segunda-feira, 13 de dezembro de 2021
Lugares de Origem: livro de Ailton Krenak e Yussef Campos é um mergulho ancestral
Obra questiona o conceito de patrimônio cultural, relembra a atuação de Krenak na constituinte de 1987 e 1988 e aborda perspectivas sobre a vida do planeta
Por Nayara Zanetti, estagiária sob supervisão de Wendell Guiducci
08/12/2021 às 09h07- Atualizada 08/12/2021 às 09h10
Quando Ailton Krenak perguntou sobre a escolha do nome “Lugares de origem”, Yussef Campos respondeu que a inspiração havia partido de uma fala dele. Quando perguntei o que seriam lugares de origem para Ailton, o termo foi para além de um ponto de partida. “Foi uma expressão que encontrei para um tema que é muito importante para os povos originários, que é a ideia de território. Território com o sentido cultural profundo, onde não é só uma paisagem, tem implicações.” O diálogo entre o historiador juiz-forano, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Yussef Campos, e o líder indígena, ambientalista, escritor e professor honoris causa da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Ailton Krenak, resultou no livro “Lugares de origem”, lançado no fim de novembro, que questiona o conceito de patrimônio cultural e reflete sobre a vida do planeta.
Do Leste de Minas Gerais, onde fica a aldeia Krenak, a 600 metros do corpo do Rio Doce, devastado pela lama do rompimento da barragem da mineradora Samarco, que, há seis anos, impede o acesso ao rio, o líder indígena reflete sobre a expressão lugares de origem como uma forma de reconhecer a topografia e as características de um lugar como parte da sua identidade. “Para nós, os Krenak, esse rio não é só um corpo d’água, ele tem personalidade. Nós o chamamos de Watu. É um rio que para nós faz parte da nossa constelação de parentesco, ele é um avô.”
Yussef e Krenak se conheceram em 2013, quando o historiador desenvolvia sua tese de doutorado na Faculdade de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A pesquisa buscava analisar o patrimônio cultural como objeto da Assembleia Nacional Constituinte de 1987 e 1988. Ao observar os atores sociais e políticos envolvidos, Yussef chegou no nome de Ailton Krenak, que era um dos representantes da União das Nações Indígenas.
Ailton Krenak e Yussef Campos autores do livro “Lugares de Origem”.
Tudo que não coube na tese encontrou espaço em “Lugares de origem”. A obra é uma espécie de bastidores da convivência entre os dois, que começa de forma profissional e acaba se tornando uma relação mais próxima. Composto por três capítulos, o livro apresenta a entrevista feita para a tese, uma palestra que Ailton realizou na UFG sobre direitos indígenas e um ensaio de Yussef contando como a relação pessoal deles afetou a sua perspectiva teórica acadêmica.
“Eu me lembro de dizer assim: ‘Ailton, eu tô no meio da minha tese, não faz isso comigo’. Então, esse livro não é um livro acadêmico, é um livro sobre um pensador, que é o Ailton Krenak, e um pesquisador como eu que está tentando entender primeiro a parte das perspectivas e conceitos não indígenas para ter que rever isso tudo, são sempre processos que eu parto de uma provocação não indígena para depois ouvi-lo”, afirma o historiador.
Rin’ta: ao mesmo tempo luto e luta
Uma cena presente no livro que marcou os debates da Constituição de 87 e 88 e transcendeu o tempo foi o gesto de Krenak, em seu discurso na tribuna, ao pintar o rosto com tinta preta de jenipapo em forma de protesto contra o retrocesso na luta pelos direitos indígenas. O ato, um costume tradicional chamado de “Rin’ta”, que na língua krenak significa ao mesmo tempo luto e luta, foi fundamental para a elaboração do Artigo 231 da Constituição Federal de 1988, que garantiu aos povos originários o direito sobre seus territórios. “É um reconhecimento a priori que diz que esses povos já estavam aqui. De certa maneira, a gente volta à sua primeira pergunta: lugares de origem”, comenta Ailton.
