sábado, 26 de dezembro de 2009

Minas tem mais uma etnia indígena reconhecida pela Funai: os Aranã

O Assessor Especial para Assuntos Indígenas do Governo Minas, Aílton Krenak, comemorou o reconhecimento dos Aranã, ocorrido no último dia 5, como mais um testemunho de que Minas - como sempre destaca o governador Aécio Neves - continua na vanguarda das grandes decisões nacionais. A audiência final que pôs um fim a uma luta de quase um século dos remanescente dos Aranã aconteceu em Belo Horizonte, no Ministério Público Federal, quando o Estado ganhou sua oitava etnia indígena.

Nos últimos dez anos, além do crescimento das etnias reconhecidas, também se registrou o aumento populacional das nações indígenas no Estado. Ao contrário de outras regiões do País, onde os conflitos e o preconceito permanecem. “Em Minas vigora a harmonia e, bem ao estilo das tradições mineiras, representa a vitória da superação, da luta, da liberdade e igualdade”, destaca Aílton Krenak.

Em Minas, antes dos Aranã, sete grupos já eram reconhecidos pela Funai: Xakriabá, Maxakali, Krenak, Pataxós, Pankararu, Xukuru-kariri e o Kaxixó. Ao todo são oito mil índios no Estado.

Os Aranã vivem nos municípios de Coronel Murta e Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, em famílias. Foram décadas de persistente trabalho que envolveu estudos e pesquisas, inclusive na Itália, principalmente através do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes), com sede em Contagem, e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O próximo passo, agora, é a identificação das terras, entre Capelinha e Coronel Murta, invadidas num processo iniciado no século XIX.

“Os índios Aranã terão a partir de agora uma política pública com atenção especial para assistência à saúde e educação, o que não vinha ocorrendo”, declarou à imprensa, logo após a audiência, o procurador da República Adaílton Ramos do Nascimento.

Atenção do governo mineiro

As comunidades indígenas recebem o reconhecimento e cuidados específicos em Minas Gerais. O governador Aécio Neves criou assessoria especial para cuidar dos assuntos relacionados aos índios, nomeando um dos líderes nacionais na luta pelos direitos indígenas, Aílton Krenak, descendentes dos Krenak, de origem baiana, mas que sobreviveram no Vale do Rio Doce, Nordeste de Minas. Entre as suas atribuições, ações relacionadas à assistência à saúde, educação e saneamento nas comunidades indígenas.

Através do Instituto de Terras de Minas Gerais (Iter), o Governo de Minas, antes mesmo do reconhecimento da etnia, investiga imóveis na região em que vivem os Aranã. A partir do histórico dos terrenos foram ajuizadas ações que tramitam no judiciário, sob a responsabilidade da Procuradoria Geral do Estado. O objetivo é recuperar e devolver as terras aos legítimos proprietários, os índios. A idéia é tentar uma solução por adjudicação de áreas que estão sendo executadas pela Fazenda Pública Estadual, na Comarca de Araçuaí, Vale do Jequitinhonha.

Luta pelo reconhecimento

Acompanhada por 13 representantes da etnia, a líder da comunidade Indígena Aranã Pedro Sangê, Maria Rosa Índia fez, durante a audiência, emocionante relato sobre a luta dos índios para conseguir o reconhecimento. Ela informou que já foram identificados pouco mais de cem integrantes dos Aranã, mas acredita que mais de 150 estão vivendo em outras regiões do Estado. “Somos a única comunidade com o sobrenome de Índio e agora estamos confiantes que vamos conseguir recuperar as terras de onde fomos expulsos nas últimas décadas”, afirmou.

Da mesma origem - na história dos Botocudos - a saga dos Aranã também se assemelha à dos Krenak. Assim como estes foram confinados pelos missionários capuchinhos em 1873, no Aldeamento Central de Nossa Senhora da Conceição do Rio Doce, onde epidemias e a escravidão dizimaram a população. De acordo com a líder Maria Rosa Índia, seus ancestrais também foram entregues ou vendidos a fazendeiros pelos padres italianos. Daí a necessidade de pesquisa, também na Itália, no processo de reconhecimento da etnia. Alguns sobreviventes migraram para o Aldeamento de Itambucuri.

FONTE:http://www.agenciaminas.mg.gov.br/component/controlemultimidia/noticia?id=3814%3Aminas-tem-mais-uma-etnia-indigena-reconhecida-pela-funai-os-arana

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Diagnóstico mostra situação nutricional dos povos indígenas

Agência Minas -

Publicação: 01/12/2009 20:05
O Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais (Consea), em seminário realizado nesta terça-feira (1º) na Escola do Legislativo, em Belo Horizonte, apresentou o Diagnóstico Politransdimentasional sobre Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Indígenas de Minas Gerais, a ser encaminhado aos órgãos públicos de todos os níveis de governo (federal, estadual e municipais) afinados com a causa indígena.

Para o presidente do Consea-MG, dom Mauro Morelli, que abriu o encontro, essa pesquisa oferece “a base para o diálogo como forma de promover a alimentação adequada, saudável e solidária nas comunidades indígenas”. O assessor especial do governador para Assuntos Indígenas, Ailton Krenak, destacou a relevância da pesquisa e informou que, depois de analisado, o estudo será encaminhado aos órgãos que podem promover ações complementares no atendimento ao indígena.

Segundo Clenice Pankararu, que apresentou os resultados da pesquisa e as propostas delineadas referentes a “Território, Meio Ambiente e Hábitos Alimentares”, as atividades de campo foram feitas em 51 comunidades de todos os povos indígenas do Estado: Pataxó, em Itapecerica, Carmésia e Araçuaí; Xacriabá, em São João das Missões; Caxixó, em Martinho Campos; Krenak, em Resplendor; Maxacali, em Bertópolis, Santa Helena de Minas, Ladainha e Topázio; Aranã, em Araçuaí, Coronel Murta e Belo Horizonte; Pankararu, em Araçuaí; Xukuru-Kariri, em caldas; Mocuriñ, em Campanário; e Pataxó Hã Hã Hãe, em Bertópolis.

O cacique Mesaque Pataxó destacou, em sua apresentação, que o maior problema dos indígenas é a terra. “A natureza não é para nós, ela é parte de nós”, disse, “daí a necessidade de ações articuladas para a demarcação de terra e dos cuidados ambientais”, completou ele.

As Práticas Produtivas, Produção de Alimentos, Renda e Políticas Públicas foram tema da apresentação da segunda parte do seminário, também seguida de debates, com apresentação das propostas.

Fórum

Ficou decidida a criação de um fórum com os vários parceiros para encaminhamento do diagnóstico e das propostas reunidas no documento. A expectativa é de que esse fórum já se reúna na semana que vem, informou o secretário-executivo do Consea-MG, Edmar Gadelha.

O Diagnóstico Politransdimentasional considerou a diversidade dos povos e de seus sistemas culturais. O estudo faz parte das ações do Centro de Referência de Segurança Alimentar e Nutricional (Cresans), vinculado ao Consea-MG, e foi desenvolvido pelo Instituto Felix Guatarri, sob a coordenação e supervisão da antropóloga Myrtô Áurea de Lima Sucupira e da socióloga Rodica Weitzan, com a participação de lideranças indígenas para a articulação dos trabalhos e apoio logístico. Segundo Rodica Weitzan, “esse documento vivo priorizou as dimensões Território e Questões Ambientais, Acesso e Disponibilidade de Alimentos, Produção de Alimentos; Qualidade da Alimentação e os hábitos alimentares; e Políticas Públicas.

As várias ações do Governo de Minas desenvolvidas em benefício das populações indígenas no Estado são de caráter complementar, já que tais políticas são de competência do governo federal, conforme o Estatuto do Índio (Lei Federal 6001, de 19 de fevereiro de 1973). “A questão da terra é também de competência da União. Já a de reconhecimento de etnia é baseada na Convenção Internacional 169, informou Ailton Krenak.

Segundo Edmar Gadelha, a ideia de fazer esse diagnóstico da situação nutricional dos índios em Minas nasceu em Carmésia, no Vale do Aço, em julho do ano passado, durante o 1º Seminário de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Indígenas, promovido pelo Consea-MG.

Participaram do encontro desta terça-feira representantes do Conselho de Povos Indigenistas de Minas Gerais (Cimi), dos institutos Felix Guatarri e Dom Luciano Mendes de Promoção da Causa Indígena, lideranças indígenas e representantes da Secretaria de Estado de Saúde (SES), da Emater, da Delegacia da Funai em Belo Horizonte e do Consea, dentre outros.

A apresentação de ritual indígena encerrou o seminário.
Postado por Daniel Munduruku às Quarta-feira, Dezembro 02, 2009
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Escritor indígena com 35 livros publicados. Doutorando em Educação na USP. Diretor presidente do INBRAPI-Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual, Comendador da Ordem do Mérito Cultural da Presidência da República e Pesquisador do CNPq. Membro da Academia de Letras de Lorena.

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Crônicas e Opiniões
SOBRE TEMPO E TRABALHO
Artigo semanal do Daniel Munduruku

“Índio é preguiçoso”, reza a lenda popular calcada numa visão de trabalho tipificada pela revolução industrial que defendia a máxima “tempo é dinheiro”.
Embora seja óbvio o viés etnocêntrico – teoria que preconiza a superioridade de um povo sobre o outro se colocando como referência para tudo – o ocidente construiu um olhar sobre o trabalho colocando-o como o centro da vida, da realização e da dignidade da pessoa humana. E jogou por terra outros pensamentos, outras teorias, outras práticas que não levavam em consideração uma visão de tempo centrada na produção.
Por que, dizem, que o índio é preguiçoso – embora já tenha explicado que esse “índio” não exista – fazendo as pessoas criarem um estereótipo perigoso de povos tão diversos e distintos entre si?
Para o indígena existem dois tempos: o passado e o presente. O passado é memorial. Serve para nos lembrar quem somos, de onde viemos e para onde caminhamos. Um povo sem memória ancestral é um povo perdido no tempo e no espaço. Não sabe para onde caminha e por isso se preocupa tanto aonde vai chegar. O passado é a ordenação de nosso ser no mundo. É ele que nos obriga a sermos gratos, a cantar e dançar ao Espírito Criador. É ele que nos lembra o tempo todo que somos seres de passagem.
O outro tempo é o presente. Para estes povos o tempo que importa é o presente. Meu avô afirmava sempre: “se o momento atual não fosse bom, não se chamaria presente”. Os indígenas são, portanto, seres do presente. Só sabem viver o e no presente. “A cada dia basta sua preocupação”, disse um certo pajé chamado Jesus.
Viver o presente quer dizer que é preciso significar cada momento. Desde o acordar pela manhã até o momento do sonho tem que ser vivido com intensidade. Isso obriga o indígena a estar inteiro numa ação sem desviar-se dela. Uma caçada será frutífera a medida em que o caçador estiver envolvido nela, caso contrário não levará nada para casa.
Viver o presente é olhar para si a cada dia e saber a necessidade daquele momento para o bom andamento da comunidade e fazer o que for bom para ela e não para si. É dar mais atenção ao coletivo do que ao individual. E isso exige um esforço e treinamento do corpo e da mente tão intensos que torna o jovem indígena uma pessoa integral.
O mais importante, no entanto, do que quero dizer é que quem vive o presente não tem necessidade de planejar. Planejamento é a tentativa de congelar os acontecimentos que virão. É ter a ilusão de que se está prevendo o futuro. E o futuro é pura ilusão.
Quando, em tempos antigos, os portugueses tentaram escravizar os indígenas esses não aceitaram aquela imposição. Trabalhar, para o português colonizador, era acumular. Acumulação é uma das dimensões do futuro. Acumula-se, poupa-se, guarda-se com a intenção de utilizar depois, amanhã. Os indígenas não sabem o que é o amanhã. E fugiram da escravidão. Os portugueses inventaram, então, que eles eram preguiçosos demais para aquela função nobre. E assim ficou.
Tempo e trabalho não são sinônimos. Trabalho e dinheiro também não. Trabalho não dignifica se ele escraviza. Trabalho demais nos dá tempo de menos. E tempo de menos tira da gente a alegria do encontro com os pais, com os filhos, com os amigos. Só o presente é um presente. O futuro é uma promessa que pode nunca chegar. Os indígenas sabem disso. Por isso vivem o momento.
Daí depreende-se também muitas explicações sobre a essência do ser indígena. Quem tem sensibilidade saberá distinguir diferentes pensamentos presentes em nosso mundo e descobrirá que a diversidade nos torna ainda mais coloridos.
E queria dizer que é muito mais difícil viver o presente. Exige muito mais de cada um. O sonho – o futuro – nos desobriga a olhar para o lado e ver a necessidade diária do outro. O futuro nos torna egoístas e mesquinhos. Só o presente nos compromete.
Pense nisso.



