Por: Amália Souza
Há exatamente uma década, dois índios, um da América do Sul e outro da América do Norte, se encontraram em Washington DC -- Ailton Krenak, índio Krenak do Vale do Rio Doce, que na ocasião recebia um prêmio de Direitos Humanos, e Thomas Banyachia, o último sobrevivente do Grande Conselhode Anciões do povo Hopi. Por uma felicidade do destino era a minha a voz que traduzia a conversa desses dois visionários de nossos tempos. Gostaria de compartilhar o que aprendi.
Conversavam sobre as ameaças à continuidade da vida na terra como a conhecemos, sobre a direção que tomamos e o que é preciso para reverter esse processo. Suas palavras falavam de preocupação, mas também esperança.
Para entendê-las melhor, antes precisamos começar de uma base comum. A primeira é que sempre que falamos de meio ambiente, apontamos para longe, para um lugar lá fora --o mato, a grama do jardim, o passarinho. Mas quase nunca nos lembramos de apontar para nós mesmos - os seres humanos -- tão parte desse emaranhado, dessa teia interdependente que mantém a vida desse planeta, e tão dependentes dela como qualquer outro animal, ou planta, água, terra, fogo e ar. Somos feitos, todos nós, dos mesmos elementos químicos, em composições e combinações diferentes. E só sobrevivemos por fazer parte desta incrível e sofisticada simbiose. Nunca independentes dela. A segunda é que, por isso, não podemos nos extrair desse ambiente -- não podemos viver sem essa teia. Consumir como consumimos, despedirçar como desperdiçamos só nos leva a um resultado - o colapso desse sistema tão integrado, e ao mesmo tempo tão frágil.
Se revertemos esse processo destruidor em tempo, temos alguma chance de sobreviver com saúde. Se não o revertemos, nossas vidas se tornarão cada vez mais miseráveis. Portanto, a mudança tem que partir de ações individuais que se refletem no coletivo. Como diz Margareth Mea, "Nunca menospreze o poder dos indivíduos de provocar mudanças no mundo. Realmente, é a única coisa até hoje que já foi capaz de fazê-lo."
Com isto, voltamos a nossa estória...
Thomas contava a história de seu povo, e de todos os de pele vermelha, e dava um aviso. Segundo os Hopi, todos os povos de pele vermelha vêm de uma mesma família. Em algum momento, grupos foram incumbidos de viajar, cada um para uma direção, levando consigo um manto sagrado que deveriam enterrar no lugar que escolhessem habitar. Desse lugar não deveriam mais sair, mas protegê-lo com suas vidas.
Segundo a tradição, esses grupos viveriam isolados por milhares de anos. Mas um momento chegaria, um momento importante para o Planeta Terra, um momento de grandes mudanças e de profundas transições, em que eles deveriam unir-se novamente. Quando os pele vermelha começassem a se re-encontrar, seria para cumprir sua máxima missão, de apaziguar a Grande Mãe para que tenha piedade desse pobre povo que causou tanta destruição. "Quando a Terra começar a reagir por todo o mal trato que recebeu, não adianta correr para a ONU", dizia, "só nós, os pele vermelha, sabemos falar sua língua."
Ailton, aquele índio que pintou a cara de preto em sinal de luto por seu povo no Senado Federal durante a constinuinte, falava de responsabilidade de Ser Humano. Dizia: "já não temos tempo para sonhar... por isso já não ouvimos as mensagens da Terra. Mas, se todas as manhãs, nos olharmos no espelho, e nos vestirmos com a responsabilidade de Seres Vivos do Planeta Terra que somos, vamos nos lembrar de tomar as rédeas do nosso futuro novamente. Sobreviver não é o mesmo que viver. O índio [e certamente todo ser que vive neste planeta] quer viver, não sobreviver. Se não temos acesso às nossas terras, a água e ar puros, a comida limpa, não estamos vivendo como merecemos. Vivemos hoje como se tivéssemos uma seringa constantemente chupando nosso sangue, gota a gota. Nos esquecemos que nem sempre as coisas foram assim. Tudo isso é muito recente! Ainda podemos nos lembrar de lugares de água limpa. Ainda podemos nos lembrar do canto dos pássaros, do cheiro de mato."
Não é tarde demais para reverter esse processo, se realmente quisermos. Mas para isso, temos que acordar desse pesadelo, dessa ilusão de consumismo e principalmente de impotência. Nossa autoridade de seres planetários nos investe do poder de dizer "NÃO!". É hora de começar.
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FONTE: www.amaliasouza.net/indio.htm
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