sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Aos seguidores do blog:

Recebi este email do Mauro Andriole. Achei muito interessante e resolvi compartilhar com vocês. Estou incluindo um texto e belas imagens, todos de sua autoria.

"Vim a conhecer o blog destinado a fazer conhecer a pessoa e personalidade de Ailton Krenak, com quem tive o prazer de dialogar, no Nucleo de Cultura Indígena no bairro do Butantã, e mais algumas outras poucas vezes, quando coincidentement nos encontramos em locais públicos há anos atrás. Da conversa que tive na ocasião, as impressões foram tão significativas que reorientei todo o meu trabalho em artes - sou artista plástico - para vir a expor as ideias que Ailton generosamente me disse.
Tão significativo foi este encontro, que desde então trabalhei num projeto visual chamado "Dança para segurar o Céu" - composto por centenas de obras, pinturas, gravuras e esculturas. Além disso, anos depois dessa nossa conversa, vim a ingressar na Universidade de São Paulo, onde concluí o curso de Filosofia, tendo incluído depoimentos de Ailton em uma das disse rtações que fiz na disciplina "Contatos interétnicos" - ministrada pela antropóloga Dominique Gallouis.

Daí eu entrar em contato para, não só deixar meu agradecimento a Ailton, que em verdade nem sabe sobre o impacto de suas ideias em minha obra, com também enviar o texto que fiz questão de escrever, registrando este encontro.
Envio em anexo também três imagens da série " Dança para segurar o Céu", ao todo são mais de 300 monotipias que criei sobre o tema.
Se for de interesse a publicação do texto e imagens das obras, autorizo desde já. É uma forma de agradecer a Ailton por sua generosidade e empenho na construção de uma relação fraternal entre os povos. "


Música ao Vento
















O presente do fogo
















Os filhos cantam para nascer



















TEXTO:

"Certa vez uma visão, aparentemente comum, se apresentou como se fosse inédita para o que até então eu conhecia acerca da natureza. Isto se deu pela generosidade de Ailton Krenak, um índio brasileiro com quem conversava na ocasião.
Através de sua vivência infinitamente mais integrada à natureza do que a minha, ele me desocultou o óbvio. Assim, olhando por uma janela de uma pequena casa em São Paulo, eu vi as árvores dançando para segurar o Céu.

Eram árvores antigas ali na praçinha, estavam resguardando o pouco do silêncio que chegava do trânsito da avenida que corria apressada. Parecia, no entanto, que a "cidade" estava longe dalí. Um vento de final de dia soprava leve, arranhando um zum zum de fundo, feito música. Às vezes a folharada se esbarrava mais forte e matracava uma alegria qualquer.
Nada era aparentemente diferente de tudo o que sempre esteve ali para mim, uma praça, como tantas outras perdidas pela cidade, mas, no entanto, agora havia mais do que eu percebia antes daquele instante mágico.
Havia agora, ali naquela mesma praça, claramente uma correspondência entre as coisas que as tornavam agentes de um só propósito. A realidade espacial pouco importava, estava dissolvida a distância técnica e lógica que distingue o eu do outro, já não havia sentido em pensar sobre dualidades, bastava uma só verdade para o sentido de ser.
Percebi que eu também fazia parte da mesma dança, apenas estava inconsciente disso até o Ailton Krenak me mostrar. Daí veio o desocultamento: o aqui tudo era só o lá daquela Dança para segurar o Céu. Não havia um porque não ser aquilo, na verdade, de sempre ter sido assim, e na visão tudo revelava-se no movimento mudo dos galhos acompanhando o vento que cantava uma música vinda do sublime milagre da existência.
A rua canalizava esse fluxo ventania que o mato da praça amansava, e com isto, o libertava momentaneamente das definições plausíveis, da pressa e das finalidades científicas, atmosféricas, mas também, não o confiscava,ao contrário disto, integrava este fluxo vento a um Todo. Porém, isto foi só por um instante, que logo se desvaneceu em seguida, deixando este ciclo sem fim oculto, mais uma vez como a mera passagem entre a realidade urbana e o Cosmo.
Já se perdia então para mim a vivência da Dança, eu voltei à individualidade, o passante ligeiro, compromissado compulsoriamente pela sociedade onde cresci. A música silenciando, tudo assumindo uma invisibilidade imaculada,e em mim resta agora, depois de divagar livremente nela, apenas uma memória, que me dá este pretexto para um discurso que é só a menor parte de tudo que foi vivido.
Permanece, no entanto, agora em mim a busca pelo retorno a esta realização espiritual, mas também, sinto algo a mais na sensação de reviver aquele sentido, ecoando em minha Alma,algo imanente que, ao rememorá-lo, ainda que de outro modo, ecoa o pulsar típico do artista, um desejo de pintar a Dança para segurar o Céu.
Ficou assim, retido na memória, esse sonho verdade, que agora se manifesta nas imagens reorganizadas neste outro Cosmo que é Arte. Mas sempre há a chance de deixar-se levar pelo vento e dançar com ele neste Céu aberto que nos ampara desde sempre."