TATUAPÉ – O CAMINHO DO TATU
Uma das mais intrigantes invenções humanas é o metrô. Não digo que seja intrigante para o homem comum, acostumado com os avanços tecnológicos. Penso no homem da floresta, acostumado com o silêncio da mata, com o canto dos pássaros ou com a paciência constante do rio que segue seu fluxo rumo ao mar. Penso nos povos da floresta.
Os índios sempre ficam encantados com a agilidade do grande tatu metálico. Lembro de mim mesmo quando cheguei a São Paulo. Ficava muito tempo atrás desse tatu, apenas para observar o caminho que ele fazia.
O tatu da floresta tem uma característica muito interessante: ele corre para sua toca quando se vê acuado pelos seus predadores. É uma forma de escapar ao ataque deles. Mas isso é o instinto de sobrevivência. Quem vive na mata sabe bem lá dentro de si, que não se pode permitir andar desatento, pois corre um sério perigo de não ter amanhã.
O tatu metálico da cidade não tem este medo. É ele que faz o seu caminho, mostra a direção, rasga os trilhos como quem desbrava. É ele que segue levando pessoas para os seus destinos. Alguns sofrem com a sua chegada, outros sofrem com sua partida.
Voltei a pensar no tatu da floresta, que desconhece o próprio destino, mas sabe aonde quer chegar. Pensei também no tempo de antigamente, quando o Tatuapé era um lugar de caça ao tatu. Índios caçadores entravam em sua mata apenas para saber onde estavam as pegadas do animal. Depois eles ficavam à espreita daquele parente, aguardando pacientemente sua manifestação. Nessa hora – quando o tatu saía da toca – eles o pegavam e faziam um suculento assado que iria alimentar os famintos caçadores.
Voltei a pensar no tatu da cidade, que não pode servir de alimento, mas é usando como transporte para a maioria das pessoas poder encontrar seu próprio alimento. Andando no metrô que seguia rumo ao Tatuapé, fiquei mirando os prédios que ele cortava como se fossem árvores gigantes de concreto. Naquele itinerário eu ia buscando algum resquício das antigas civilizações que habitaram aquele vale. Encontrei apenas urubus que sobrevoavam o trem que, por sua vez, cortava o coração da Mãe Terra como uma lâmina afiada. Vi pombos e pombas voando livremente entre as estações. Vi um gavião que voava indiferente por entre os prédios. Não vi nenhum tatu e isso me fez sentir saudades de um tempo em que a natureza imperava nesse pedaço de São Paulo habitado por índios Puris. Senti saudade de um ontem impossível de se tornar hoje novamente.
Pensando nisso deixei o trem me levar entre Itaquera e o Anhangabaú. Precisava levar minha alma ao principio de tudo.
(Texto extraído de Crônicas de São Paulo – um olhar indígena. Callis Editora. SP, 2004)

Daniel Munduruku e Beth Serra - Presidente da FNLIJ
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10 – São Paulo
Mesa redonda na Primavera do Livro.
11 – São Paulo
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12 -13 – Lorena
15-18 – São Paulo
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Mesa redonda



Munduruku em ação
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Karú Tarú - O pequeno Pajé
Feira do Livro de Bento Gonçalves

Daniel Munduruku e Maurício de Souza
Notícias de viagens e eventos
Neste espaço você encontrará pequenos relatos das viagens e eventos que irei participar por este mundão afora.
Direto de Cuba

Estive em Cuba no final de outubro. Foi uma experiência muito gratificante conhecer a Ilha que alimentou toda uma geração. Sei que muitas pessoas de minha idade – pra lá dos 40 – foram seduzidas pelas idéias do socialismo revolucionário que prometia mudar o mundo para melhor. Pensávamos num mundo sem fome, sem pobreza, sem classes sociais, sem desigualdades sociais. Era um mundo que seria partilhado com todos e todos seriam muito melhores porque não teriam que pagar para viver ou morrer.
Muitos de nós ainda alimentamos esse sonho apesar do que vemos acontecer nos meandros da política nacional e local. Talvez seja isso que nos mantenha vivo!
O que vi em Cuba foi algo extraordinário. Não digo isso apenas por ser um sonhador, mas por saber que é um povo que resiste. E toda resistência exige criatividade. E o povo é sempre muito criativo. Cuba tem um povo assim. Sei que alguém irá dizer que não vale o sacrifício por conta da falta de liberdade. Concordo. Nada pode ser mais gratificante que a liberdade! Mas há que se considerar o fato de que a liberdade é, também, uma conquista do espírito. Liberdade sem ritualizacão também escraviza.
Vi um povo resistente e empobrecido. Vi carros que circulam como se estivessem num filme da década de 1950. Para o tempo de hoje parecem ultrapassado. Me disseram que preferem pensar que um carro antigo é algo mais permanente por não fazerem parte de uma sociedade de consumo exagerado. Acho que têm certa razão.
Vi também que o acesso aos bens é precário e as pessoas abordam os turistas – que não são poucos – para lhes pedir coisas simples como sabonete, creme, roupas ou calçados. O que ganham não dá para comprar tudo. São pessoas que vivem com o mínimo e sentem falta de algo mais. Acho que mereciam.
O sistema econômico cubano está falido. O político é o que sabemos que é. Ideologicamente o povo ainda parece crer na revolução e não se sentem desejosos de mudar abruptamente. Querem mudanças, claro. Mas que sejam graduais e ofereçam maiores condições de acesso. De certa maneira estas mudanças já estão acontecendo. Há toda uma reestruturação arquitetônica dando forma a um país cheio de belezas naturais. Turistas chegam aos montes e ali deixam significativas quantias em dólares e euros. A tendência, penso, é continuar.
O socialismo está ruindo enquanto o capitalismo arruína nossas ideologias. Precisamos de um caminho do meio que será a garantia de sobrevivência àqueles que sonham diferente. Tenho dito.
Daniel Munduruku e Ariano Suassuna
Daniel Munduruku e Ariano Suassuna
Direto de Bogotá

Estive em Bogotá de 06 a 11 de outubro. Fui participar de um Simpósio de Literatura. Ali pude discorrer sobre o movimento literário que acontece por todo o Brasil protagonizado por autores indígenas. Minha fala está registrada neste blog.
A cidade de Bogotá me impressionou. Tinha ouvido falar da violência que por ali acontece devido o tráfico de drogas. Realmente há um grande comércio que acaba acontecendo nas ruas, mas de uma forma muito discreta. O que vi foi uma cidade muito bem organizada, limpa, movimentada. Vi imensos parques que foram construídos ao longo dos últimos 10 anos para oferecer melhores condições de vida à população. Foi impressionante ver a quantidade de gente perambulando por estes parques!
O que me deixou extremamente maravilhado foi a rede de bibliotecas que funcionam dentro destes parques. No total são 19 bibliotecas sendo que quatro delas são verdadeiros colossos de arquitetura e freqüência. Visitei duas das grandes. O resultado disso foi a diminuição espantosa da criminalidade. A comunidade toda participa e se sente dona dos prédios que são muito bem cuidados.
Todos os serviços são gratuitos e a população tem acesso a todos eles. Quase nunca fecham e algumas funcionam 24 horas por dia, todos os dias da semana, durante o ano todo. Quem precisa de biblioteca ali está uma pronta a acolher. Isso é espantoso. Não precisa dizer que o serviço é perfeito!
Confesso que fiquei com inveja. Queria ver em Lorena a biblioteca pública ficar aberta a noite para acolher as pessoas que não podem freqüentá-la durante o dia. Também queria ver uma biblioteca funcionando em cada bairro da cidade, sem burocracia. Queria muito ver uma biblioteca na Praça Principal onde as pessoas pudessem ser integradas ao passeio público.
O segredo de Bogotá: a administração é particular. A iniciativa privada banca financeiramente o cuidado com o acervo. Em Lorena a iniciativa privada nada faz e a administração municipal está de costas para a necessidade de preparar nosso povo para o futuro.
Ao chegar aqui o que ouço? Venda de peça de caminhões por funcionário da prefeitura; desvio de dinheiro público por funcionária; compra de ex-vereadores para mudar de legenda com cheques da prefeitura; reclamações diversas sobre a atuação de vereadores e prefeito; um folder enganoso convidando as pessoas a conhecerem uma Lorena que os moradores desconhecem; um centro de informações turísticas que nunca é inaugurado e uma cruz fincada na entrada da cidade como a me lembrar que “Deus nos acude”.


Entrevistas de Daniel Munduruku

A influência da TV no universo indígena
Daniel Munduruku - Rio Mídia - por Marcus Tavares 02.05.2007

Autor de mais de 30 livros que abordam a temática indígena, Daniel Munduruku é o diretor-presidente do Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (Inbrapi), ONG voltada para a proteção dos conhecimentos tradicionais das aldeias. Em entrevista ao RIO MÍDIA, Daniel analisou de que forma a mídia impacta a realidade dos índios brasileiros. Segundo ele, a televisão está presente em muitas comunidades, trazendo novos padrões de comportamento e influenciando os modos de ser e de viver.

De que forma a mídia pode contribuir para a promoção da cultura do povo indígena?
Daniel Munduruku - Penso que a mídia, tal como se apresenta nos dias de hoje, pode contribuir muito na criação de uma consciência social de respeito à diversidade, sem homogeneizar as diferentes tradições, sem tratar os povos como se fossem únicos e iguais. Somos cerca de 230 povos indígenas que falam mais de 180 línguas. Essa riqueza e diversidade precisam ser mostradas na sua originalidade. Do contrário, a mídia continuará tratando os índios de uma forma, talvez, desonesta, sem dar aos povos o verdadeiro papel que eles têm. Reduzir a cultura indígena a uma só cultura é uma redução perigosa que compromete nosso passado, presente e futuro. Acho que todo tipo de mídia tem um dever cívico de promover as diversas culturas. Os povos indígenas têm muito a ensinar, mas estão sendo esquecidos e mal compreendidos nos lugares onde vivem.
De que forma a mídia vem influenciando a cultura e o cotidiano dos índios?
Daniel Munduruku - A influencia da TV é tão forte na aldeia quanto na casa de qualquer outro cidadão. Nas tribos, os padrões de comportamento veiculados pela TV afetam, muitas vezes, o modelo de ser dos índios, principalmente dos jovens que acabam questionando suas tradições e identidades. A mídia traz desejos e anseios que, na prática, não fazem parte do nosso cotidiano. Ela traz também o barulho da cidade. Quem vive da tradição oral, quem tem na tradição oral sua base, a base de sua vida e cultura, convive muito com o silêncio. A TV traz, portanto, uma outra linguagem, mais rápida e ágil, cheia de luzes, vozes e falas. Isso cria um outro barulho que, aos poucos, repercute no silêncio das aldeias, enfraquecendo as tradições.
De que forma as crianças e os jovens assimilam estas informações?
Daniel Munduruku - As crianças e os jovens indígenas têm muita dificuldade de entender este mundo. Muitos jovens se perguntam: devemos ficar na aldeia ou devemos viver na cidade? Os padrões de comportamento que chegam até eles, via televisão, rádio e internet, geram conflitos internos, questionamentos e incertezas. Por sua vez, as crianças não querem mais sentar em torno da fogueira para ouvir nossas histórias. Elas preferem o brilho, a fogueira da televisão. Elegeram a TV como a nova contadora de histórias. Isto faz com que os velhos percam o papel de narradores da tradição indígena, jogando por terra toda a identidade que vem sendo constituída ao longo de, pelo menos, 10 mil anos.
Neste sentido, o que está sendo feito para interromper este processo?
Daniel Munduruku – Acredito que seja necessário preparar os índios para trabalhar com a linguagem da mídia. Isto já vem sendo feito. Jovens indígenas estão trabalhando como operadores da mídia. Atualmente, existem rádios e emissoras de TV indígenas, como a do Parque Nacional do Xingu. Há também um trabalho muito interessante sendo realizado por uma ONG (Vídeo nas Aldeias) que capacita nossos povos no uso dos equipamentos midiáticos. São tecnologias que não conhecemos, mas que precisamos dominar. É preciso tomar posse dessa tecnologia, produzindo coisas que sejam interessantes para a nossa cultura, a partir do nosso ponto de vista. Os jovens produtores estão tentando criar uma linguagem própria da nossa gente para que toda a sociedade tenha uma visão real sobre quem somos. Por meio da mídia, podemos promover um encontro de culturas. A narrativa indígena é importantíssima para a sociedade brasileira, assim como a narrativa da sociedade brasileira, da qual também fazemos parte, é importante para os povos indígenas se enxergarem dentro do contexto nacional. Os indígenas querem interagir, mas querem que a sociedade diga que eles são bem-vindos. As duas narrativas são ricas e belas. Todos têm a ganhar.

FONTE: http://danielmunduruku.blogspot.com/2009/12/diagnostico-mostra-situacao-nutricional.html

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

"O ETERNO RETORNO DO ENCONTRO"

Como link não está funcionando, transcrevo o artigo do blog: http://itaquatiara.blogspot.com/2007/10/ailton-krenako-eterno-retorno-do.html


"Esta é uma boa oportunidade para reportar algumas das narrativas antigas de muitas das nossas tradições, das diferentes tribos que vivem hoje nesta região da América que identificamos como o Brasil mas que, naturalmente, bem antes de identificarmos como essa região geográfica do Brasil, já vinha fazendo história. Os registros dessa memória, dessa história, estão tomados de falas, de narrativas em aproximadamente 500 línguas diferentes, só daqui da América do Sul.

Essas narrativas são narrativas que datam dos séculos XVII, XVIII, na língua de alguns povos que nem existem mais. Desde o século XVIII, já eram escritas em alemão, inglês, e distribuídas na Europa, narrativas muito importantes falando da criação do mundo, falando dos eventos que deram origem aos sítios sagrados, onde cada um dos nossos povos antigos viveu na Antiguidade e continua vivendo ainda hoje. Fico admirado de reconhecermos que em mais de 500 línguas e durante aproximadamente 300 a 400 anos são divulgados textos, como o texto muito importante que tem o título de XilãBalã. O XilãBalã é um texto sagrado, que tem tanta importância para os Maya quanto os textos sagrados da cultura do Ocidente, como a Bíblia ou o Alcorão. São textos que fundam a tradição e a memória - útero da cultura que cada uma dessas antigas tradições tem do ser social, da história, do mundo, da realidade circundante, e a minha admiração é que esses textos maravilhosos já tenham sido divulgados há tanto tempo, e mesmo assim a maioria das pessoas continue ignorando essas fontes de nossa história antiga.