O gesto tomou grandes proporções e ultrapassou fronteiras. Em 2019, Ailton recebeu um convite de Seul, na Coreia do Sul, para usar o vídeo desse momento em uma grande exposição de arte, que reproduziu a imagem animada, com cerca de dez minutos de duração, em um painel, onde os visitantes podiam escutar as frases do discursos em seis diferentes línguas. “A pessoa podia colocar um fone de ouvido, chegar diante do painel com minha imagem, acionar a fala e o Ailton aparecia falando do jeito que eu falei no Congresso brasileiro. Isso me surpreende no sentido de vitalidade daquele gesto, como ele durou no tempo”, conta.
‘O futuro é ancestral’
Em seus outros livros e no novo lançamento, Ailton recorre ao pensamento de que “o futuro é ancestral”, questionando a narrativa de uma linha do tempo linear, pois acredita que o tempo é cíclico e, dessa maneira, novas perspectivas para as relações entre passado, futuro e presente surgem, como explica Yussef. “Para ele, não existe um planeta B. Se o futuro é ancestral, se o tempo é cíclico, se a terra se regenera até um certo ponto e se nós passamos desse ponto, esse futuro ancestral de que essa terra é capaz de se regenerar pode vir a não existir mais.”
O historiador acredita que o livro possa ser uma ferramenta para auxiliar na desconstrução de um pensamento não indígena, no qual há uma separação entre natureza e ser humano, como se nós não fôssemos natureza. Segundo ele, essa relação de alteridade, como se a natureza fosse distante, fosse o outro, provoca uma onda de destruição cada vez mais implacável e maior. Com isso, Yussef argumenta: “o que podemos aprender com o passado que é esse futuro ancestral?”.
O principal, para Ailton Krenak, é entender que “a terra é nossa mãe, ela não é uma matéria plástica para a gente esticar, puxar, emendar, colar, ela é um organismo vivo” e questionar e romper com a ideia de que “a terra era uma plataforma extrativista, que levou a gente a esse desastre ambiental que estamos vivendo agora”.
“Em relação ao futuro, eu ponho em questão essa promessa futurista, porque na verdade ela pressupõe que a gente vai acabar de comer a terra, enquanto vamos inventando, cada vez mais, aparato tecnológico e justificativa econômica, o que é tudo mentira.” Por isso, ele insiste em viver o momento aqui e agora, refletir sobre o que é verdadeiro a cada instante e andar com calma. “Talvez a gente se reconcilie com esses lugares de origem, talvez reconciliar com esses lugares de origem seja o melhor caminho para vivermos bem, é isso que eu penso.”
Fonte: https://tribunademinas.com.br/noticias/cultura/08-12-2021/lugares-de-origem-livro-de-ailton-krenak-e-yussef-campos-e-um-mergulho-ancestral.html
UnB concederá título de doutor honoris causa para líder indígena Ailton Krenak
Reconhecimento foi aprovado por aclamação pelo Conselho Universitário da instituição
Redação
Brasil de Fato | Brasília (DF) | 08 de Dezembro de 2021 às 14:12
Líder indígena e ambientalista Aílton Krenak receberá o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Brasília (UnB) - Manuel de Almeida/Agência Lusa
O Conselho Universitário da Universidade de Brasília (UnB) aprovou, por aclamação, a concessão do título de doutor honoris causa ao escritos, ambientalista e líder indígena Ailton Krenak.
O reconhecimento é concedido a personalidades que tenham se destacado pelo saber ou pela atuação em prol das artes, das ciências, da filosofia, das letras ou do melhor entendimento entre os povos. O título foi aprovado na última reunião do Conselho Universitário, ocorrida de forma online na sexta-feira (3).
