse continuado nesse caminho a gente estaria atropelando a diversidade cultural, a gente estaria matando a possibilidade de surgimento de formas próprias de expressão, de organização de centenas de etnias. O que nós estaríamos fazendo na verdade? Estaríamos criando um tubo, do ponto de vista do modelo de organização, que talvez fosse prevalecer para o próximo milênio, nós íamos oferecer um modelo totalmente equivocado para a realidade de sociedades que ainda estão até sem contato com esta realidade brasileira, com esta realidade do mundo, porque ao esboçar uma organização de caráter nacional você já tá prevendo que aqueles caras que vão ter contato lá das cabeceiras do rio Juruá, depois que a FUNAI carimbar eles a organização indígena também vai lá e carimba, estão representados. Então tem uma arbitrariedade muito grande nesses modelos, tem uma violência muito grande nisso, e que as vezes é melhor a gente ter a radicalidade do Egydio de achar que "quando o circo está pegando fogo é que tá ficando bom", é melhor ficar mesmo com esta posição porque ela tem mais conseqüências do que você ficar reproduzindo estes modelos chapados, de dominação, de consolidação de uma coisa que todos nós sabemos que ela não tem futuro mas nós admitimos que ela vem com a bola toda.

Todos sabemos que o desenvolvimento com as bases que eles ocorrem hoje no Brasil, ele só vai destruir tudo e empobrecer a todos nós, mas nós sabemos também que ele tem uma capacidade de convencimento e uma capacidade de devorar, que nem os povos de contato recente conseguem resistir a tanto assédio, mesmo gente que experimentou durante milhares de anos viver com autonomia, fica pasmado diante de tanta facilidade, de tanta pressão e de tanta ilusão que esse modelo de desenvolvimento prega na cara de todo mundo.

O que eu sinto também, é pensar uma realidade tão distinta para as sociedades indígenas e a sociedade brasileira como um todo, seria também um equívoco muito grande. Eu não creio que exista um lugar para um projeto de sociedade, vivendo de uma maneira positiva, respeitando as diferenças culturais que nos marcam e protegendo os territórios como recursos naturais de interesse comum da sociedade, não só das sociedades indígenas, mas da sociedade brasileira como um todo. Trabalhar uma visão onde a reciprocidade, o respeito e o direito à diferença, sejam norteador da convivência, eu acho que ela é muito mais acertada pro futuro a partir de agora, do que trabalhar a idéia do isolamento, a idéia de assegurar modelos como do Parque Nacional do Xingu, ou modelos variantes destes.

Eu acredito que nós vamos precisar sem muito trauma das experiências passadas, superando os traumas das experiências passadas, nós vamos precisar descobrir contatos positivos das nossas sociedades tradicionais com a realidade contemporânea do nosso país. É o máximo de futurismo que eu consigo partilhar com vocês sobre este tempo que nós estamos vivendo e a expectativa que tenho com relação ao futuro não só pra minha tribo, minha família que está lá no Vale do Rio Doce, mas para as outras tribos e para as outras etnias que estão em diferentes regiões do país. Eu não creio que existe uma hipótese de desenvolvimento autônomo e autista, ele é o desenvolvimento das nossas humanidades e das nossas capacidades, interagindo, nos relacionando de maneira seletiva com o conjunto da sociedade brasileira. Este relacionamento seletivo obviamente ele passa por uma identificação daqueles setores da população que nós sentimos que são nossos aliados naturais. Os nossos aliados naturais são aquela parte da população que já fizeram a sua escolha pessoal ou comunitária, de viver de uma maneira mais respeitosa, respeitando a natureza e respeitando quem está em volta.

Agradeço a vocês por terem me escutado com tanta atenção e se tiver oportunidade de debater e responder a vocês questões que não ficaram suficientemente claro aqui nas minhas falas, eu fico contente, seria uma boa. Obrigado.

Fonte: http://www.opan.org.br/opan_textos30anos_seminarios.asp?codsem=01

Programa Taru Andé

domingo, 4 de fevereiro de 2007

Taru Andé

Quem é Ailton Krenak

Ailton Krenak nasceu no Vale do rio Doce, Minas Gerais, em 1954. Os Krenak registravam uma população de cinco mil pessoas no início do século XX, número que se reduziu a 600 na década de 1920 e a 130 indivíduos em 1989. Na época, Ailton pressagiou: "se continuar nesse passo, nós vamos entrar no ano 2000 com umas três pessoas". Felizmente isso não aconteceu. Contando com esforços também do próprio Ailton, os Krenak fecharam o século com 150 pessoas. Com 17 anos Ailton migrou com seus parentes para o estado do Paraná. Alfabetizou-se aos 18 anos, tornando-se a seguir produtor gráfico e jornalista.

Na década de 1980 passou a se dedicar exclusivamente à articulação do moviemnto indígena. Em 1987, no contexto das discussões da Assembléia Constituinte, Ailton Krenak foi autor de um gesto marcante, logo captado pela imprensa e que comoveu a opinião pública: pintou o rosto de preto com pasta de jenipapo enquanto discursava no plenário do Congresso Nacional, em sinal de luto pelo retrocesso na tramitação dos direitos indígenas.

Em 1988 participou da fundação da União das Nações Indígenas (UNI), fórum intertribal interessado em estabelecer uma representação do movimento indígena em nível nacional, participando em 1989 do movimento Aliança dos Povos da Floresta, que reúnia povos indígenas e seringueiros em torno da proposta da criação das reservas extrativistas, visando a proteção da floresta e da população nativa que nela vive.

Nos últimos anos, Ailton se recolheu de volta à Minas Gerais e mais perto do seu povo.

Atualmente, está no Núcleo de Cultura Indígena, ONG que realiza desde 1998 o Festival de Dança e Cultura Indígena, idealizado e mantido por Ailton Krenak, na Serra do Cipó (MG), evento que visa promover o intercâmbio entre as diferentes etnias indígenas e delas com os não-índios.