Como essa história do contato entre os brancos e os povos antigos daqui desta parte do planeta tem se dado? Como temos nos relacionado ao longo desses quase 500 anos? É diferente para cada uma das nossas tribos o tempo e a própria noção desse contato? Em cada uma dessas narrativas antigas já havia profecias sobre a vinda, a chegada dos brancos. Assim, algumas dessas narrativas, que datam de dois, três, quatro mil anos atrás, já falavam da vinda desse outro nosso irmão, sempre identificando ele como alguém que saiu do nosso convívio e nós não sabíamos mais onde estava. Ele foi para muito longe e ficou vivendo por muitas e muitas gerações longe da gente. Ele aprendeu outra tecnologia, desenvolveu outras linguagens e aprendeu a se organizar de maneira diferente de nós. E nas narrativas antigas ele aparecia de novo como um sujeito que estava voltando para casa, mas não se sabia mais o que ele pensava, nem o que ele estava buscando. E apesar de ele ser sempre anunciado como nosso visitante, que estaria voltando para casa, estaria vindo de novo, não sabíamos mais exatamente o que ele estava querendo. E isso ficou presente em todas essas narrativas, sempre nos lembrando a profecia ou a ameaça da vinda dos brancos como, ao mesmo tempo, a promessa de ligar, de reencontrar esse nosso irmão antigo.

Tanto nos textos mais antigos, nas narrativas que foram registradas, como na fala de hoje dos nossos parentes na aldeia, sempre quando os velhos vão falar eles começam as narrativas deles nos lembrando, seja na língua do meu povo, onde nós vamos chamar o branco de Kraí, ou na língua dos nossos outros parentes, como os Yanomami, que chamam os brancos de Nape. E tanto os Kraí como os Nape sempre aparecem nas nossas narrativas marcando um lugar de oposição constante no mundo inteiro, não só aqui neste lugar da América, mas no mundo inteiro, mostrando a diferença e apontando aspectos fundadores da identidade própria de cada uma das nossas tradições, das nossas culturas, nos mostrando a necessidade de cada um de nós reconhecer a diferença que existe, diferença original, de que cada povo, cada tradição e cada cultura é portadora, é herdeira. Só quando conseguirmos reconhecer essa diferença não como defeito, nem como oposição, mas como diferença da natureza própria de cada cultura e de cada povo, só assim poderemos avançar um pouco o nosso reconhecimento do outro e estabelecer uma convivência mais verdadeira entre nós.

Os fatos e a história recentes dos últimos 500 anos têm indicado que o tempo desse encontro entre as nossas culturas é um tempo que acontece e se repete todo dia. Não houve um encontro entre as culturas dos povos do Ocidente e a cultura do continente americano numa data e num tempo demarcado que pudéssemos chamar de 1500 ou de 1800. Estamos convivendo com esse contato desde sempre. Se pensarmos que há 500 anos algumas canoas aportaram aqui na nossa praia, chegando com os primeiros viajantes, com os primeiros colonizadores, esses mesmos viajantes, eles estão chegando hoje às cabeceiras dos altos rios lá na Amazônia. De vez em quando a televisão ou o jornal mostram uma frente de expedição entrando em contato com um povo que ninguém conhece, como recentemente fizeram sobrevoando de helicóptero a aldeia dos Jamináwa, um povo que vive na cabeceira do rio Jordão, lá na fronteira com o Peru, no estado do Acre. Os Jamináwa não foram ainda abordados, continuam perambulando pelas florestas do alto rio Juruá, nos lugares aonde os brancos estão chegando somente agora! Poderíamos afirmar, então, que para os Jamináwa 1500 ainda não aconteceu. Se eles conseguirem atravessar aquelas fronteiras, subirem a serra do divisor e virarem do lado de lá do Peru, o 1500 pode acontecer só lá pelo 2010. Então eu queria partilhar com vocês essa noção de que o contato entre as nossas culturas diferentes se dá todo dia. No amplo evento da história do Brasil o contato entre a cultura ocidental e as diferentes culturas das nossas tribos acontece todo ano, acontece todo dia, e em alguns casos se repete, com gente que encontrou os brancos, aqui no litoral, 200 anos atrás, foram para dentro do Brasil, se refugiaram e só encontraram os brancos de novo agora, nas décadas de 30, 40, 50 ou mesmo na década de 90. Essa grande movimentação no tempo e também na geografia de nosso território e de nosso povo expressa uma maneira própria das nossas tribos de estar aqui neste lugar.


Territórios Tradicionais
O território tradicional do meu povo vai do litoral do Espírito Santo até entrar nas serras mineiras, entre o vale do rio Doce e o São Mateus.
Mesmo que hoje só tenhamos uma reserva pequena no médio rio Doce, quando penso no território do meu povo, não penso naquela reserva de quatro mil hectares, mas num território onde a nossa história, os contos e as narrativas do meu povo vão acendendo luzes nas montanhas, nos vales, nomeando os lugares e identificando na nossa herança ancestral o fundamento da nossa tradição. Esse fundamento da tradição, assim como o tempo do contato, não é um mandamento ou uma lei que a gente segue, nos reportando ao passado, ele é vivo como é viva a cultura, ele é vivo como é dinâmica e viva qualquer sociedade humana. É isso que nos dá a possibilidade de sermos contemporâneos, uns dos outros, quando algumas das nossas famílias ainda acendem o fogo friccionando uma varinha no terreiro da casa ou dentro de casa, ou um caçador, se deslocando na floresta e fazendo o seu fogo assim - auto-sustentável.

Essa simultaneidade que temos tido a oportunidade de viver é uma riqueza muito especial e um dos maiores tesouros que temos. O professor Darcy Ribeiro costumava dizer que a maior herança que o Brasil recebeu dos índios não foi propriamente o território, mas a experiência de viver em sociedade, a nossa engenharia social. A capacidade de viver junto sem se matar, reconhecendo a territorialidade um do outro como elemento fundador também da sua identidade, da sua cultura e do seu sentido de humanidade. Esse entendimento de que somos povos que temos esse patrimônio e essa riqueza tem sido o principal motivo e a principal razão de eu me dedicar cada vez mais a conhecer a minha cultura, conhecer a tradição do meu povo e reconhecer também, na diversidade das nossas culturas, o que ilumina a cada época o nosso horizonte e a nossa capacidade como sociedades humanas de ir melhorando, pois se tem uma coisa que todo mundo quer é melhorar. Os índios, os brancos, os negros e todas as cores de gente e culturas no mundo anseiam por melhorar.


O contato anunciado
Na história do povo Tikuna, que vive no rio Solimões, na fronteira com a Colômbia, temos dois irmãos gêmeos, que são os heróis fundadores desta tradição, que estavam lá na Antiguidade, na fundação do mundo, quando ainda estavam sendo criadas as montanhas, os rios, a floresta, que nós aproveitamos até hoje... Quando esses dois irmãos da tradição do povo Tikuna, que se chamam Hi-pí - o mais velho ou o que saiu primeiro e Jo-í - seu companheiro de aventuras na criação do mundo tikuna, quando eles ainda estavam andando na terra e criando os lugares, eles iam andando juntos, e quando o Jo-í tinha uma idéia e expressava essa idéia, as coisas iam se fazendo, surgindo da sua vontade. O irmão mais velho dele vigiava, para ele não ter idéias muito perigosas, e quando percebia que ele estava tendo alguma idéia esquisita, falava com ele para não pronunciar, não contar o que estava pensando, porque ele tinha o poder de fazer acontecer as coisas que pensava e pronunciava. Então, Jo-í subiu num pé de açaí e ficou lá em cima da palmeira, bem alto, e olhou longe, quanto mais longe ele podia olhar, e o irmão dele viu que ele ia dizer alguma coisa perigosa, então Hi-pí falou: "Olha, lá muito longe está vindo um povo, são os brancos, eles estão vindo para cá e estão vindo para acabar com a gente". O irmão dele ficou apavorado porque ele falou isso e disse: "Olha, você não podia ter falado isso, agora que você falou isso você acabou de criar os brancos, eles vão existir, pode demorar muito tempo, mas eles vão chegar aqui na nossa praia". E, depois que ele já tinha anunciado, não tinha como desfazer essa profecia. Assim as narrativas antigas, de mais de quinhentas falas ou idiomas diferentes, só aqui nessa região da América do Sul, onde está o Brasil, Peru, Bolívia, Equador, Venezuela, nos lembram que os nossos antigos já sabiam desse contato anunciado.

Os Tikuna têm suas aldeias parte no Brasil e outra na vizinha Colômbia. Os Guarani partilham o território dessas fronteiras do sul entre Paraguai, Argentina, Bolívia. Em todos esses lugares, áreas de colônia espanhola, áreas de colônia portuguesa, inglesas, os nossos parentes sempre reconheceram na chegada do branco o retorno de um irmão que foi embora há muito tempo, e que indo embora se retirou também no sentido de humanidade, que nós estávamos construindo. Ele é um sujeito que aprendeu muita coisa longe de casa, esqueceu muitas vezes de onde ele é, e tem dificuldade de saber para onde está indo.

Por isso que os nossos velhos dizem: "Você não pode se esquecer de onde você é e nem de onde você veio, porque assim você sabe quem você é e para onde você vai". Isso não é importante só para a pessoa do indivíduo, é importante para o coletivo, é importante para uma comunidade humana saber quem ela é, saber para onde ela está indo. Depois os brancos chegaram aqui em grandes quantidades, eles trouxeram também junto com eles outros povos, daí vêm os pretos, por exemplo. Os brancos vieram para cá porque queriam, os pretos eles trouxeram na marra. Talvez só agora, no século XX, é que alguns pretos tenham vindo da América para cá ou da África para cá por livre e espontânea vontade. Mas foi um movimento imenso. Imagine o movimento fantástico que aconteceu nos últimos três, quatro séculos, trazendo milhares e milhares de pessoas de outras culturas para cá. Então meu povo Krenak, assim como nossos outros parentes das outras nações, nós temos recebido a cada ano esses povos que vêm para cá, vendo eles chegarem no nosso terreiro. Nós vimos chegar os pretos, os brancos, os árabes, os italianos, os japoneses. Nós vimos chegar todos esses povos e todas essas culturas. Somos testemunhas da chegada dos outros aqui, os que vêm com antigüidade, e mesmo os cientistas e os pesquisadores brancos admitem que sejam de seis mil, oito mil anos. Nós não podemos ficar olhando essa história do contato como se fosse um evento português. O encontro com as nossas culturas, ele transcende a essa cronologia do descobrimento da América, ou das circunavegações, é muito mais antigo. Reconhecer isso nos enriquece muito mais e nos dá a oportunidade de ir afinando, apurando o reconhecimento entre essas diferentes culturas e "formas de ver e estar no mundo" que deram fundação a esta nação brasileira, que não pode ser um acampamento, deve ser uma nação que reconhece a diversidade cultural, que reconhece 206 línguas que ainda são faladas aqui, além do português. Então parabéns, vocês vêm de um lugar onde tem gente falando duzentos e tantos idiomas, inclusive na língua borum, que é a fala do meu povo, é uma riqueza nós chegarmos ao final do século XX ainda podendo tocar, compartir um elemento fundador da nossa cultura e reconhecer como riqueza, como patrimônio. O encontro e o contato entre as nossas culturas e os nossos povos, ele nem começou ainda e às vezes parece que ele já terminou.

Quando a data de 1500 é vista como marco, as pessoas podem achar que deviam demarcar esse tempo e comemorar ou debaterem de uma maneira demarcada de tempo o evento de nossos encontros. Os nossos encontros, eles ocorrem todos os dias e vão continuar acontecendo, eu tenho certeza, até o terceiro milênio, e quem sabe além desse horizonte. Nós estamos tendo a oportunidade de reconhecer isso, de reconhecer que existe um roteiro de um encontro que se dá sempre, nos dá sempre a oportunidade de reconhecer o Outro, de reconhecer na diversidade e na riqueza da cultura de cada um de nossos povos o verdadeiro patrimônio que nós temos, depois vêm os outros recursos, o território, as florestas, os rios, as riquezas naturais, as nossas tecnologias e a nossa capacidade de articular desenvolvimento, respeito pela natureza e principalmente educação para a liberdade.

Hoje nós temos a vantagem de tantos estudos antropológicos sobre cada uma das nossas tribos, esquadrinhadas por centenas de antropólogos que estudam desde as cerimônias de adoção de nome até sistemas de parentesco, educação, arquitetura, conhecimento sobre botânica. Esses estudos deveriam nos ajudar a entender melhor a diversidade, conhecer um pouco mais dessa diversidade e tomar mais possível esse contato. Me parece que esse contato verdadeiro, ele exige alguma coisa além da vontade pessoal, exige mesmo um esforço da cultura, que é um esforço de ampliação e de iluminação de ambientes da nossa cultura comum que ainda ocultam a importância que o Outro tem, que ainda ocultam a importância dos antigos moradores daqui, os donos naturais deste território. A maneira que essa gente antiga viveu aqui foi deslocada no tempo e também no espaço, para ceder lugar a essa idéia de civilização e essa idéia do Brasil como um projeto, como alguém planeja Brasília lá no Centro-Oeste, vai e faz.

Essa capacidade de projetar e de construir uma interferência na natureza, ela é uma maravilhosa novidade que o Ocidente trouxe para cá, mas ela desloca a natureza e quem vive em harmonia com a natureza para um outro lugar, que é fora do Brasil, que é na periferia do Brasil.