“O Krenak é um filósofo imprescindível para este momento. Ele acrescenta novas ontologias que transcendem a divisão entre a natureza e o ser humano. Quando destruímos a natureza, destruímos o ser humano. E acrescenta novas epistemologias. A Universidade de Brasília se caracteriza pela abrangência epistemológica, em diversas áreas. Eu destaco as línguas e povos indígenas, o nosso Laboratório de Línguas e Literaturas Indígenas”, afirmou o vice-reitor Enrique Huelva.
A proposta de concessão da homenagem foi sugerida pelo Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania (PPGDH), do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam).
Os professores José Geraldo de Sousa Júnior, da Faculdade de Direito (FD), ex-reitos da UnB, e Vanessa Maria de Castro, da Faculdade UnB Gama, entregaram ao conselho todo o processo de concessão do título, que recebeu o endosso dos intelectuais Boaventura de Sousa Santos e Marilena Chauí, ambos também agraciados com o título de doutor honoris causa pela UnB.
Ailton Krenak é um dos mais proeminentes intelectuais brasileiros da atualidade e uma liderança histórica do movimento nacional indígena. Ele é integrante do povo indígena Krenak (ou Borun), e vive no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. Nascido em 1953, em Itabirinha (MG), Krenak ganhou notoriedade nacional na década de 1980, no processo de luta pela redemocratização do país, que culminou com a aprovação de uma nova Constituição Federal, em 1988, que assegurou os direitos originários dos povos indígenas brasileiros.
Krenak também faz parte da Aliança dos Povos da Floresta, rede idealizada por Chico Mendes, figura histórica do movimento ambientalista brasileiro e internacional, assassinado em 1988.
“Com essa decisão, a Universidade de Brasília honrará a memória de seu fundador Darcy Ribeiro, antropólogo e aliado dos povos indígenas, e fortalecerá a orientação humanista e o espírito democrático desta instituição”, diz o parecer elaborado pela professora Mônica Nogueira, da Faculdade UnB Planaltina. A universidade ainda não informou a data em que o título será formalmente entregue a Krenak.
No final de 2020, Ailton Krenak foi entrevistado no programa Brasil de Fato Entrevista, transmitido pelas redes sociais do jornal, para analisar sobre o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco/Vale/BHP, que completou seis anos no mês passado.
Fonte: BdF Distrito Federal
Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2021/12/08/unb-concedera-titulo-de-doutor-honoris-causa-para-lider-indigena-ailton-krenak
Edição: Flávia Quirino
Plataforma online TePI dá visibilidade ao teatro de povos indígenas
Iniciativa idealizada por Andreia Duarte e Ailton Krenak disponibiliza peças, performances, podcast, textos críticos, encontros e vários outros materiais
10/12/2021 - 12:27
Por: Redação
Mergulhe no riquíssimo universo dos vários povos indígenas do mundo todo, que resistem bravamente para preservar suas terras, culturas e tradições, na plataforma digital TePI – Teatro e os Povos Indígenas (acesse aqui), com conteúdos lançados até março de 2022.
A iniciativa disponibiliza gratuitamente peças, leituras dramáticas, performances, podcasts, textos, conversas e vários outros conteúdos fantásticos, feitos por artistas indígenas e não-indígenas.
Idealizada pela diretora artística Andreia Duarte e pelo filósofo, ambientalista e líder indígena Ailton Krenak, a plataforma é uma forma de resistência em nosso país, que assiste passivamente ao “desfalecimento da cultura, do direito dos povos indígenas e da negação da vida ambiental e plural”, como diz o texto curatorial do projeto.
Além de valorizar o protagonismo indígena, a plataforma tem a missão de reconhecer nesses trabalhos estéticas e conexões que ampliem a percepção sobre a experiência de ser e estar no planeta Terra.
Ao entender o tetro como um espaço de potência criação e reinvenção da vida, a iniciativa reúne obras que tratam de temas urgentes, como a preservação da natureza; a luta dos povos pelo direito à terra e a moradia; as tradições, a cultura e as peculiaridades de cada etnia indígena; e a memória individual e coletiva dessas nações.
Ao que assistir?