AUTOR: Mauro Andriole

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Seminário Patrimônio Cultural Imaterial – Salvaguarda de saberes e fazeres tradicionais

Reza a lenda que, quando o folclorista e etnógrafo brasileiro Luís da Câmara Cascudo nasceu, sua mãe derramou na água do primeiro banho um cálice de vinho do Porto, com a intenção de lhe conferir saúde, enquanto o pai teria mergulhado um patacão de prata do tempo do império para garantir fortuna ao filho. Dona Ana Maria da Câmara Cascudo era, como se diz hoje, mãe e esposa full time, e o Coronel Francisco Justino de Oliveira Cascudo, além dos ofícios do coronelado, acumulava a função de comerciante. A história de Câmara Cascudo, provavelmente, não difere tanto da de outros meninos de mesma classe social de sua época. No entanto, um olhar mais acurado para o episódio narrado mostra que na casa dos Cascudo a tradição popular estava inserida nos rituais do cotidiano. As histórias que Câmara Cascudo viria a contar anos depois em diversos livros-registros da memória popular já estavam semeadas na meninice vivida em Natal (RN), entre a beira-mar e o sertão.

Câmara Cascudo é para a tradição popular brasileira uma espécie de griô, um inventariador e participante ativo, capaz de transmitir de geração a geração os saberes e fazeres culturais que, de outra feita, teriam sido esquecidos. “Andei e li o possível no espaço e no tempo. Lembro conversas com os velhos que sabiam iluminar a saudade. Não há um recanto sem evocar-me um episódio, um acontecimento, o perfume duma velhice. Tudo tem uma história digna de ressurreição e de simpatia. Velhas árvores e velhos nomes, imortais na memória”, diz Cascudo no livro Província, de 1968.

Na prática, verificamos a partir de diversas experiências no campo da cultura que a tradição permanece viva enquanto tem significado para determinado grupo, que transmite seus saberes e fazeres por gerações. Sem a anuência e iniciativa do grupo, a tradição perde a razão de ser e se esgarça até o completo esquecimento. É, justamente, com o intuito de evitar essa perda que instituições governamentais trabalham em conjunto com a sociedade para a identificação e salvaguarda do patrimônio.

Um exemplo concreto dessa união é o caso do jongo no Sudeste. Aos poucos, a manifestação foi desaparecendo das comunidades descendentes de escravos da região, por razões diversas que, na maioria das vezes, tinham raízes socioeconômicas. Colaboraram para o esquecimento a migração de seus praticantes e os processos de urbanização; o preconceito contra as práticas culturais afro-brasileiras; e a superposição de expressões de maior apelo no mercado de bens simbólicos. No entanto, ainda havia uma chama mantida por comunidades jongueiras que valoram o jongo como elemento de construção e afirmação de sua identidade, como “conjunto de saberes ancestrais, testemunhos de sofrimento, mas também de determinação, criatividade e alegria dos afro-descendentes”, conforme explica o prefácio do livro Dossie_Jongo, editado pelo IPHAN. Foram essas comunidades que deram ensejo para a ocorrência do Inventário Nacional de Referências Culturais – InrC, desenvolvido pelo Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular – CnfCp do IPHAN, que balizaria a posterior proclamação, em 2005, do jongo como Patrimônio Cultural Brasileiro.

Segundo o Superintendente do IPHAN no Rio de Janeiro, Carlos Fernando Andrade, a mobilização e organização dos praticantes do jongo, com especial atenção para o Pontão de Cultura do Jongo/Caxambu, foram de suma importância para a salvaguarda do patrimônio. “O jongo ainda é uma prática malvista em determinadas regiões. Mas a mobilização popular e o trabalho desenvolvido no Ponto de Cultura têm contribuído muito para o fortalecimento da própria manifestação, além de elevar a auto-estima de seus praticantes”. As palavras do Superintendente completam o editorial do livro Jongo no Sudeste, assinado pelo Presidente do IPHAN, Luiz Fernando de Almeida, sobre a função do IPHAN. “Ao tornar públicos processos e resultados desse trabalho, o IPHAN contribui para o reconhecimento e o respeito a esse patrimônio pela sociedade brasileira. Pedindo licença ao jongueiro velho, com este livro saudamos a todos os jongueiros novos. Saravá!”.