Uma outra margem, é uma outra margem do Ocidente mesmo, é uma outra margem onde cabe a idéia do Ocidente, cabe a idéia de progresso, cabe a idéia de desenvolvimento. A idéia mais comum que existe é que o desenvolvimento e o progresso chegaram naquelas canoas que aportaram no litoral e que aqui estava a natureza e a selva, e naturalmente os selvagens. Essa idéia continua sendo a idéia que inspira todo o relacionamento do Brasil com as sociedades tradicionais daqui, continua; então, mais do que um esforço pessoal de contato com o Outro, nós precisamos influenciar de maneira decisiva a política pública do Estado brasileiro.

Esses gestos de aproximação e de reconhecimento, eles podem se expressar também numa abertura efetiva e maior dos lugares na mídia, nas universidades, nos centros de estudo, nos investimentos e também no acesso das nossas famílias e do nosso povo àquilo que é bom e àquilo que é considerado conquista da cultura brasileira, da cultura nacional. Se continuarmos sendo vistos como os que estão para serem descobertos e virmos também as cidades e os grandes centros e as tecnologias que são desenvolvidas somente como alguma coisa que nos ameaça e que nos exclui, o encontro continua sendo protelado. Tem um esforço comum que nós podemos fazer que é o de difundir mais essa visão de que tem importância sim a nossa história, que tem importância sim esse nosso encontro, e o que cada um desses povos traz de herança, de riqueza na sua tradição, tem importância, sim. Quase não existe literatura indígena publicada no Brasil. Até parece que a única língua no Brasil é o português e aquela escrita que existe é a escrita feita pelos brancos. É muito importante garantir o lugar da diversidade, e isso significa assegurar que mesmo uma pequena tribo ou uma pequena aldeia guarani, que está aqui, perto de vocês, no Rio de Janeiro, na serra do Mar, tenha a mesma oportunidade de ocupar esses espaços culturais, fazendo exposição da sua arte, mostrando sua criação e pensamento, mesmo que essa arte, essa criação e esse pensamento não coincidam com a sua idéia de obra de arte contemporânea, de obra de arte acabada, diante da sua visão estética, porque senão você vai achar bonito só o que você faz ou o que você enxerga. Nosso encontro - ele pode começar agora, pode começar daqui a um ano, daqui a dez anos, e ele ocorre todo o tempo. Pierre Clastres, depois de conviver um pouco com os nossos parentes Nhandevá e M'biá, concluiu que somos sociedades que naturalmente nos organizamos de uma maneira contra o Estado; não tem nenhuma ideologia nisso, somos contra naturalmente, assim como o vento vai fazendo o caminho dele, assim como a água do rio faz o seu caminho, nós naturalmente fazemos um caminho que não afirma essas instituições como fundamentais para a nossa saúde, educação e felicidade.

Desde os primeiros administradores da Colônia que chegaram aqui, a única coisa que esse poder do Estado fez foi demarcar sesmarias, entregar glebas para senhores feudais, capitães, implantar pátios e colégios como este daqui de São Paulo, fortes como aquele lá de ltanhaém. Nossa esperança é que o desenvolvimento das nossas relações ainda possa nos ajudar a ir criando formas de representação, formas de cooperação, formas de gerenciamento das relações entre nossas sociedades, onde essas instituições se tornem mais educadas, é uma questão de educação. Se o progresso não é partilhado por todo mundo, se o desenvolvimento não enriqueceu e não propiciou o acesso à qualidade de vida e ao bem-estar para todo mundo, então que progresso é esse? Parece que nós tínhamos muito mais progresso e muito mais desenvolvimento quando a gente podia beber na água de todos os rios daqui, que podíamos respirar todos os ares daqui e que, como diz o Caetano, alguém que estava lá na praia podia estender a mão e pegar um caju.

Tem uma música do Caetano, tem uma poesia dele que fala disso, o nativo levanta o braço e pega um caju. As pessoas estão preferindo em nome do progresso instalar aquelas casas com aquelas placas luminosas e distribuir Coca-Cola na praia.


À margem do Oriente
No norte do Japão tem uma lha que se chama Hokaido, lá vive o povo Ainu, tem um porto nessa ilha que se chama Nibutani, é uma palavra ainda que dá nome para esse lugar, assim como aquela montanha bonita lá em Tóquio, no Japão, o monte Fuji, também reporta a uma história muito antiga do povo Ainu, uma história muito bonita, de uma mãe que ficou sentada esperando o filho que foi para a guerra e que não retornava, passou o inverno, passaram as estações do ano e ela ficou cantando, esperando o filho voltar e o filho demorava demais, então ela chorava de saudade do filho; as lágrimas dela foram formando aquela montanha e o lago, e toda aquela paisagem linda é dessa mãe que ficou com saudade do filho que saiu para a guerra e que não voltou, então ficou chorando por ele. Os Ainu estão lá em Hokaido há mais ou menos uns oitocentos anos, talvez mais um pouco, porque eles foram tendo que subir lá para cima, que é o lugar mais gelado, liberando aqueles territórios cá de baixo para a formação desses povos que vieram subindo. O Japão agora no final do século XX é uma das nações mais tecnológicas, digamos assim, do mundo, mas eles não puderam negar a existência dos Ainu, eles negaram isso até agora. Na década de 70 alguns Ainu conseguiram chegar à comissão da ONU que trata desses assuntos e apresentaram uma questão para o governo do Japão: querem reconhecimento e respeito pela sua identidade e cultura. Quinhentos anos não é nada."

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Povos da floresta aprovam anistia a multas ambientais de pequenos agricultores

A Rede Povos da Floresta e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) se posicionaram a favor de um Projeto de Lei (PL)
Fabíola Munhoz - 2009-11-16 - 10:57:00 -

A Rede Povos da Floresta e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) se posicionaram a favor de um Projeto de Lei (PL) apresentado ao Congresso Nacional pela deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), que defende a anistia de todas as multas ambientais aplicadas aos povos da floresta - ribeirinhos, seringueiros, pescadores e pequenos produtores.

Ailton Krenak, representante da Rede Povos da Floresta, diz esperar que o projeto da deputada Perpétua seja votado e isente a agricultura familiar de ser punida por infração do Código Ambiental. Ele explica que cabe ao Ministério do Desenvolvimento Social fornecer assistência técnica e apoio para que a agricultura familiar se torne sustentável.

"Você não pode tratar todos que estão no campo com a mesma norma. Temos que apoiar o encaminhamento e a votação desse PL", afirmou. De acordo com Krenak, muitas das multas impostas a pequenos agricultores da Amazônia não dizem respeito ao uso da terra para o cultivo agrícola, mas sim, a práticas de pesca e caça para subsistência, que são vistos como crimes ambientais.

Dirceu Fumagalli, da coordenação nacional da CPT, diz que a justificativa da deputada para o projeto é referendado pela comissão. "O tratamento é aparentemente justo, mas, na verdade, é desproporcional. Os pequenos agricultores foram empurrados para pequenas áreas e há falhas na legislação ambiental atual, que é homogênea e não percebe as peculiaridades dos povos tradicionais e pequenos produtores", afirmou.

A deputada Perpétua justifica sua proposta pelo fato de existirem multas cujo valor ultrapassa mais de duas vezes o preço da propriedade sobre a qual elas incidem, inviabilizando o desenvolvimento da família que produz no local, e fazendo com que o agricultor venda sua terra por baixo custo aos empresários do agronegócio.

"Numa área onde o acesso à tecnologia não existe, onde a vida e a sobrevivência têm que ser conquistadas diariamente, os pequenos produtores estavam sendo multados porque desmataram um pedaço de terra para fazer um roçado, plantar o que comer ou tirar madeira para consertar a casa que já estava quase caindo", afirmou.

A deputada diz que chegou a debater com os órgãos ambientais a possibilidade de se criarem mecanismos para remediar essa situação, mas infelizmente alguns não se mostraram abertos ao diálogo, tornando necessária a criação do seu projeto de lei.

"Precisamos de um tempo para respirar, para dar uma trégua à produção familiar. A proposta é isentarmos o que já foi praticado e rediscutir a realidade e as punições da lei. Se mais de 70% dos pequenos produtores e proprietários da Amazônia estão sendo multados, há algo de errado", disse.

Ela também diz que, daqui para frente, será preciso construir outros parâmetros, para que a defesa ambiental, a preservação de espécies e a sustentabilidade sejam garantidas com rigor, mas sem esquecer que temos a obrigação de dar garantias de vida aos menos favorecidos. "Não estamos dando fim às multas, estamos propondo uma anistia por um período e repensarmos o modelo que garanta a sobrevivência no campo, na floresta", afirmou.

Anistia para quem?

Perpétua diz que seu projeto pretende anistiar as comunidades locais, populações tradicionais e outros grupos humanos, organizados por gerações sucessivas, com estilo de vida relevante à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica.

No entanto, segundo Krenak, da Rede de Povos das Florestas, caso aprovada, a lei beneficiará o agricultor familiar, mas não trará efeito aos indígenas e populações extrativistas.

"O projeto não vai incidir sobre essas comunidades, já que elas vivem em terras da União - Reservas Extrativistas (Resex) ou Terras Indígenas (TIs) - e, portanto, não sofrem a aplicação de multas ou taxas pela prática de desmatamento", afirmou.

De acordo com ele, também há, na região, ribeirinhos e pequenos agricultores que ainda não tiveram as terras onde vivem regularizadas e são ameaçados por uma movimentação existente hoje no governo para que essas áreas sejam suprimidas e dêem lugar à agricultura industrial.

"As últimas três legislaturas brasileiras têm sido contrárias à demarcação de Tis e à criação de Unidades de Conservação (UCs) e Resex nos Estados, por serem espaços que se tornam indisponíveis à expansão do agronegócio. No meio dessas áreas, ainda há comunidades extrativistas, ribeirinhos, assentados, que precisam ser respeitados", afirmou.

Porém, Krenak destaca que a definição da agricultura familiar no Código Florestal Brasileiro é importante, não por se tratar de questão técnica, mas política. "Desse conceito depende a ação do governo para impedir que todas as terras do país sejam ocupadas pelo agronegócio".

De acordo com ele, há hoje uma ação dentro do governo para suprimir o conceito de pequenos produtores do Código Florestal Brasileiro, para abrir espaço para que os 24,3% de áreas cultivadas hoje ocupadas pela agricultura familiar sejam incorporadas por grandes produtores.



Dirceu, da CPT, destaca que os 13 artigos do projeto de Perpétua são genéricos e abrem espaço para regulamentação e identificação de categorias da agricultura familiar.

"É preciso políticas públicas de financiamento, cooperação, tecnologia e garantia de qualidade de vida para que o pequeno agricultor extraia da terra sua subsistência, dialogando com a mata, sem precisar derrubá-la". De acordo com o militante, tornar irregular o pequeno produtor dificulta o seu acesso a financiamento e não resolve o problema. Essa também é a opinião da autora do projeto.

A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) foi procurada para comentar a proposta de lei e manifestar sua opinião sobre as declarações dos movimentos sociais, mas nenhum representante da entidade respondeu até o fechamento da reportagem.

Brecha para grandes criminosos

Sobre o risco de que a norma legalize a impunidade a empresários de madeireiras e siderúrgicas que financiam a retirada ilegal de madeira por pequenos agricultores, Krenak diz que a lei ainda poderá ser regulamentada, estabelecendo a verificação das propriedades onde incidam multas por crimes ambientais.

"Podemos ter instrumentos para monitorar o avanço da agricultura familiar, e as áreas de produção de subsistência devem ser inventariadas. Se não, não há nem como se aplicarem as multas. Há como, por exemplo, exigir uma declaração do produtor sobre por que ele ampliou sua área de produção. Qualquer motivo para o desmatamento que não seja a agricultura familiar teria punição", sugeriu.

A deputada Perpétua garante que seu projeto não vai legalizar a impunidade. "No projeto de lei está dito que o recurso da multa deve ser revertido diretamente para a recuperação da área degradada. Cobramos a presença do Estado, mas entendemos o tamanho do desafio. Por isso a proposta de ação conjunta, de dar a chance da recuperação", disse.

Ela também diz que deve haver rigor na punição de madeireiras ilegais e da indústria que se beneficia da ilegalidade, mas destaca que, caso houvesse condições de desenvolvimento sustentável ao pequeno produtor, ele não iria praticar o desmatamento ilegal.

"Os pequenos arrumam um jeito de plantar para comer e sobreviver economicamente. Esse processo é secular, desde a ocupação daquelas terras. Quem desmata são os grandes produtores, os madeireiros e agricultores. Essa foi a bandeira levantada por Chico Mendes quando começou os empates e reivindicou as reservas extrativistas", disse Perpétua.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Projeto prevê perda de reserva para índios que cometerem crimes ambientais

Pela proposta, toda a comunidade ficaria sem terra em caso de crime.
Advogada diz que essa sanção é punição coletiva e fere Constituição.

Iberê Thenório Do Globo Amazônia, em São Paulo


Uma proposta apresentada na Câmara dos Deputados prevê o cancelamento de terras indígenas onde ocorrerem crimes ambientais, como venda ilegal de madeira ou tráfico de animais. A ideia, segundo o autor do projeto, o deputado Dr. Ubiali (PSB-SP), é que os próprios índios se fiscalizem. “O objetivo maior não é puni-los, mas que eles sejam responsabilidades por atividades para as quais hoje se faz vista grossa”, afirma.