Pensada inicialmente como um evento presencial, a TePI – Teatro dos Povos Indígenas reúne cerca de 71 conteúdos em vídeo e outros formatos. No entanto, depois desse período, a plataforma continua a será abastecida a longo prazo.
Os conteúdos são divididos em cinco eixos: mostra artística, com peças, performances e leituras dramáticas; encontros, com conversas, atos para a cura e práticas pedagógicas; internacionalização, com encontros entre programadores e artistas indígenas de vários países; paisagem crítica, com textos e vídeos sobre os trabalhos da plataforma; e publicações sobre o projeto.
Um dos espetáculos é o chileno “Trewa – Estado-Nação ou o espectro da traição”, da Cia Teatro KIMVN. Na mawida, em meio ao frio e à neve, pessoas próximas de Yudith Macarena Valdés Muñoz, que morreu em 2016, em Tranguil, no sul do Chile, pedem ao ngen mapu permissão para exumar o corpo dela.
Retirar a terra para ir em busca da verdade e da justiça. Em meio às sombras, a violência histórica exercida contra o povo Mapuche pelo Estado do Chile está presente em um nível íntimo e privado nesse espetáculo.
Outra atração é “Yepârio e Saberes”, de Sandra Nanayna, que retrata o cotidiano de quatro pessoas indígenas residentes no contexto urbano. Elas mantêm viva a oralidade e a memória antepassados ao transmitir saberes de geração a geração. A peça toda é falada na língua tukano.
Já a performance-manifesto “Lithipokoroda”, de Lilly Baniwa, foi produzida por por artistas indígenas da cidade de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Uma mulher ancestral adormece, anda pela floresta e atravessa a cidade em direção à Maloca, a casa do conhecimento dos povos indígenas.
A floresta está destruída pelas mãos dos brancos. Mas, para os povos indígenas, os conhecimentos ancestrais estão vivos em seus corpos. O trabalho é uma forma de dizer chega para as invasões genocidas, para as violências perpetuadas por séculos pelos missionários, padres e pastores; por tanto sangue derramado, por tantas proibições, preconceitos e perseguições das culturas originárias.
A TePI – Teatro dos Povos Indígenas tem muitos outros conteúdos incríveis para você explorar sem pressa. Então, corre aqui e conheça um pouco melhor o universo e as lutas de vários povos indígenas.
FONTE: https://catracalivre.com.br/agenda/plataforma-tepi-teatro-e-os-povos-indigenas/
terça-feira, 7 de dezembro de 2021
Covid não veio para ensinar, mas para matar, afirma Ailton Krenak
Para Krenak, a pandemia do coronavírus mostra que não há fronteiras entre o corpo humano e os organismos que o rodeiam
Por FOLHAPRESS
05/12/21 - 20h45
A última mesa da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, de 2021, "Cartografias para Adiar o Fim do Mundo", fechou o evento com uma mensagem de esperança como contraponto à crítica atroz ao capitalismo –ou o chamado "capitaloceno", conceito a partir do qual a ação humana se manifesta sempre como resultado de relações econômicas de poder e desigualdade em um contexto global.
A "caretice ocidental" de certos intelectuais que buscam uma cadeira em lugares "abstratos" foi o ponto de partida para o debate entre o líder indígena, filósofo e escritor Ailton Krenak, 68 anos, e o sociólogo e tradutor Muniz Sodré, 79 anos.
"Os humanos estão encenando uma humilhante condição de consumir a terra. Estamos perdendo a mágica que nos faz seres transcendentes. Entristecer o mundo parece que é a vontade do capital. O capitalismo quer fazer um mundo triste, em que operamos como se fôssemos robôs. Por que nossos peixes têm de carregar microplásticos em suas estruturas?", questionou Krenak, autor de "Ideias para Adiar o Fim do Mundo", de 2019, e "A Vida Não É Útil", de 2020.