Com relação ao Inventário Nacional de Referências Culturais, a cientista social do IPHAN-MG, Corina Moreira, alerta: “o inventário atua como um poderoso instrumento para a mobilização social, mas requer cuidados por parte dos especialistas responsáveis pela pesquisa. Quando lançamos um olhar sobre os bens de natureza imaterial, interferimos na comunidade detentora do saber. Por isso, é preciso seguir metodologias que garantam o equilíbrio entre as demandas da comunidade e as ações de reconhecimento”, diz.

Sobre a salvaguarda, também é importante ressaltar que não se trata apenas do congelamento de tradições como mero instrumento de memória. Enquanto fizerem sentido para seus praticantes, as manifestações culturais se mantêm vivas e em constante evolução, se adaptando aos novos tempos, o que permite a manutenção da identidade e da resistência cultural, além da renovação do universo simbólico dos grupos sociais envolvidos. Essa ideia é muito bem concretizada pelo jornalista e representante da tribo indígena Krenak, Ailton Krenak, que traz à tona a memória de uma cantiga de sua infância. “Meninos e meninas se reuniam no terreiro, no fim do dia, para cantar os versos ‘o meu pai mandou dizer que se eu não achar essa agulha vai levar você. Pra trás, pra trás, uma agulha que se perde não se acha mais’. A história da agulha é simbólica e faz a gente se perguntar sobre as perdas culturais que tivemos, sobre as perdas de memória que tivemos. A possibilidade da tradição nos religar ao futuro só acontece quando nos reconhecemos nela”, afirma Krenak.

Abaixo, selecionamos um trecho autoral de Câmara Cascudo, publicado no livro Província:

“Nasci na Rua das Virgens e o Padre João Maria batizou-me no Bom Jesus das Dôres, Campina da Ribeira, capela sem tôrre mas o sino tocava as Trindades ao anoitecer. Criei-me olhando o Potengi, o Monte, os mangues da Aldeia Velha onde vivera, menino como eu, Felipe Camarão. Havia corujas de papel no céu da tarde e passarinhos nas árvores adultas, plantadas por Herculano Ramos. Natal de noventa e seis lampiões de querosene. Santos Reis da Limpa em janeiro. Santa Cruz da Bica em maio. Senhora d’Apresentação em novembro. Farinha de castanhas e carrossel. Xarias e Canguleiros. Natal que se apavorou com o holofote, enchendo as igrejas de bramidos e arrependimentos. Auta de Souza embalou-me o sono. Pedro Velho pôs-me na perna. Vi Segundo Wanderley declamar. Ferreira Itajubá cantando. Alberto Maranhão passeando a cavalo, manhã do domingo. Tinha treze anos quando veio a luz elétrica. Festas no Tirol. Violão de Heronides França. Livros. Cursos. Viagens. Sertão de pedra e Europa.

Nunca pensei em deixar minha terra.

Queria saber a história de todas as cousas do campo e da cidade. Convivências dos humildes, sábios, analfabetos , sabedores dos segredos do Mar das Estrelas, dos morros silenciosos. Assombrações. Mistérios. Jamais abandonei o caminho que leva ao encantamento do passado. Pesquisas. Indagações. Confidências que hoje não têm preço. Percepção medular da contemporaneidade. Nossa casa no Tirol hospedou a Família Imperial e Fabião das Queimadas, cantador que fora escravo. Intimidade com a velha Silvana, Cebola quente, alforriada na Abolição. Filho único de chefe político, ninguém acreditava no meu desinteresse eleitoral. Impossível para mim dividir conterrâneos em cores, gestos de dedos, quando a terra é uma unidade com sua gente. Foram os motivos de minha vida expostos em todos os livros. Em outubro de 1968 terei meio século nessa obstinação sentimental. Devoção aos mesmos santos tradicionais”.

Priscila Fernandes / blog Acesso

Fonte: http://www.blogacesso.com.br/?p=3319

Semana do Índio na OAB/MS - Abril 2010

Fotos retiradas do site: http://ceaioabms.blogspot.com/2010/09/iii-edicao-do-premio-culturas-indigenas.html



Recepção do Presidente da OAB/MS, Dr. Leonardo Avelino Duarte ao palestrante da noite, o índio Ailton Krenak






Índios locais, funcionária da OAB e a presidente da CEAI/OAB/MS recebendo o índio palestrante Airton Krenak






Airton Krenak com a Drª Adriana de Oliveira Rocha