Pelo projeto de lei, qualquer condenação em última instância – depois que são apresentados todos os recursos – por um crime ambiental cometido em uma terra indígena faria com que essa reserva fosse cancelada, e todas as pessoas que morassem ali perdessem o direito de viver no local. “Se você tiver uma exploração ilegal em uma área de uma determinada tribo, é quase certo que isso é do conhecimento de todos, e se eles ignoram, são coniventes”, diz Ubiali.



Mapa do Imazon mostra as terras indígenas (em laranja) e pontos da devastação ocorrida em setembro (em vermelho). Segundo o instituto, apenas 3% do desmatamento desse período ocorreu dentro de reservas indígenas, apesar delas ocuparem 21,6% da Amazônia. (Foto: Imazon/Divulgação)

Punição coletiva

Para a advogada Paula Souto Maior, do Instituto Socioambiental (ISA), o projeto fere a constituição, pois estabelece uma punição coletiva aos indígenas. “A pena não pode passar para a família da pessoa que cometeu o ato ilegal”, afirma.

Segundo Ubiali, contudo, a punição à comunidade toda pode ser aplicada no caso dos índios. “É uma punição coletiva porque o crime é coletivo. Na tribo, você não tem um indivíduo cometendo um ilícito. Não há a figura do indivíduo dentro de uma tribo. A tribo tem um comportamento como um todo”, argumenta o parlamentar.

O líder indígena Aílton Krenak, conhecido por defender a Amazônia junto com Chico Mendes na década de 1980, discorda do deputado. Segundo ele, cada pessoa deve ser tratada separadamente e a própria legislação brasileira já prevê punição individual para índios que cometem crimes. “Como se pode dizer que crianças, velhos e outras pessoas da comunidade devam responder por quem cometeu um crime?”, questiona.

Desmatamento

Apesar de haver problemas ambientais dentro de terras indígenas, esse é o tipo de reserva em que há menos desmatamento. Segundo os dados de devastação de setembro de 2009, publicados pela ONG Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), houve 216 km² de desmatamento nesse mês. Desses, apenas 5 km² (3%) teriam ocorrido dentro de terras indígenas, apesar desses territórios ocuparem 21,6% da Amazônia brasileira. Os parques e reservas estaduais, por sua vez, sofreram 15 km² de desmatamento, e ocupam 20% da Amazônia.

“As terras indígenas têm se mostrado mais eficazes para a conservação da floresta do que as unidades de conservação [parques e reservas] que se beneficiam do aparato do Ibama, das secretarias de meio ambiente dos estados, e que têm gente trabalhando fazendo a manutenção e monitoramento dessas unidades”, diz Krenak.

Propriedades privadas

Questionado sobre a possibilidade de seu projeto ser aplicado também a propriedades privadas, Ubiali afirma que pretende apresentar uma emenda para que donos de terra também possam perder suas fazendas. De acordo com ele, a ideia será apresentada durante as discussões na Câmara para alterar o Código Florestal – lei que define, entre outras coisas, o quanto deve ser preservado dentro de cada terreno rural.

A proposta sobre terras indígenas tramita na Comissão de Meio Ambiente e, caso seja aprovada por essa e outras comissões, não precisará ir para votação no plenário para seguir ao Senado.



Desmatamentos, queimadas e notícias sobre toda a Amazônia Legal podem ser encontradas no mapa interativo Amazônia.vc, que também permite a internautas protestar contra a destruição da floresta. Saiba como utilizar o mapa .

FONTE:http://g1.globo.com/Amazonia/0,,MUL1369857-16052,00-PROJETO+PREVE+PERDA+DE+RESERVA+PARA+INDIOS+QUE+COMETEREM+CRIMES+AMBIENTAIS.html

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Povos indígenas re-colonizam o país, afirma Ailton Krenak

Ao participar da Feira do Livro Indígena de Mato Grosso (Flimt), em Cuiabá, Ailton Krenak mostrou conteúdo, respeitabilidade que goza entre as diversas nações e poder de articulação com as demais culturas do mundo ocidental. Ele participou de debate sobre o tema Movimento indígena e educação. Sua reflexão foi apresentada no Caxiri Literário, realizado no dia 8 de outubro, no centro da capital.

Antonio Carlos Ribeiro
Cuiabá, terça-feira, 13 de outubro de 2009


O debate foi mediado por Daniel Munduruku, presidente do Núcleo de Escritores e Artistas Indígenas (Nearin), que apresentou o cacique Estevão Taukane, do Mato Grosso, e o pajé Álvaro Tukano, do Amazonas, como lideranças combativas que estudaram, enfrentaram o regime militar dos anos 70, acumularam sabedoria histórica e tornaram-se referências para as novas gerações indígenas.

“O Brasil é um espaço de encontro, reconhecido mundialmente por sua diversidade cultural e étnica”, começou Krenak, ao elogiar a estrutura arquitetônica montada em madeira e plástico tomando toda a Praça da República e arredores, que proporcionou um “ambiente agradável, em contato com a natureza e sem as dificuldades que nós, indígenas, temos de estar num auditório fechado”, observou.

Ao lado dessa percepção do efeito arquitetônico na estética do evento, Krenak mostrou-se alegre ao perceber como “os povos indígenas estão se apropriando dos recursos plurais, usando diversas tecnologias”, que ele vê como condizentes com os tempos atuais, sem perder de vista as imagens fundamentais que encantam a mística, a poesia, a ética e a estética indígenas: “os rios, as montanhas, as florestas e os vales, que são o nosso pano de fundo do mundo”.

O líder indígena mostrou como a caminhada antropológica das culturas indígenas é rebuscada nas histórias dos antepassados, “nas quais aprendemos nossa relação com o mundo. Daí trouxemos nossa história e os mitos da nossa cosmogonia, que buscamos em elementos como a água, o vento, o fogo, o sol, a lua e as estrelas”. O mergulho nesses elementos, explicou, “encontramos em nossa memória, que tem sido o roteiro da nossa vida”.

A leitura histórico-filosófica de Ailton Krenak chega à história republicana brasileira recente falando da sociedade em que “nos anos 70, o regime pretendia fundir as culturas indígenas, acabando com nossas especificidades e a diversidade das nossas culturas. Tivemos que lutar muito para que nossos campos sagrados não fossem transformados em área de plantio de soja e nem em complexos de produção industrial. Essa cultura ocidental, empresarial e militar imaginava que iríamos desaparecer em 30 anos, mas nós ainda estamos aqui”, bradou, sendo aplaudido pelo auditório.

Krenak frisou que povos indígenas estão fazendo “uma espécie de re-colonização do Brasil, através dos artistas, dos escritores, dos historiadores e dos educadores indígenas”. E agregou: “Nossas culturas já perceberam que a educação das crianças e o relacionamento com os velhos são fundamentais para serem perpetuadas”.

O líder que viajou o mundo para falar da cultura indígena, das línguas e dos costumes, mencionou um sábio indígena que viveu um período num centro urbano para compreender a cultura branca e constatou que “essas pessoas têm abandonado os velhos e as crianças e passado a cuidar de cachorrinhos!” Ao ver isso, constatou “porque a cultura indígena já tinha compreendido que só subsiste se nutrir o amor pelos filhos, pelos pais e avós!”

Ele saudou a riqueza religiosa e cultural dos pajés, a sabedoria dos anciãos e o senso de decisão dos chefes que têm sido resgatados na literatura indígena, “especialmente a literatura infanto-juvenil, da qual nosso grande representante é Daniel Munduruku, seguido de diversos outros autores, dos muitos povos”. Essa produção literária, que “se desenvolveu nos últimos 20 anos, tem a maior parte de seus autores vivos e já aprendeu a dialogar, mesmo sendo jovem”, destacou.

“A força dessas culturas, presentes em eventos como esse, tem a capacidade de ligar o fluxo da memória, a criatividade e a linguagem, expressando esse sentimento”, avaliou. “Para nós, indígenas, é mais fácil fazer arte, imagino, do que para os brancos. É só se deixar levar pelos sentimentos. E é esse sentimento que propicia a transmissão do conhecimento, a busca de novas práticas pedagógicas e a interação com as culturas e os povos, sem deixar de ser quem somos”.

FONTE: http://www.alcnoticias.org/interior.php?codigo=15195&lang=689

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Fórum de Atualização sobre Culturas Indígenas em Brasília

Começou na manhã desta terça-feira (29/9), no auditório da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o Fórum de Atualização sobre Culturas Indígenas – Ação Educativa da exposição Séculos Indígenas no Brasil. O secretário da Identidade e da Diversidade do Ministério da Cultura, Américo Córdula, esteve presente à cerimônia inaugural, que contou com a participação de cerca de 100 professores das redes pública e privada de ensino de Brasília.

Em sua segunda etapa, o Projeto, que recebeu recursos por meio da Lei Rouanet, visa a preparação dos profissionais de educação para a exposição Séculos Indígenas no Brasil e para a introdução da temática indígena em sala de aula. A primeira etapa, denominada Diálogos Indígenas - Roda dos Saberes, foi realizada em abril deste ano, durante a Semana Nacional dos Povos Indígenas, no Memorial dos Povos Indígenas, reunindo dezenas de educadores. A terceira e última etapa, prevista para fevereiro/março de 2010, será o Curso de Formação de Mediadores, juntamente com a inauguração da exposição.

Idealizada pelas lideranças indígenas AILTON KRENAK e Álvaro Tukano, a exposição Séculos Indígenas no Brasil foi possível graças à parceria estabelecida entre o Ministério da Cultura, por meio da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural, do Governo do Distrito Federal, da FUNAI e da Fundação Darcy Ribeiro, e inclui contribuições de pensadores como Darcy Ribeiro e José Lutzenberger.

A partir de 2010 deverá ser iniciado o processo de implantação de conteúdos ligados à questão indígena no currículo escolar das unidades da rede pública do Distrito Federal, atendendo às determinações estabelecidas na Lei nº 11.645/2008, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena.

As palestras do Fórum de atualização acontecem até 1º de outubro no auditório da FUNAI, SEPS, Quadra 702/902 Projeção A, Ed. Lex.Cada participante da Ação Educativa recebeu um exemplar do Catálogo do Prêmio Culturas Indígenas 2008 – Edição Xicão Xukuru, realizado pela SID/MinC em parceria com o SESC/SP.













Catálogo Prêmio Culturas Indígenas 2008

A publicação descreve as 729 iniciativas inscritas na segunda edição do concurso identificando a localização geográfica de cada povo, sua língua, população e, em alguns casos, a situação de suas terras e do ambiente em que vivem. Traz ainda outras informações, como as relações com os não-indígenas, as festas, lutas, histórias, projetos, desejos, entre outros aspectos. Na ordenação dos povos, as 21 divisões étnicas definidas levam em consideração a proximidade cultural e geográfica, assim como as alianças políticas que as pequenas e grandes organizações indígenas realizam para se fortalecer. Essas divisões foram concebidas em conjunto com representantes de organizações indígenas e deixam transparecer um critério importante para a vida desses povos: as bacias dos grandes rios. Esta publicação contribui para o conhecimento da diversidade cultural dos povos indígenas e é fonte de pesquisa para o tema.


FONTE: http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=8&id_noticia=116652

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Feira do Livro Indígena terá Caxiri literário

Cuiabá / Várzea Grande, 29/09/2009 - 18:00.

Da Redação

Há uma semana da abertura da Feira do Livro Indígena de Mato Grosso (FLIMT), a Secretaria de Estado de Cultura (SEC) apresenta uma programação variada e com novidades de encher os olhos e ouvidos. Um destes destaques são os “Caxiris Literários”, mesas de debates compostas apenas por escritores indígenas que servem para a discussão de temas ligados à área da literatura. Os “Caxiris” serão abertos ao público e, depois de cada debate, os componentes de cada mesa responderão aos questionamentos dos participantes.

Segundo Daniel Munduruku, coordenador indígena da FLIMT e diretor presidente do Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (INBRAPI), essas mesas têm temas variados, mas sempre debatendo sobre como a cultura indígena pode e deve ser tratada. “Nós falaremos sempre sobre assuntos ligados ao indígena. Trataremos da oralidade, da escrita, do movimento indígena na educação e de como ele pode ser aplicado na sala de aula. Os três “caxiris” serão norteados por esses assuntos”, explica.

A organização espera que cada mesa tenha em média duas horas de duração. “Cada escritor que estiver escalado para o “caxiri” terá 20 minutos para expor seu posicionamento sobre o tema em questão. Depois, o público poderá questionar os escritores”, descreve Daniel.

Os “carixis literários” serão realizados nos dias 06 e 09, no período da tarde e no dia 08 pela manhã, sempre nos estandes externos, instalados na Praça da República. Para participar não será necessário fazer inscrições antecipadas. Os interessados devem estar no local, 30 (trinta) minutos antes de cada uma das atividades.

A primeira mesa será na terça-feira (06.10), às 15h, e trará o tema: “Literatura Indígena: o tênue fio entre escrita e oralidade”. Participam como expositores os escritores: Graça Graúna, Manoel Moura Tucano, Eliane Potiguara, Yaguarê Yamã e Anna Claudia Ramos. A mesa será mediada por Daniel Munduruku, coordenador indígena da FLIMT e escritor.

Na quinta-feira (08.10) o “caxiri” debaterá “O Movimento Indígena e a Educação”, a partir das 09h da manhã. Fazendo considerações sobre “a importância do movimento indígena como instrumento na formação da consciência brasileira”, estarão os expositores AILTON KRENAK, Estevão Taukane e Álvaro Tukano, mediados por Darlene Taukane.