A ideia de resistência a esse povo europeu que pensa seu modo de existir como único, segundo Sodré, estaria impregnada nas cartografias afetivas que dão nome à mesa –elas foram criadas a partir de oficinas promovidas pela Flip com povos indígenas para mapear futuros possíveis para o Brasil.
"Essas cartografias se realizam como uma nova forma de pensar. São instrumentos de uma política de agregação humana. O debate é muito necessário nesse momento de falta de esperança, de desinteresse", afirmou o autor de "Pensar Nagô", de 2017, e "A Sociedade Incivil", de 2021. Sodré evocou ainda o poeta Caio Fernando Abreu (1948-1996) para tratar da importância da discussão: "O impossível não é não dizer, mas não sentir".
Krenak foi além e afirmou que é necessário se rebelar contra a "metástase do que se chama de capitalismo" e que uma das soluções contra isso estaria justamente na prática do que ambos chamaram de "cartografias afetivas" produzidas pelas oficinas.
"Só a força dos ancestrais é que possibilita imaginar essas cartografias, que contêm camadas de mundo onde as narrativas não precisam conflitar umas com as outras. Não podemos nos render a essa narrativa do fim do mundo, que nos faz desistir dos sonhos, que estão na memória dos nossos ancestrais. Minha visão de cartografia é aquela visão fantástica do astronauta olhando para a Terra e dizendo que a Terra é azul."
"Sempre observei a cidade como um muro. É comum as prefeituras ficarem zangadas com árvores que arrebentam as calçadas. Eu gostaria de conclamar todas as árvores a quebrar mesmo as calçadas da cidade", provocou o líder indígena.
Para Krenak, a pandemia do coronavírus mostra que não há fronteiras entre o corpo humano e os organismos que o rodeiam. "Se o vírus fosse pior que o humano, a gente teria desaparecido. A epidemia não vem para ensinar, mas para matar. Não sei de onde vem essa mentalidade branca de que o sofrimento ensina alguma coisa."
Sodré, por fim, argumentou que o vírus é um efeito colateral da colonização da Terra. "A cidade é importante, mas é preciso ver um outro modo de inteligência, a inteligência da floresta. As lições a se tirar vêm da natureza, vem da mata."
FONTE: https://www.otempo.com.br/brasil/covid-nao-veio-para-ensinar-mas-para-matar-afirma-ailton-krenak-1.2579794
“Comecem a produzir floresta como subjetividade, como uma poética de vida”, diz Ailton Krenak à plateia portuguesa
FONTE: https://amazoniareal.com.br/comecem-a-produzir-floresta-como-subjetividade-como-uma-poetica-de-vida-diz-ailton-krenak-a-plateia-portuguesa/
Porto (Portugal) – O que uma liderança indígena do Brasil pode fazer num encontro português de cinema? Sugerir reflexão. E foi isso (e não só) o que Ailton Krenak fez durante sua participação no Porto/Post/Doc, um festival de cinema do real (documentários), cujo tema e programação gravitaram em torno de um de seus livros, “Ideias para adiar o fim do mundo”. O evento aconteceu na última semana de novembro (dia 25) e teve o líder indígena, pensador e escritor como principal convidado.
Lançado em 2019, o livro é uma adaptação de duas conferências e uma entrevista realizadas em Portugal, entre 2017 e 2019. Em 2020, ano da explosão da pandemia da Covid-19, o livro teve uma repercussão entre leitores brasileiros, tornando-se referência da epistemologia indígena e, sobretudo, do povo Krenak, do qual Ailton é a maior referência.
Durante uma hora e meia de conversa em que participou remotamente a partir da Terra Indígena Krenak, em Minas Gerais, Ailton esgarçou a discussão sobre o que temos feito ao planeta e, mais do que qualquer outra coisa, sobre aquilo que podemos fazer. Com uma argumentação rente ao osso dos temas ambientais, Ailton Krenak instigou os espectadores portugueses a pensarem sobre o garimpo no rio Madeira, a responsabilidade das indústrias com o lixo, o conceito de florestania e ainda a cosmologia de origem do povo Yanomami retratada no filme “A Última Floresta”, de Luiz Bolognesi.