O último debate está agendado para sexta-feira (09.10), às 14h30 com os expositores Edson Kayapó, Darlene Taukane e Chiquinha Paresi. O tema será “A temática indígena na Sala de Aula” e terá como mediador Jucélio Paresi.

Confira a programação completa no link: http://www.cultura.mt.gov.br/TNX/conteudo.php?cid=2989&sid=54 (Esta programação ainda está sujeita a alterações)


FONTE: http://www.odocumento.com.br/noticia.php?id=310761

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Participe ao vivo do programa com Povos da Floresta no canal saúde interativo

Em busca da própria sobrevivência, o ”homem branco” estabelece metas e cria planos mirabolantes para proteger a natureza. E os povos da floresta, o que eles têm a dizer sobre isso? O programa Sala de Convidados, do Canal Saúde/Fiocruz, de sexta (04), às 13h, escuta e debate a sabedoria dos povos da floresta em busca de soluções para a saudável convivência entre desenvolvimento e sustentabilidade socioambiental. Participe ao vivo. Veja o que pensam os representantes das populações ribeirinhas, extrativistas, quilombolas e indígenas sobre o futuro das florestas.

No programa Sala de Convidados, o público participa ao vivo pela WEB www.canalsaude.fiocruz.br, no chat, ou assistindo pela NBR e ligando 0800 701 8122. Se preferir, antecipe a participação pelo canal@fiocruz.br
Convidados – para conversar sobre o tema com internautas e telespectadores estarão presentes o coordenador da Rede Povos da Floresta, Ailton Krenak; a pesquisadora da Universidade Federal do Pará, Camila do Valle; o vice-presidente da Associação de Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado do Rio de Janeiro, Damião Braga; e o representante do Conselho Nacional dos Seringueiros, Pedro Ramos.

Saúde – O tema faz parte da 1ª Conferência Nacional de Saúde Ambiental (CNSA), que vai acontecer no fim do ano, em Brasília. Para os organizadores do evento, ”além dos riscos ambientais provocados pela ação humana, a permanência ou agravamento das desigualdades sociais e econômicas, nas várias regiões do planeta, especialmente as mais pobres, demonstram a insustentabilidade socioambiental decorrente do modelo de desenvolvimento econômico, bem como suas consequências sobre a saúde das populações.
Alguns dos elementos deste cenário são: o esgotamento dos recursos naturais, como a água e as florestas; os processos acelerados de desertificação; a intensificação de eventos climáticos extremos; poluição química de ambientes urbanos e rurais; e a emergência e a reemergência de doenças”.
A 1ª CNSA conta com o apoio do Canal Saúde.

Participe ao vivo com sua opinião. Até lá!

Onde ver – Para saber como assistir a NBR na sua cidade ou obter mais informações sobre a NBR, acesse http://www.ebcservicos.ebc.com.br/veiculos/nbr Para assistir no site do Canal Saúde, acesse , clique na TV com a inscrição “ao vivo” e participe a partir do chat associado à transmissão. Se preferir, antecipe suas perguntas: canal@fiocruz.br. O Sala de Convidados é apresentado por Renato Farias.

Publicado em: 2 setembro, 2009 por Reportagem

FONTE: http://www.redenoticia.com.br/noticia/?p=10513

sexta-feira, 31 de julho de 2009

VALE A PENA CONFERIR:



"A Rede Povos da Floresta é um movimento social que reúne comunidades tradicionais e indígenas, unidas por um mesmo ideal de preservação do ambiente, de suas culturas tradicionais e de seus territórios originais.

A Rede foi criada em 2003 como uma revitalização da Aliança dos Povos da Floresta - mobilização feita por índios e seringueiros liderada por Chico Mendes e Ailton Krenak, que durante a década de 90 fez as mudanças que resultaram na criação das reservas extrativistas e na correção das políticas do Banco Mundial para o financiamento de grandes projetos de impacto socioambiental nas regiões de florestas tropicais em todo o mundo.

Tem como objetivo a preservação do ambiente e o que nele está inserido: a fauna, a flora, os recursos naturais e culturais e o morador tradicional. Assim como o registro da memória por meio das TIC's - Tecnologias da Informação e da Comunicação.

A Rede Povos da Floresta também é responsável pela Nanapini, iniciativa que estimula o reflorestamento através de ações ambientais conduzidas pelas próprias comunidades tradicionais da região amazônica."

Link: http://www.redepovosdafloresta.org.br/

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Liderança indígena critica métodos convencionais de salvar línguas ameaçadas

Por: FLÁVIA MARTIN
da Editoria de Treinamento DO SITE: "NOVO EM FOLHA"

Assim como outras 44, a língua falada pela etnia crenaque corre perigo crítico de desaparecer, segundo os critérios da Unesco. O ithoc burum é falado por apenas nove pessoas, que atualmente moram em Minas Gerais e em São Paulo.


Apesar de a língua estar quase extinta, Ailton Krenak, 56, descendente dos falantes, questiona as tentativas convencionais de resgate dos idiomas ameaçados.

"Alguns acham que você pode pegar uma comunidade que não é mais falante de uma língua materna e reeducá-la à semelhança dos cursos de francês e de inglês. A minha compreensão é de que, se você aprender essa língua em um instituto de línguas, você não vai expressar a sua alma."

Liderança indígena atuante --ao lado de Chico Mendes, fundou organização que deu origem à ONG Rede Povos da Floresta--, Ailton até consegue se comunicar com sua família em ithoc burum.

Mas sua geração não é considerada falante. Sua primeira língua, reconhece, é o português.

Todos os nove falantes já passaram dos 50 anos e não moram mais juntos. Laurita (mãe de Ailton), Maria Sônia, Deja, Eva, Júlia e Euclides --este último com mais de 80 anos-- estão no Vale do Rio Doce, no sudeste de Minas Gerais.

Na terra indígena Vanuíre (SP), vivem os outros três: Gracinda, Jovelina e Antônio Jorge. Todos adotaram como sobrenome o nome da etnia grafado por eles, Krenak.
Desintegração

A extinção dos crenaques e a dispersão de integrantes da etnia pelo país começaram, segundo a historiadora Maria Hilda Baqueiro Paraíso, da Universidade Federal da Bahia, com a chegada da corte portuguesa ao Brasil, em 1808.

Para resolver a crise econômica pela qual passava Portugal, a corte decretou o Estatuto da Guerra Justa contra os índios da região. O instrumento foi criado durante as Cruzadas para justificar, religiosa e moralmente, a decretação de guerra contra um povo.

O nome "botocudo" foi atribuído pelos brancos às etnias indígenas (dentre elas, os crenaques) que habitavam uma área que abrange o sul da Bahia, o leste de Minas Gerais e o norte do Espírito Santo.

A denominação tem origem nos botuques, discos de madeira usados nas orelhas e nos lábios pelos homens com mais de sete anos como sinal de masculinidade, e, pelas mulheres adultas, apenas nas orelhas.

Nos anos 1950, segundo Ailton Krenak, os crenaques foram alvo de outra ação do governo. O Serviço de Proteção ao Índio, atual Funai (Fundação Nacional do Índio), transferiu alguns indígenas para aldeias de outros Estados brasileiros.

Foi o caso de Euclides, retirado da aldeia dos crenaques de Minas Gerais aos 20 anos, levado para o interior de São Paulo e, em seguida, para a aldeia dos guatós, no Mato Grosso, próxima à Bolívia. Ele só retornou para o convívio de sua família 50 anos mais tarde.

"Agora ele voltou a viver com as primas que falam a língua. Elas desconfiam se ele ainda lembra mesmo como é a língua ou se fica tentando se comunicar com elas só para resgatar algum nível de confiança", contou Ailton.

Ele diz também que essas pessoas testemunharam genocídios de membros de sua etnia durante a juventude, o que fez com que só na vida adulta pudessem falar a língua e expressar sua identidade sem medo de punições.



OBS: NO SITE HÁ UM VÍDEO COM ENTREVISTA DE AILTON KRENAK







SITE: http://treinamento.folhasp.com.br/linguasdobrasil/lingua-crenaque.html

terça-feira, 16 de junho de 2009

Entrevista com Ailton Krenak

Genocídio e resgate dos "Botocudo"

DURANTE trezentos anos, a região leste do Estado de Minas Gerais não podia ser devassada. A Coroa portuguesa impedia a passagem direta da região das minas até o litoral, para evitar o contrabando de ouro e diamantes. Criou-se, assim, o chamado "sertão do leste". Com o esgotamento das minas, no fim do século XVIII, tornou-se indispensável derrubar e explorar a Mata Atlântica e exterminar os chamados índios "botocudos", que enfrentavam os colonizadores. Houve, portanto, o genocídio dos índios. Atualmente, as comunidades indígenas estão renascendo e se fortalecendo, exigem respeito pela sua identidade étnica e o atendimento de suas necessidades.

A entrevista com Ailton Krenak, líder da comunidade Krenak e assessor para assuntos indígenas do governador Aécio Neves, foi concedida em setembro de 2008, em Belo Horizonte (MG), ao jornalista Marco Antônio Tavares Coelho, editor-executivo da revista estudos avançados, e também será publicada no livro Rio Doce – Contrastes e confrontos.

Marco Antônio Tavares Coelho – Inicialmente, peço a você dados sobre sua vida, formação escolar, onde vive e o que faz como porta-voz mais autorizado da comunidade krenak em Minas Gerais.

Ailton Krenak – Nasci em 1953, pois, do final de 1920 até a década de 1940, todas as famílias indígenas foram assentadas por Rondon na reserva do Posto Indígena Guido Marlière, que fica nos municípios de Resplendor e Conselheiro Pena, na margem esquerda do Rio Doce. Nasci do outro lado do rio, porque naquela época essa área começou a ser ocupada pelos criadores de gado. Eles enxotaram os índios dali, que fugiram para o Pankas, no Espírito Santo. Outros foram para o lado do Kuparak.

Naquele lugar houve um massacre causado pelos colonos. Incendiaram a aldeia, fuzilaram crianças e as mulheres e mataram muitos a facão. Isso ocorreu no final dos anos 1940 e 1950 e não havia ali nenhuma família instalada pacificamente.

Até 1970, toda a minha gente permaneceu naquele lugar algum tempo – uns por três meses, por um ano e meio – quando da refrega com os colonos. Acabaram todos expulsos. As últimas famílias que persistiam em permanecer foram arrancadas de lá, amarradas em correntes em cima de caminhões e despejadas em outro sítio, que a Secretaria da Agricultura de Minas Gerais trocou com a Fundação Nacional do Índio (Funai) a fim de liberar terra indígena para a colonização.

Despejaram os índios em propriedades da Corregedoria da Polícia, numa Colônia Penal, ou coisa assim. A perspectiva era aniquilar mesmo com o resto das famílias dos índios. Nesse lugar chamado Fazenda Guarani, em Carmésia, foram despejadas algumas famílias. Outras foram para Goiás, porque tinham parentesco com pessoas que viviam na Ilha do Bananal e nunca voltaram. Andei junto com meu pai e com alguns tios e fomos para o interior de São Paulo.

Sou um autodidata. Frequentei uma escola pública em São Paulo, de primeiro grau. Fiz um curso de artes gráficas no Senai, quando tinha dezenove anos. Esse aprendizado é que me deu habilitação para fazer todas as coisas que consegui fazer, inclusive obter de volta as terras que os colonos tomaram de minha família. Hoje é uma aldeia Krenak – o Posto Indígena Guido Marlière. O Estado de Minas respeita os limites dessa terra, pois é da União e o usufruto é dos Krenak.



Um jacobino ao lado dos índios

M. A. T. C. – Quando e como você começou a estudar a luta e a resistência dos "Botocudo" contra os colonizadores luso-brasileiros?

A. K. – Nos últimos vinte anos, conheci alguns dados que estavam escondidos sobre os "Botocudo", pois só eram publicados documentos do Arquivo Público Mineiro, apenas informando sobre as campanhas militares contra a minha gente. Depois disso, recentemente, passei a conhecer materiais que estavam fora do Brasil – na França e Portugal. Também tive a oportunidade de visitar um acervo sobre os "Botocudo" num museu em São Petersburgo, na Rússia. Foi um acaso, porque fui atrás de restos da cultura material de meu povo. Esses dados estão em meu texto "O baú do russo", uma historinha curtinha, onde relato a aventura dessa expedição científica.1

Nela, há cem anos, no meio de um acampamento "Botocudo", baixaram alguns homens, remanescentes das campanhas do francês Guido Thomaz Marlière, um jacobino que defendeu minha gente. Marlière teve contato com aqueles guerreiros que conseguiam se articular, fechar os caminhos e dar uma surra nos brancos, desmantelados e sem coesão.

Nessa ocasião, os "Botocudo" estavam desbaratados, jogados nos pés-de-serra. Muitos foram para o vale do Rio São Francisco, outros foram para o Rio São Mateus, e outros se refugiaram para o lado do vale do Rio Mucuri. Havia poucos assentamentos, pois os "Botocudo" dominavam poucos lugares. Ficavam escondidos, parecendo uma manada de gente assustada.

Quando entrou em contato com os "botocudos", Marlière tentou rearticular um pedaço de gente dizimada, tentando concertar uma política lançada com a declaração de guerra de extermínio, assinada pelo príncipe regente, em 1808. Essa caçada brutal aos "Botocudo" durou duas décadas. Nesse período, chamava-se de "Botocudo" todo ajuntamento de índios, principalmente os apanhados nas matas do Rio Doce, ou até o Espírito Santo.

Muitas pessoas, quando se referem a "Botocudo", pensam nessa gente do Rio Doce e, no máximo, no massacre da cidade de Conceição do Mato Dentro. Os "Botocudo" não eram ribeirinhos, mas gente do sertão. Gostavam de ficar na beira dos rios porque os rios eram uma fonte de alimentação, além de uma orientação de rota. Na sua natural sabedoria, buscavam lugares saudáveis e com água limpa. Só quando a mata começou a ser infestada de brancos apareceram a malária e outras doenças. Então, os "Botocudo" ficaram com medo de beira de rio.

Essa é a lição contada por nossas avós, como ensina a memória de gente que tinha contato com os brancos. As mais velhas que nossas avós viveram duzentos anos atrás. Elas, quando contavam um caso, partiam do que era contado pelas avós delas.

M. A. T. C. – Não havia doença no período anterior?

A. K. – Os "Botocudo" só começaram a sofrer com as epidemias quando os brancos entraram na mata. Depois do contato com os brancos é que apareceram as doenças, a mortandade de crianças e moléstias na pele. Males levados pelos brancos para famílias de índios. A ponto de os índios de um córrego não socorrerem índios de outros córregos em contato com brancos. Eles até evitavam receber esses índios nos acampamentos porque podiam trazer doenças. Os mais sabidos davam um jeito de ficar sempre pelados, porque tinham medo das roupas usadas pelos brancos.

Estou contando essas memórias, desorganizadas no tempo, pois algumas são lembranças contadas em minha casa. Outras são coisas publicadas em trabalhos de pesquisadores, ou aprendidas em discussões em torno de questões fundiárias ou políticas, nas quais foram surgindo documentos para elucidar alguns casos.

É o ocorrido, por exemplo, quando foi discutido o direito dos "Botocudo" sobreviventes de conflitos sobre a terra, em relação a territórios no médio Rio Doce. Isso porque houve pesquisas em documentos de diferentes fontes para analisar dados do impacto ambiental da hidrelétrica construída em Aimorés, quando foram contratadas consultorias especializadas para fazer o relatório do impacto ambiental.

Por isso, conseguimos uma bibliografia extensa sobre diferentes períodos, de 1700 até 1800, esclarecendo acontecimentos envolvendo a administração, o surgimento de vilas e de fazendas, inclusive os primeiros empreendimentos de modelos capitalistas consolidados mostrando como esse negócio foi mudando.

M. A. T. C. – Como posso conseguir esse material?

A. K. – Vou juntar o material todo. Relatórios sobre a hidrelétrica de Aimorés, um relatório etnoambiental2 que vem desde o Von Martius até o príncipe Maximiliano. Esse publicou um vocabulário de palavras usadas pelos "Botocudo".3 Uma fonte interessante é um caderno de Teófilo Otoni, falando sobre a floresta, o rio e os "Botocudo" no Rio Doce. A Universidade Federal de Minas Gerais publicou um livrinho muito inteligente em que Teófilo Otoni relata o empreendimento do Projeto Mucuri e a briga dele com os índios.4



A atuação de Teófilo Otoni

M. A. T. C. – Em geral, Teófilo Otoni teve uma relação boa com os índios?

A. K. – Na época, não podia fazer outra coisa. Foi mais ou menos como o Orlando Villas Bôas, pois esse também agiu como humanista no caso do Parque Nacional do Xingu. Se Teófilo Otoni tivesse sido ouvido e respeitado os "Botocudo", esses não teriam sido aniquilados. Além disso, ele tinha também a ambição de encontrar, no meio dos "Botocudo", uma gente chamada de aimoré – os tais índios Aimoré.

M. A. T. C. – Essa expressão aimoré é errada? Não havia esse povo?

A. K. – O Teófilo Otoni era um cara inteligente e honesto. Depois de ter brigado com os "Botocudo", continuava procurando os aimorés, porque acreditava que eram uma tribo muito valente e tinham um tipo de herança cultural diferente da dos "Botocudo". Acreditava serem um ramo na história dos "botocudos". Ora, aimoré é embaré, gente do mato, amba de gente.

M. A. T. C. – Então, os aimorés não eram uma etnia?

A. K. – Não, eles eram chamados de aimorés pelos Tupi do litoral, muito sabidos. Eles chamavam todos índios do mato de embaré, porque usavam esse nome no sentido de serem brutos. Eram jagunços dos brancos e chamavam as outras tribos de gente do mato. Assim, esse nome "aimoré" não nomeia um povo, era um apelido dados pelos Tupi. Teófilo Otoni procurou esses aimorés no meio dos "Botocudo". Não achou, mas encontrou fragmentos deles, rastros deles.

Então, há uns chamados, por exemplo, Naknanuk. Nak é terra; até hoje no dialeto burum (índio na língua dos Krenak). Kren é cabeça. Então, somos os cabeças da terra. Esse grupo nosso é remanescente dos cabeças da terra. Mas há também os outros, uns refugiados que foram sobrando no meio de nossas famílias. São, por exemplo, chamados de Nakrehé, e tem os outros Pojitxá e os Gutkrak.

Quando você vai observar esses nomes, entende uma coisa: tudo é nome de lugar. Seria equivalente chamar o pessoal da serra de serrano; o pessoal da beira do rio de ribeirinho; o pessoal de pântano de pantaneiro; e o pessoal da grota de groteiro. Naquele contexto, chamavam todos de "Botocudo".

Estive lendo o livrinho do Teófilo Otoni e vi como ele mostrou ser inteligente ao observar todo mundo falando desses aimorés, mas ninguém descreveu esses aimorés. Mas sobre os "Botocudo" há diversas referências e ordens sobre os quartéis espalhados, entre Espírito Santo e Minas. Informações sobre centenas deles presos, vigiados e impedidos de sair dos quartéis. Isso ocorreu no final do século XVIII, quando os administradores estavam apavorados e por isso pediram uma ordem de guerra contra os "Botocudo".

Além disso, esse fato coincide com a liberação do caminho das minas. É insistente essa informação de historiadores escrevendo sobre a liberação da passagem pela floresta do Rio Doce depois de haver se esgotado a extração de diamantes e ouro.

Só depois de liberaram a mata, viram como ela estava cheia de tribos. Até o final do século XVIII, os "Botocudo" ficaram à vontade na mata do Rio Doce. Durante uns cento e tantos anos ficaram ali e a Coroa não tinha nada a ver com aquilo. Depois os brancos decidiram descer o cacete. Antes somente se interessavam pela madeira existente na mata.



Rondon e os krenaks

M. A. T. C. – Como foi a sobrevivência dos índios depois da guerra decretada pelo príncipe regente, em 1808; e posteriormente, como foi o relacionamento dos brancos com os índios? Atualmente, como é esse relacionamento?

A. K. – Quero colocar uma questão-chave. Há muitas informações sobre o massacre ocorrido na guerra ofensiva. Mas não tenho clareza como terminou a guerra. A partir da pregação de Guido Marlière e de Teófilo Otoni, como os "Botocudo" se juntaram? A tradição oral, que chegou até a minha geração, diz que a guerra nunca cessou. Só diminuiu porque um dos lados não tinha mais contingente para combater. Mas os "Botocudo" continuaram sendo sangrados como galinhas, ao longo de todo o século XX.

Darcy Ribeiro apresentou esses índios como extintos. Uma vez, quando ele era secretário de Cultura, do governo Brizola, fui visitá-lo com um grupo de guaranis no Rio de Janeiro. Por coincidência, nesse dia havia caído um temporal. Fomos andando a pé, da rodoviária até a Secretaria. Parecíamos uns pintos molhados. O guarda da Secretaria estranhou e disse que o secretário não iria receber aqueles pedintes descalços, com calças e camisas molhadas. Mas, apesar disso, entramos no gabinete do Darcy para cumprimentá-lo e ele perguntou como é que estávamos. Respondi: "Como você disse que nosso povo está extinto, um fantasma veio lhe visitar. Porque, pelo seu livro, estamos mortos. Quem está extinto não dá notícia".

Darcy deu uma risada e perguntou: "Continua a matança em cima de vocês?". Falei: "Claro que continua. Vim aqui pedir sua intervenção junto ao governo para que a Funai e as outras agências do governo parem essa perseguição contra as restantes famílias de 'Botocudo'".

O que aconteceu foi o seguinte: quando acabou a guerra, se é que houve o final dessa guerra, uma missão de capuchinhos estava tentando consolidar um assentamento onde viviam mais de 2.700 "Botocudo". Uns cacos de gente, no final do século XIX, lá num vilarejo em Itambacuri, no vale do Mucuri. Em 1893, houve uma rebelião. Os índios mataram os que chefiavam a missão dos capuchinhos e saquearam propriedades e sítios. De 1893 até 1910, 1915, havia muito ressentimento e ninguém queria ver aqueles índios que fugiram da missão, quase mansos, e que de novo viraram bravos. O problema é que nessa segunda rebelião os índios não estavam mais com arco e flecha, mas com carabina. Começaram a assaltar as tropas com rifle e munição. Tomaram as armas dos tropeiros e formaram uma jagunçagem. No meio dessa jagunçagem surgiu um capitão, um sujeito guerreiro, o capitão Krenak.

Esses guerreiros deram muito trabalho na ocupação do Rio Doce, naquele lugar, que hoje tem o nome de Nanuk, palavra na língua dos "Botocudo". Nome de um cara rebelde, que comandava uma horda de bravos guerreiros, cercando as tropas. Seguiam pela rota de tropeiros que havia na região, tomando suprimentos de qualquer provedor. Alimentavam os grupos de seus guerreiros na Serra dos Aimorés.

Foi aí que o marechal Rondon, com o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), mandou seus bons indianistas/sertanistas, que saíam do Rio de Janeiro, de Cuiabá e de outras regiões, para pacificar os "Botocudo". Assim foram pacificados esses últimos guerreiros. Desses sertanistas, alguns eram oficiais. Eles atribuíram a patente de capitão a esse Krenak. Somos descendentes da família dele. Trocou o botoque dele, com um fotógrafo, por comida. Roquete Pinto fez uma foto dele quando ele já estava tuberculoso. Em troca de sua foto, ganhou os brincos e os anéis da orelha, que foram levados para o museu.

Desse período de 1910-1925, são pequenas narrativas que contam os momentos de visita de autoridades, os momentos de namoro e depois os momentos de matar todo mundo. Até que, em 1922, por orientação do marechal Rondon e da turma dele que havia criado o SPI, houve a localização desses índios.

Rondon deu um jeito para arrumar um lugar para aqueles índios, demarcando uma reserva, um território para eles, e liberava o entorno dos assentamentos. Chamava trabalhadores nacionais e organizava uma colonização. Rondon dirigia, ao mesmo tempo, o Serviço de Proteção dos Índios e também a localização de trabalhadores.



O massacre permanente dos "botocudos"

M. A. T. C. – Como você vê esse problema do relacionamento hoje?

A. K. – Acompanhando a história do Brasil até a Constituinte de 1988, não só em Minas, mas no Brasil inteiro, a perspectiva do Estado brasileiro era acabar com índio. Só que na Constituinte houve uma grande pressão para mudar essa política.

Esse negócio de a literatura dizer que os "Botocudo" eram antropófagos é um ato falho, é um truque da má consciência neobrasileira formadora do Brasil. Eles tinham de dizer que minha gente era antropófaga para nos aniquilarem. Participei na Constituinte de 1988 pintando a cara de preto no Congresso Nacional. Estava com 36 anos de idade quando fiz aquilo. Fui defender a emenda popular, pois não se defendia o artigo 231 da Constituição porque ele afirma que o Brasil precisa parar de matar índio e assegurar os direitos para os índios restantes.

Isso tudo foi uma ruptura com o que havia acontecido no passado. Mudança que o Estado não conseguiu assimilar até hoje, pois o Estado ainda tem cacoetes. O Estado parece uma daquelas feras que ficam mansas, mas, de vez em quando, ainda comem alguém. Ainda agora há os pit bulls soltos lá em Roraima. Eles se esquecem de que há uma Constituição. Mas o ministro do Supremo Tribunal Federal lembrou muito bem em seu voto, dizendo: "Tirem os dentes, tirem as presas".5 O que aconteceu da Constituinte para cá foi um fenômeno fantástico, o surgimento de nova identidade.

No século XX, em Minas Gerais, se dizia que não havia mais índios, ou que no máximo havia "Botocudo" sobreviventes e Maxacali (aqueles de Mucuri, de Santa Helena e Bertópolis). Esses Maxacali são um fenômeno impressionante, pois não se aculturaram. Você chega numa aldeia maxacali e eles estão falando a língua deles, vivendo na religião deles, vivendo no mundo deles. Pelo menos nos últimos duzentos anos ficaram isolados. Tempos atrás estiveram em Diamantina e em outras regiões, no Jequitinhonha. Mas, nos últimos duzentos anos, fizeram um movimento e se fixaram nessa região do Mucuri. Eram inimigos preferenciais dos "Botocudo". Quando não havia branco para brigar, os "Botocudo" brigavam com os Maxacali. O que resultava em roubo de mulheres de um lado e do outro. Logo, nós somos parentes, somos parentes porque nossos grupos guerreavam e tomavam crianças uns dos outros, e mulheres uns dos outros.

M. A. T. C. – Quantos são os índios em Minas Gerais?

A. K. – Os maxacalis eram considerados as últimas famílias indígenas sobreviventes em Minas Gerais, quando, por volta de 1970/1980, houve o ressurgimento dos Xacriabá que estavam submersos na história e começaram a reivindicar terra, direitos e identidades. Hoje é a população indígena mais numerosa do Estado de Minas. São mais ou menos oito mil índios, enquanto os Krenak são duzentos e poucos. Numericamente nós não existíamos e eles existiam. Mas até o século XX não existiam.