Ailton participou de toda a construção da programação e escolha dos filmes apresentados durante o festival, numa ponte virtual entre o Porto e a aldeia Krenak. Foram escolhidas obras com espinha dorsal feita de urgências sociais e climáticas.
Dario Oliveira, diretor do festival, detalha o nascimento da parceria: “Comecei por ler o livro Ideias para adiar o fim do mundo e tudo o que eu tinha pensado para o festival estava lá. Enviei a ele os filmes que queria incluir neste programa (por volta de 30) e a cada vez que falávamos aprendia imenso. Eu o considero um mestre. Nossa conversa nunca foi de igual para igual. Sou um aluno sempre pronto a fazer perguntas e aprender com Ailton”, revela.
Diante de um auditório com forte presença de estudantes, Ailton Krenak enalteceu a participação e atuação crescente de jovens perante a emergência climática: “Estamos vivendo um tempo em que nem as crianças suportam mais o que a humanidade vem promovendo em relação à vida. Esses meninos e meninas estão no século 21 e a humanidade ainda está no século 20”, diz.
Para o líder indígena, os jovens têm uma capacidade de interpretar o mundo que nos obriga a descobrir coisas possíveis de serem realizadas localmente. “Nós mudamos o mundo a partir do nosso quintal. Aqui onde eu estou, na beira do rio Doce, me engajo nas rotinas domésticas, na horta, no plantio de árvores. São coisas que eu posso fazer com as minhas mãos e outras pessoas podem fazer junto comigo. Eu acho que a gente tem que tecer esperança a partir de coisas práticas; é a partir do real que nós vamos construindo uma saída”, convida.
A inação da indústria em relação ao destino dos resíduos leva Ailton a jogar sal e vinagre na ferida chamada “lixo”, um tema que ao longo da nossa vida vamos discretamente empurrando para debaixo do tapete. Chamou a atenção para o fato de as indústrias não terem obrigação sobre o destino final do que produzem, e culpa os governos de não reclamarem ações contundentes de tratamento de resíduos:
“Governantes deveriam exigir que uma empresa só coloque um produto no mercado se ela tiver responsabilidade de depois retirar o resto dele. Esse resto não deveria ser uma responsabilidade do cidadão, a pessoa já paga por esse produto e chega a ser imoral o que a indústria faz: ela joga no ambiente desde um avião velho até uma garrafa plástica para que a gente se vire com isso”.
Uma pergunta da plateia trouxe o garimpo ilegal para a discussão: imagens de centenas de balsas espalhadas no rio Madeira (no estado do Amazonas), correram o mundo – uma afronta e um reflexo do momento que o país vive. Na opinião de Ailton Krenak, se tem mercúrio envenenando o ecossistema, deveríamos procurar avidamente saber quem distribui mercúrio e não ficar procurando onde foi jogado o veneno, porque alguém o fez chegar ali.
“Quero ligar a ideia de quintal com o mundo. O Brasil é um lugar pleno de riquezas, mas que crescentemente produz nos brasileiros um sentimento de expropriação, de vida roubada. O retrato daquela fila de balsas que estão aguardando para entrar com suas máquinas sujas na floresta, como se fossem um exército sombrio, parece a vida de milhões de brasileiros que se enfileiram nas calçadas para receber a ajuda miserável de um governo que está promovendo a depredação de ecossistemas, uma coisa liga a outra” apontou e pediu que a audiência juntasse mentalmente a imagem das recentes e enormes filas dos brasileiros na frente do banco Caixa Econômica Federal (a espera de 400 reais para um sustento familiar mensal) e a fila de balsas e dragas aglomeradas no afluente do rio Amazonas.
“Quem produziu essas duas imagens se chama governo brasileiro. Querem arrancar ouro e eu não sei para que. Me pergunto se aquele ouro será entregue aos miseráveis na fila da caixa económica”, indaga Ailton.