Hoje os Maxacali são uns 1.200 ou 1.300. Se juntar esses povos, que ficaram nesse lugar demarcado, atravessaram o século XX, eles são os Krenak, Maxacali e Xacriabá. Hoje, quando se olha o site da Secretaria de Governo encontram-se nove tribos em Minas. Que fenômeno é esse? Os Patachó, que fugiram lá da Bahia, perseguidos pela turma do Antônio Carlos Magalhães, se refugiaram em Minas, na década de 1960/1970. Os índios parentes de Graciliano Ramos, de Palmeiras dos Índios, Xukuru-Kariri, fugiam da miséria, do desmando político, da violência, e vieram para o sul de Minas, que os recebeu. Aqui há três grupos de famílias indígenas: Pataxó, Xukuru-Kariri e Pacararu.

Foi tão bom esse período de ressurgimento das comunidades indígenas que, quando o governador Aécio Neves me chamou, em 2003, e me perguntou como estavam os índios em Minas Gerais, respondi: "Estão muito mal".



O que fazer pelas comunidades indígenas?

M. A. T. C. – O que vocês têm feito pelos índios? Qual o resultado desse trabalho?

A. K. – O que dá resultado é tratar esse conjunto de famílias tribais, remanescentes desses povos – Xacriabá, Maxacali e inclusive dos que migraram para cá vindos do Nordeste, Pataxó, Xukuru-Kariri, Pacararu, além dos nativos Aranã e Kaxixó – como cidadãos que têm direito à proteção do Estado, sem discriminação. Eles têm direito às políticas públicas no sentido de atendimento às mães, quanto ao nascimento de seus filhinhos, o pré-natal e o acompanhamento dessas mães até que a criança faça cinco anos de idade. Têm direito à alimentação. Deve-se respeitar o direito dos índios de continuar morando em casa de palha que fizeram, dando a eles e elas a oportunidade de, se quiserem, ter uma habitação adequada. Porque não admito que arranquem um costume, que é próprio de uma família indígena, para botá-la num conjuntinho residencial do Banco Nacional de Habitação (BNH).

A gente não tem povo indígena vivendo num apartamento do BNH , em Minas Gerais, pois temos nos esforçado para arrecadar terras públicas, seja terra da União seja terra do Estado, para criar assentamentos adequados para atender às necessidades dessas famílias indígenas. Uma família indígena reduzida a 200 ou 300 indivíduos não quer viver nos fundos de uma fazenda, hostilizada por pecuaristas ou por garimpeiros. Ela sente a necessidade de estar num lugar mais parecido com essas unidades de conservação, num parque ou numa unidade biológica.

Estamos argumentando no sentido de que os índios possam ter acesso a um lugar desse tipo e que o Estado crie os instrumentos para que eles possam viver desse modo, não agredidos pelo município ou pelos vizinhos. Isso deve ser feito através das secretarias de Estado, como as da Saúde, do Meio Ambiente, de Agricultura ou de Bem-Estar Social. Programas públicos para realizarem ações que atendam a questões como água potável, para eles pararem de beber água de córrego que está envenenada com agrotóxico, com esgoto, com detritos de todo tipo.

A água do Rio Doce está muito ruim. No meio dela há partículas de mercúrio, bauxita e outros minérios pesados, fora os resíduos jogados no Rio Doce pelos municípios, desde o Rio Piracicaba. Quando a gente toma banho, sai bronzeado, mineralizado. Num seminário no médio Rio Doce acusei os municípios de serem responsáveis por jogarem detritos no rio. Uma pessoa se levantou e disse: "Em Ipatinga não se faz mais isso, pois tratamos de nossa água, antes de jogá-la no Rio Doce". Ora, mas, em Governador Valadares, jogam restos de hospital, sofás velhos, televisões e até geladeiras dentro do rio. Todo mundo na beira do Watu (nome que os índios dão ao Rio Doce) acha que ele é o depósito de todos seus restos.



O ensino em língua indígena

M. A. T. C. – Na educação primária as professoras ensinam a língua materna das comunidades indígenas?

A. K. – Temos um programa chamado Piei (Programa Estadual de Implantação das Escolas Indígenas). O Estado de Minas tem hoje duas mil crianças indígenas em sala de aula, com professor bilíngue da aldeia. Todas a aldeias têm uma escola indígena bilíngue, com professor nativo local, que foi habilitado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em oito módulos de quatro anos, para se tornar um professor habilitado em magistério.

Desses professores, 140 deles estão fazendo licenciatura na Universidade e vão se graduar em 2010 como educadores em língua e literatura. Nossa população é de nove etnias diferentes. Dessas etnias, só três mantêm a língua materna. Mas mesmo aquelas que não têm a língua materna estão tendo subsídio e material didático de apoio a fim de trabalharem a reintrodução da língua materna. Estamos gerando esses materiais com apoio não só em programas estaduais, mas também em programas federais, porque o Ministério da Educação tem um comitê de educação indígena que foi implantado no governo de Fernando Henrique. Esse comitê tem se constituído num espaço bem democrático de pluralidade.

O material didático é impresso em português e na língua materna, caso o grupo tenha memória da língua materna, porque não tem sentido mandar um texto escrito em língua tupi do tempo de Anchieta para uns remanescentes de índios tupis, mas que não conhecem mais essa língua.



A tradição e a religião dos índios

M. A. T. C. – Ainda há pressão da Igreja Católica para as comunidades indígenas aderirem à religião católica? Como você encara o problema da religião?

A. K. – A disputa religiosa atualmente foi incrementada pela chegada dos evangélicos. Antes, os missionários queriam só as almas dos índios, agora eles disputam com os evangélicos a governança dos índios. Se você catequiza o índio e o deixa seguir a vida dele, tudo bem. Mas se catequizá-lo e ficar mandando, fazendo a governança de suas vidas, organizando em comunidades, sindicatos, associações e coisa que o valha, isso eu acho grave.

A disputa dos índios por católicos e evangélicos cria um agravamento da crise de identidade desses índios. Essas disputas são esvaziadoras do conteúdo cultural que os índios herdaram. Estou falando da Pastoral da Igreja Católica, mas os evangélicos também estão fazendo a mesma coisa. Querem ficar pau a pau com os católicos para ver quem controla o índio.

M. A. T. C. – Quer dizer que não há uma abertura da Pastoral desse ponto de vista de religião?

A. K. – Com aquelas mudanças do concílio dos anos 1960/1970, aquelas coisas de Leonardo Boff, da Teologia da Libertação, dizem que estão espalhando cultura ecumênica. Os missionários da Teologia da Libertação falam com os índios que estão encarnando a cultura indígena. Você pode encontrar um missionário dançando com o pajé, mas esse negócio do missionário dançar junto com o pajé é só conversa. Porque na verdade, quem prega, quem instala o bastão lá dentro, prega a cruz, marca a hora do catecismo, é o missionário, não é o pajé.

O que observo nessa virada do século XX para cá é que o fenômeno da globalização, junto com essas outras manifestações locais, como a disputa com os evangélicos, estão jogando os índios num liquidificador, indiferentemente se são índios tradicionais ou índios aculturados. Eles querem tirar daí médicos, técnicos, vereadores, políticos, administradores, educadores, professores.

Na verdade, costumo dizer o seguinte: dois séculos de guerra bruta não conseguiram fazer o serviço que um pequeno período de democracia está fazendo – o de integrar de maneira absoluta essa diversidade cultural.

Índios são uma generalização absurda, porque acaba com isso que nós estamos falando que é a possibilidade do menino na aldeia ensinar a seus irmãos, do avô ensinar a seus netos a sua história, ensinar na sua língua seus valores e a sua tradição.

Esvaziam tudo isso e enfiam lá um monte de representação e dizem: "Essa é do comitê de não sei o quê", "o conselho de mulher", "o de saúde", "de educação". Eles vão esvaziando a identidade desse índio e ele acaba virando uma espécie de uma figura parecida com sindicalista.

Essa novidade de todo mundo virar cidadão (de forma compulsória) tira também das pessoas a possibilidade de elas continuarem vivendo de alguma maneira a memória de sua tradição, de sua cultura. Daqui a pouco eles vão perder a possibilidade de ter um terreiro dentro da aldeia onde as pessoas ficam sentadas, calam a boca e escutam os velhos. E quando um velho vier e falar assim: "Esse mês nós vamos nos recolher numa ilha do Watu e vamos fazer os ritos de passagem dos que têm menos de onze anos de idade. Eles vão ficar afastados do convívio de suas mães e de suas famílias e vão ser iniciados na história dos velhos que não podem ser contadas publicamente. Quando não puder fazer mais isso não irá fazer diferença nenhuma ter língua diferente. Papagaio repete também língua diferente!".

A importância de ser bilíngue e de ter liberdade para pensar é continuar uma narrativa, seja recebida no sonho, nos ritos, nisso que eles chamam de religião. Índio não tem religião. O mais autêntico que a gente pode identificar num núcleo de uma prática dessas famílias desse povo antigo é a continuação da tradição. Uma tradição que remonta aos mitos da criação do mundo.

Então, assim é muito bom quando os Krenak podem se recolher no taruandé, que é um rito que os Krenak guardaram na memória deles. Taru é o céu, taruandé é um movimento que o céu faz de aproximação com a Terra. No taruandé os meninos que ainda estão engatinhando, os homens, as mulheres, os mais velhos cantam e dançam juntos, como uma brincadeira de roda. Repetindo frases na sua língua materna que diz: "O meu avô é a montanha", "Você é meu avô e o rio", "Você é peixe pra eu comer", "Você me dá remédio para a minha saúde", "Você esclarece minha mente e meu espírito", então "O vento, o fogo, o sol, a lua".

Ficam repetindo essas frases na sua língua ancestral, batendo o pé no chão, tocando maracá, acendendo fogo, pulando na água fria, buscando saúde, fazendo a terapia muito especial e afirmando a sua própria identidade diante do mundo avassalado por propaganda, consumo e besteiras de todo lado.

O que eu valorizo é isso. É que ainda possa ter famílias que olham para si mesmas; não sintam vergonha de ser quem são; não têm vergonha de morar em casa de chão batido; não têm vergonha de cozinhar num fogareiro de cupinzeiro, em cima de pedra; não têm vergonha de comer carne moqueada, comer peixe moqueado assado na pedra, comer batata e mandioca tiradas de baixo das cinzas; não têm vergonha de fazer isso. Acham que fazer isso é um jeito de continuar sendo "Botocudo".

Ora, os árabes, os judeus, os japoneses também batem tambor, comem de palitinho. É um jeito de eles continuarem sendo árabes, judeus, japoneses. Por que a gente não pode continuar sendo "Botocudo" em qualquer lugar? Essas pessoas têm que ter o direito de continuar ensinando para seus filhos os valores que até hoje eles trouxeram vivos consigo.



A luta de um krenak

M. A. T. C. – Qual a sua atuação e sua relação com o governo de Minas Gerais?

A. K. – O governador Aécio Neves me perguntou: "O que dá pra fazer pelos índios?". Respondi: "Podemos fazer o que Guido Marlière fazia quando cuidou da questão dos índios, no gabinete militar do Império". Então, desde 2003, o governador me deu um mandato, de assessor especial para assuntos indígenas. Sou vinculado à Secretaria de Governo. Ele me disse então: "Você vai criar o programa para inclusão social dos que ainda restam de povo indígena no nosso Estado, porque não queremos que sejam aniquilados e desapareçam".

Assim, de certa maneira, a guerra contra os índios em Minas Gerais só parou com o governador Aécio Neves. O governador me perguntou se teria sentido criar uma Secretaria de Assuntos Indígenas. Respondi que em Minas não há uma população indígena que justifique a criação de uma Secretaria de Estado. Assim, propus fazer meu trabalho no gabinete dele. Disse-me que, então, eu deveria trabalhar em nível de igualdade com qualquer secretário. Empossou-me e avisou aos demais secretários para colaborarem comigo, a fim de cumprir minha missão. O objetivo é trabalhar para que em Minas sejam respeitados os direitos humanos e sociais dos índios.

Tenho, portanto, o compromisso de agir assim até 2010. Nosso propósito é criar um Centro de Referência da Cultura Indígena e um Memorial Indígena, na Serra do Cipó, um sítio que se chamará Monumento Natural da Mãe D'Água. O Instituto Estadual da Floresta, junto com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), está demarcando esse sítio. É cheio de grutas, cavernas e sítios arqueológicos da maior relevância. Dentro desse memorial vamos recolher o acervo que foi para a Rússia, a fim de resgatarmos cem anos da cultura material dos "Botocudo". Eles são os primeiros registros das escritas fonéticas de "Botocudo" gravados por essa expedição russa. Em torno desse acervo deveremos ter um espaço para a formação de jovens indígenas, a fim de administrar seus territórios, tendo em vista sua educação e saúde, além de outros objetivos.


Notas

1 Uma documentação de Manizer, que se encontra no Museu de São Petersburgo.

2 Etnozoneamento ambiental da etnia e terra krenak, elaborado pela Associação Indígena Krenak. Resplendor (MG), 2002.

3 Viagem ao Brasil, do príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied (Edusp; Itatiaia, 1989).

4 Livro de Teófilo Otoni, Notícia sobre os selvagens do Mucuri, organização de Regina Horta Duarte (Editora da Universidade Federal de Minas Gerais, 2002).

5 Voto do ministro Carlos Ayres Britto do Supremo Tribunal Federal, como relator no litígio sobre a Reserva Indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima.


FONTE: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142009000100014&lng=en&nrm=iso&tlng=en