Ailton Krenak comenta que a vida está sendo transformada numa correria, porque estamos sempre sentindo falta de alguma coisa, mas que na maioria das vezes sentimos falta das coisas que temos em excesso e isso não seria apenas uma crônica sobre a carência e a abundância.
“A terra é maravilhosa e tem tudo para todos nós. Temos é que mudar essa racionalidade, por isso tenho feito um debate sobre o Antropoceno que é mais ou menos assim: ‘como é que a gente foi cair no conto do vigário desse? De acreditar que o tempo é dinheiro? Ou que a gente pode se apropriar da vida na terra?’ A vida na terra é maravilhamento não dá pra ninguém se apropriar dele”. Com estas indagações, e aproveitou o momento e espaço para pedir à plateia de participantes portugueses que produzissem mais florestas, sem necessariamente plantar árvores.
“Comecem a produzir floresta como subjetividade, como uma poética de vida, cultivem essa lógica dentro de vocês, diminuindo a velocidade, essa tensão que a vida implica, e criem uma essência afetiva, colaborativa, que é a natureza da floresta.”
O debate também incluiu a participação de Pedro J. Marquéz, que fez a direção de fotografia de “A última floresta”, longa-metragem dirigido pelo cineasta Luiz Bolognesi, escrito em parceria com o líder indígena e xamã Davi Kopenawa Yanomami e rodado na Terra Indígena Yanomami, na aldeia Watoriki, no Amazonas.
Marquéz nasceu em Madrid mas já viveu no Rio de Janeiro, Tóquio, São Paulo, La Habana e agora mora em Lisboa. Embora em Portugal, Pedro participou via internet, infectado pelo novo coronavírus: “Semanas antes de ir para o Brasil, morreu Agnès Varda, cineasta francesa que amo e que uma vez disse ‘só se pode fazer cinema com amor e empatia’ e levei isso para me aproximar do povo Yanomami, meu trabalho ali foi sobretudo um exercício de humildade”, admite Pedro.
Para o espanhol, o filme faz o retrato de uma luta e, por muito mal que as coisas estejam sempre vai ter alguém lutando. “Pode ter beleza e resistência, o nosso cinema pode contribuir com esperança. Em 2019 encontrei o Ailton em Lisboa, numa Mostra Ameríndia sobre os percursos do Cinema Indígena no Brasil, e vimos um filme chamado Já me transformei em imagem (Zezinho Yube Hunikui, 2008) que nunca mais saiu da minha cabeça. trabalhei em “A última floresta” tentando fazer um retrato sem ‘instrumentalizar’ ou ‘objetizar’ os Yanomami”, explica Marquéz.
Em 2017, o cineasta carioca Marco Altberg registrou a caminhada de Ailton Krenak no documentário “O sonho da pedra”. Numa das cenas do filme, o escritor, filósofo, jornalista e líder indígena aborda Carlos Drummond de Andrade e seu poema “Confidência do Itabirano” que termina tragicamente a constatar que, no futuro, Itabira será apenas uma fotografia na parede.
Ailton conta que o poeta mineiro passou boa parte da vida sofrendo a humilhação de ver tudo o que lhe era sagrado se transformar em poeira e mesmo assim criava poesia e beleza a ver se conseguia despertar o interesse de alguém para que não permitissem que o vale do rio Doce virasse apenas aquele retrato na parede.
“Se todas as nossas paisagens virarem os retratos descritos por Drummond, só nos sobrará o cinema. Muito obrigado por me ouvirem a falar obviedades”, agradece Ailton Krenak.
segunda-feira, 14 de junho de 2021
Novo e-mail
Bom dia! comunico que o novo e-mail do blog é
blogailtonkrenak@yahoo.com
O antigo e-mail foi desativado.
Quem enviou mensagem nos últimos dias, favor reenviar.
Atenciosamente
Hanny Vartuli
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